O rock do futuro chega através de ‘Villains’, dos Queens of the Stone Age
Já lá vão os tempos das Generator Parties, dos Kyuss, dos Mondo Generator, ou até de Rated R ou Songs For The Deaf. Passaram-se mais de duas décadas desde o surgimento do desert rock. A este associamos automaticamente o nome do fundador, compositor, guitarrista e vocalista dos Queens of the Stone Age (QotSA): Joshua Homme.
Falamos de um homem que reinventou o rock n’roll no início do milénio, e que catapultou os seus projectos para longe do árido deserto norte-americano. É verdade que, para isso, contribuiu Songs For The Deaf e o seu eterno single “No One Knows”. Desde então a banda sofreu inúmeras alterações na sua formação; apenas Joshua Homme permaneceu fielmente dedicado ao projecto. Em 2016, com Dean Fertita (também guitarrista dos QotSA) e Matt Helders (baterista dos Arctic Monkeys), produziu Post Pop Depression de Iggy Pop. O trabalho editado com o lendário vocalista dos Stooges “renovou a esperança” de Homme no rock.
Uma esperança que transportou para Villains, novo álbum dos QotSA, sob a produção de Mark Ronson, assumido fã da banda e homem por detrás de discos como Back To Black de Amy Winehouse ou Uptown Funk de Bruno Mars. O veredicto já todos conhecem: os QotSA chegam a 2017 com a missão cumprida e intacta, assumindo-se como uma das instituições maiores do rock.
Há quatro anos, …Like Clockwork dava seguimento à identidade da banda e, principalmente, à do seu frontman. Contudo, os acordes bicudos que os caracterizam abandonaram uma presença mais musculada para darem lugar a guitarradas dançáveis. Surpreenderam também com a faixa homónima do álbum, uma balada em que Homme, sentado ao piano, entoava versos agudos e profundos. No mesmo disco, músicas como “If I Had A Tail” ou “My God Is The Sun” não deixavam que a banda abandonasse a aura desértica que os caracteriza; ainda assim, tratava-se claramente de um álbum de transição para o recém-chegado Villains.
Assim, podemos dizer que …Like Clockwork, o trabalho com Iggy Pop e o auxílio de Ronson na produção, são os alicerces principais que sustentam o novo trabalho dos QotSA. É normal que a primeira audição de “Villains” nos surpreenda, porque o quinteto perde aquela crueza quase lo-fi na sua sonoridade. E, após o lançamento de “The Way You Used To Do”, quantos de nós não se questionaram: isto são mesmo os QotSA?
Não é fácil de compreender, mas a evolução da banda é bastante visível. Homme nunca foi homem de se trancar em Joshua Tree; pelo contrário, sempre abriu a porta a colaborações e à exploração de novas sonoridades. Neste trabalho, ainda que a produção de Ronson não seja revolucionária, destacam-se os detalhes e pormenores adicionados pelo produtor.
“Feet Don’t Fail Me” transporta, provavelmente, a mais longa intro (cerca de um minuto e meio) da carreira dos QotSA. A primeira faixa do disco anuncia desde logo que a banda não perde o seu carácter em relação aos álbuns anteriores. Apesar da diferença substancial na sonoridade, as guitarras ganham corpo e as palmas marcam o tempo de “The Way You Used To Do”, fazendo desta a faixa mais orelhuda. O registo é descaradamente pop, e constituiu a escolha acertada para o primeiro single de Villains. Tudo isto é marcado por uma guitarra que também se avoluma; é gingona e ‘swinga’ pelo álbum fora. Afinal, o rock também é para dançar. “Domesticated Animals” assume-se fiel a isso e volta a trazer palmas sampladas, quase para nos relembrar novamente o nome do produtor. Neste disco, os sintetizadores seguem o caminho inverso dos anteriores; agigantam-se e perdem a pontualidade quase inteligível. “Fortress” é símbolo dessa maratona de teclados, embora seja mais melancólica; tanto, que poderia até fazer parte de “Post Pop Depression”.
“Head Like A Haunted House” e “The Evil Has Landed” são as faixas mais rock n’ roll de Villains. Os riffs desmultiplicam-se uns atrás dos outros, desfazem-se em solos agudos e a velocidade galopante da bateria não os larga. Quase no mesmo registo da tal balada de …Like Clockwork, “Villains of Circumstance” é uma canção onde a voz de Homme deambula por entre agudos e graves com ligeira facilidade. É uma faixa em crescendo, que finalmente resulta no culminar de uma preocupação vincada com os arranjos instrumentais. Onde não só os sintetizadores, mas também o baixo, ganham uma nova identidade. Para além da produção de Ronson, o álbum ganhou muito com a mistura do experiente Alan Moulder, conhecido por já ter trabalhado com Nine Inch Nails ou The Smashing Pumpkins.
O novo trabalho dos QotSA demonstra que a banda não se encostou à continuidade ou à monotonia. Nem está de olhos postos no passado, em busca das harmonias antigas e nostálgicas. É inegável que ganha outra facilidade de audição, é mais pop e macio; mas faz parte de um processo criativo, em constante evolução. Também é compreensível que os fãs da banda se sintam angustiados. Porém, a irrequietude de Homme e companhia em busca de novas experiências não é necessariamente negativa. Mal-amado para já, mas provavelmente um disco que ficará na história como ponto de viragem para o género. Os QotSA conseguiram editar um álbum rock do século XXI, que não perde a essência mas também não cheira a mofo. É moderno e diz-nos que o rock também pode lotar pistas de dança.