Castello Branco e a música como forma de verdade
Lucas Castello Branco é um ser sensível. A verdade é das coisas mais importantes para ele; a palavra figura em muitas das suas canções, a par de outros termos grandiosos e mensagens importantes. No entanto, após o concerto a que assistimos no Capitólio, em Lisboa, na passada noite de quarta-feira, foi a verdade que mais se destacou, esse conceito “tão simples” e no qual tanto tropeçamos, como nos disse o artista.
Castello Branco vive a sua verdade, que nos é transmitida pelas suas palavras e, de forma mais inescapável, pela sua linguagem corporal. Vemos tudo aquilo que ele nos passa: a sua vulnerabilidade, alguma ponta de nervosismo e, acima de tudo, a sua enorme sensibilidade, demasiado grande para conter no seu corpo delgado, que tem de soltar através de danças apaixonadas e espasmódicas.
Isto é-lhe permitido pelo formato de concerto que sempre idealizou fazer e que nunca tínhamos visto até esta pequena tour portuguesa: acompanhado de banda e com um som cheio, mais baseado no rock e, por isso, mais intenso do que aquilo que esperaríamos. O que se perde na delicadeza e detalhe da sua voz ganha-se nos arranjos pujantes da sua mui competente banda e na performance apaixonante, que chega a levar Castello Branco até junto do público para dançar. Há que louvar ainda a qualidade de som do espaço do Capitólio, que tem sido a casa de um rol de artistas brasileiros contemporâneos, bem entregues a um som cheio, bem definido e envolvente.
Por mais que a plateia não esgotada ou os lugares sentados pudessem desmotivar artista ou público, tal não se fez notar na entrega de cada um. “Fortaleza”, um dos temas que, na semana passada, retrabalhou na actuação que fez no Auditório de Espinho com o Projeto Benjamim, assentou logo as fundações para a relação que se construiria ao longo do espectáculo. Castello Branco partilhou connosco a experiência comovente de colaborar com os jovens do Projeto Benjamim, que se uniram a ele para cantar “Não existem regras para amar alguém”, amor esse que não se baseia no desejo ou na paixão, mas em permitir o outro ser quem é — lá está, viver a sua verdade.
“O Peso do Meu Coração”, um dos seus maiores temas, levou-o a recordar o concerto de voz e violão que fez na sua estreia em Lisboa, na Casa Independente, num registo distante daquilo que vimos desta vez e que, segundo Castello Branco, é a forma pretendida para essa canção tão bonita.
Envergando roupa negra que contrastava com várias das melodias apresentadas, banda e artista entregaram-se a “Assuma”, canção que marcou um dos momentos mais leves do concerto tanto pelas teclas soalheiras de Ruben di Souza como pela sua belíssima letra: “Lá de onde eu vim não há dor que não passa / Não tem tempo ruim, nem conversa fiada / Não há mal que não possa / Ter seu fim”.
Já perto do final, o concerto estendia-se pois ninguém parecia querer arredar pé. O público clamava por canções e Castello Branco tentava aceder. Apesar de não se ter aventurado por “Criançada”, uma das suas canções mais reconhecidas, entregou-nos uma não planeada versão acústica e muito celebrada de “Céu da Boca”, do distante Serviço, álbum de 2013. Para poupar tempo, ignorou-se a etiqueta do encore e, sem demérito do concerto, ouvimos uma segunda vez “Coragem” e “Crer-Sendo”.
Para quem quis ficar, o artista reapareceu à porta do Capitólio para “trocar ideias”. O que se sentiu foi carinho, genuinidade, gratidão e felicidade, tudo aquilo de que mais precisamos neste momento — e sempre. É essa a verdade.
O artista actuará esta noite, dia 28 de Abril, no Auditório Municipal de Esposende.