O génio cinematográfico de Brian de Palma
Conotado como um dos realizadores mais prestigiados nos géneros de suspense, thriller psicológico e criminais, Brian de Palma traz consigo um lastro impossível de se ignorar. Após marcar indelevelmente o cinema nas décadas de 80 e 90, este realizador fez um hiato na sua carreira, desfrutando do sucesso financeiro gerado pelos seus blockbusters em Veneza. Alguns cinéfilos indagavam-se se, alguma vez, o cineasta regressará ao ativo. A verdade é que sim, já este ano, com um novo thriller, de seu título Domino, contando com uma vingança de um polícia dinamarquês à procura de vingar a morte do seu parceiro.
Brian Russell De Palma nasceu a 11 de setembro de 1940 em Newark, New Jersey, nos Estados Unidos da América. Com ascendência italiana como o seu sobrenome indica, foi nos tempos de faculdade que o jovem desenvolveu uma paixão pela realização cinematográfica após assistir a Citizen Kane (1941) e Vertigo (1968). Influenciado por grandes nomes do cinema, como Michelangelo Antonioni, Alfred Hitchcock ou Jean-Luc Godard, foram muitas e variadas as inspirações do cineasta, que o levaram a aventurar-se por vários géneros de cinema. Um dos primeiros projetos do realizador teve como protagonista o então desconhecido ator Robert De Niro (listado nos créditos como Robert Denero), sendo produzido em 1963 e designado de The Wedding Party. Para além de avulsas parcerias com outros incipientes cineastas, De Palma trabalhou em documentários e começou a adquirir autonomia financeira graças aos mesmos, destacando-se The Responsive Eye (1966) e Dionysus in 69 (1969). Nestes trabalhos, o norte-americano explorou alguns recursos interessantes e inusitados, como o ecrã dividido de forma a conectar mais estreitamente o espectador com o filme e o seu contexto.
No virar para a década de 70, o cineasta arriscou mais em argumentos originais e na sua transposição para o grande ecrã. Experimentalista de natureza, voltou a arriscar nos seus trabalhos, especialmente no que toca à construção da narrativa e à intertextualidade, caraterísticas ligadas ao franco-suíço Jean Luc Godard, e às temáticas “hitchcockianas” empreendidas. Dois trabalhos em que esses conceitos pontificam são Greetings (1968) e Hi, Mom! (1970), ambos protagonizados por Robert De Niro e ambos sucessos financeiros. Importa salutar que, no primeiro, De Palma também pretendeu dar agilidade ao conteúdo transmitido através de toques futuristas, como movimentações rápidas ou súbitos cortes no desenrolar da ação. Mais ideias que o acompanharam na sua transição para Hollywood foram a exploração visceral das suas personagens (homenageando a obra do escritor Bertolt Brecht ao apelar à comunicação emocional delas com o que frui da mesma) e a potenciação dos parcos recursos logísticos para conferir realismo ao conteúdo filmado.
“He is the one who distilled the essence of film. He’s like Webster. It’s all there. I’ve used a lot of his grammar.”
Brian de Palma sobre Alfred Hitchcock, um dos seus grandes ídolos.
Já imbuído na indústria de Hollywood, alguns dos filmes que marcaram a nova fase do realizador foram Sisters (1973), Phantom of the Paradise (1974), Obsession e Carrie (ambos de 1976), Dressed to Kill (1980) e Blow Out (1981). Apesar da maioria destes filmes serem financiados independentemente, nem por isso granjearam menor apreço por parte dos habituais cinéfilos, especialmente os últimos três da lista acima elaborada. De Palma personalizou estes trabalhos recorrendo às suas predileções advindas tanto do trabalho de Alfred Hitchcock, como o final chocante e o suspense que domina a ação dos filmes, como de outros mais dispersos, aplicando slow motion e o já identitativo split screen. Assim, saía dos cânones do género do terror e explorava mais a parte visual do que o argumento do seu projeto cinematográfico. A variedade que viria a predominar a carreira de De Palma era tal que ia dos retratos de gangsters depravados, desmesurados, manipuladores e violentos (Scarface, um remake, realizado em 1984, e Carlito’s Way, de 1993, ambos protagonizados por Al Pacino) como argumentos vanguardistas, oscilantes e menos convencionais (The Fury, de 1978). Outros trabalhos viriam a marcar a cultura norte-americana por apresentar uma maior acessibilidade ao público geral, tais como The Untouchables (1987, cuja banda sonora foi produzida pelo lendário Ennio Morricone) e lançando a famosa franchise Mission: Impossible (1996), chegando até ao ponto de produzir o videoclip da música de Bruce Springsteen “Dancing in the Dark” (1984).
“I’m not interested in a lot of talk. Talk to me is very boring and a lot of people just put that up there all the time. You have many films with these long character scenes, with extremely in-depth analysis, and what you have is a lot of characters sitting around talking to each other. Which does little to excite me in terms of the possibilities of what you can do with cinema. So I have those sequences in when they’re necessary, but I certainly don’t structure my film around them. And most of cinema today is driven by television, which is all talk – I tend to be the counterprogramming director.”
Brian de Palma quanto ao seu perfil como cineasta.
Na fase mais recente do seu percurso profissional, o realizador norte-americano voltou a não se deixar dominar pela unicidade temática e tentou explorar o drama e alguma ficção científica. No entanto, apesar de um investimento avultado, os retornos monetários não foram os esperados e o cineasta afastou-se da produção cinematográfica. Sumarizando outros traços caraterizadores do seu estilo, De Palma não descarta referências a outros filmes, suportando com estas cenas-chave de trabalhos da sua autoria. Outra evidência que o fez destacar dos demais foi a aplicação de cenas de violência que sensibilizavam os críticos e que gerou alguma controvérsia. Quanto ao método de filmagem, o cineasta é conhecido pela sua heterodoxia angular, recorrendo tanto a panorâmica de 360º (panning) como a deslocação da câmara no espaço (tracking). Na exposição gráfica do filme, De Palma também abordou o “split-focus”, explanando a funcionalidade de filmar tanto de primeiro plano como o background de um dado sujeito.
Inserido na geração emergente de cineastas dos anos 60 a 80 denominada New Hollywood, Brian de Palma não se escapou de vários altos e baixos na sua carreira. Contemporâneo de grandes realizadores, como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e George Lucas, o nativo de Newark diferenciou-se em grande medida dos restantes quanto à vasta gama de géneros explorados e de filmes produzidos. Apesar de grande inconstância qualitativa no seu trabalho e até de críticas pessoais (críticos acusaram-no de misoginia pelo desprezo da figura feminina), é indubitável que o seu contributo foi inspirador especialmente para os cineastas independentes, como Quentin Tarantino ou Terrence Malick. Há três anos inativo, especulava-se quando este realizador faria o seu regresso. O suspense pairou no ar, tal como ele gosta de provocar na audiência, até trazer Nicolaj Coster-Waldau, célebre ator da série Game of Thrones, a liderar o seu novo projeto. A manipulação que lhe agrada dissecar na relação interpessoal das suas personagens nunca deixou de estar ausente, que percorreu toda a sua carreira. São o suspense e a manipulação que Brian De Palma conhece e sonda como a Palma da sua mão.
“Some of my films that have gotten the worst reviews are the ones they keep talking about today, so it’s hard for me to really assess the long-term effect of them. I can’ttake it too seriously. Basically, you’re being judged against the fashion of the day and, of course, the fashion of the day changes all the time. So what endures is what’s important, I guess, and I’m just very fortunate that I’ve made movies that seem to have endured.”
Brian de Palma quanto às oscilações críticas do seu trabalho.