A hipocrisia mora em Hollywood

por João Estróia Vieira,    23 Janeiro, 2018
A hipocrisia mora em Hollywood
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Já todos nos devemos ter apercebido que a Justiça alcançada nos órgãos competentes para o efeito não serve de nada se a opinião pública não a acompanhar. É no Facebook, Twitter, Instagram e restantes redes sociais – autênticas “purgas” nos tempos que correm – que importa ser inocentado e ficar bem visto através de condutas na maior parte das vezes encapotadas de uma hipocrisia bafienta, mascarada com uma fraca fachada de arrependimento por quem a pratica. Fraca porquê? Porque é facilmente perceptível.Um dos casos mais infelizes é o da actriz Rebecca Hall. A actriz que em 2008 participou no sucesso Vicky Cristina Barcelona  e que irá protagonizar A Rainy Day in New York – ambos do realizador nova-iorquino – a estrear nos cinemas durante este ano de 2018, referiu que após as recentes declarações de Dylan Farrow à televisão tinha decido não mais voltar a trabalhar com Woody Allen. Rebecca Hall certamente não desconhecia das acusações de abuso sexual intentadas contra Woody Allen por Mia Farrow em 1992 por alegadamente este ter abusado de Dylan Farrow, na altura com sete anos, no sótão da sua casa no Connecticut num dia em que Mia não estava presente e a casa se encontrava repleta de pessoas, entre as quais o seu irmão Moses, na altura com 13 anos e hoje terapeuta familiar, que refere que Woody e Dylan nunca estiveram à parte das restantes pessoas garantindo ainda que Woody nunca teria sido capaz de fazer algo do género a Dylan.

Partindo do pressuposto – minimamente seguro – que Rebecca Hall não esteve desatenta ao ponto de desconhecer um dos “casos” mais badalados dos anos 90 que envolvia um dos realizadores mais conhecidos da História e com o qual viria a trabalhar em 2008, o que a levou então a ter aceite o convite na altura e outro quase dez anos depois? Porquê só agora este súbito realizar e tomada de decisão? Pelo testemunho emocionado de Dylan Farrow?

Greta Gerwig é outro dos casos. Depois de ouvir o relato de Dylan Farrow a (talentosa) actriz e realizadora referiu: “I can only speak for myself and what I’ve come to is this: If I had known then what I know now, I would not have acted in the film. I have not worked for him again, and I will not work for him again.” Outras conhecidas actrizes lhe seguiram.

Pelas palavras proferidas ficamos a pensar que se deram desenvolvimentos na investigação ocorrida há mais de duas décadas, mas não. Nada mudou. Há mais de 25 anos que os factos são os mesmos e as investigações que em 1992 inocentaram Woody Allen mantêm-se. No entanto, mais uma vez se prova que quem dita a conduta moral hoje em dia é a pressão dos media, das redes sociais e também dos agentes dos actores que obrigam estes últimos a doar ordenados ou a tecerem comentários do género, fugindo ao cerne da questão da hipocrisia: tudo isto já se sabia antes do testemunho de Dylan e da criação do movimento “Time’s Up” e “#Metoo”. Então, se já sabiam, porque é que o fizeram na mesma? É do conhecimento geral que grande parte dos actores, mesmo que conhecidos, aceitam fazer os filmes com o cineasta por quantias pequenas porque o que lhes interessava é isso mesmo, entrar num filme de um dos realizadores mais conhecidos de todos os tempos. Não é pelo dinheiro. É pelo currículo e pelo facto de saberem que irão ser vistos por milhões de pessoas um pouco por todo o Mundo e, com sorte, entrar num filme candidato a Óscar. Woody Allen torna-se assim a maior vítima do seu sucesso, neste aspecto. Os mesmos que o usam são, portanto, os primeiros a “deitá-lo fora” e a “cuspir no prato”. Somos mais uma vez obrigados a pensar na diferenciação entre “homem vs obra”.

O realizador poderá ser culpado de muita coisa ao longo da sua vida. Será certamente – e assumidamente – culpado de ter começado uma relação com Soon-Yi Previn quando esta tinha apenas 17 anos, mas não pode, nem deve, ser julgado – e muito menos considerado culpado – por algo que investigadores especializados e agentes da autoridade concluíram não haver razões para tal e ao qual acrescentaram ainda que Dylan não tinha sido abusada sexualmente mas sim influenciada a fazê-lo ou criado essa falsa memória na sua cabeça. Nada disso é no entanto discutido. É de referir apenas que os movimentos já falados não merecem ser usado como meio para que qualquer um possa fazer “justiça” (com “j” pequeno) pelas suas próprias mãos, ou teclas. Há que relembrar as pessoas, mais do que nunca, que há órgãos e pessoas incumbidas dessas tarefas na nossa sociedade e que a mesma não é alcançada através de uma opinião (ou um hashtag) que se torne viral nas redes sociais por muito meritória que seja (a opinião).

Há que deixar claro que não embandeirar neste julgamento em praça pública não é fechar os olhos à problemática do assédio sexual. Pelo contrário, é assumir que o assunto é demasiado sério para que se possa apontar o dedo de forma leviana quando os meios forenses e investigatórios encarregados de o provar nos dizem o contrário.
É a crise do espírito crítico e sem isso somos só mais um. Se não nos questionarmos e procurarmos saber vários pontos de vista iremos ficar mais longe de uma opinião própria que se torna cada vez mais rara como água num deserto repleto de outras opiniões “partilhadas”. O clima pressionante e censurador de uma opinião pública cada vez mais intolerante e persecutória priva as pessoas de um juízo realmente seu, moldando-as e influenciando-as pela obrigação que esta tem de ser aceite e de ver a sua conduta mundificada. Woody Allen é inocente, até prova – e não opinião ou credo – em contrário.

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