Seis filmes para ver no DocLisboa: de Jean-Luc Godard, David Lynch, às Três Marias

por Miguel Rico,    22 Setembro, 2022
Seis filmes para ver no DocLisboa: de Jean-Luc Godard, David Lynch, às Três Marias
“Lynch/Oz”, filme de Alexandre O. Philippe 

Está de regresso o Festival Internacional de Cinema DocLisboa, o evento decorrerá entre os dias 6 e 16 de Outubro nas já conhecidas salas da capital, Culturgest, Cinema São Jorge, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, Cinema Ideal e Museu do Aljub, numa 20.º edição dedicada à enorme figura da Nouvelle Vague, Jean-Luc Godard.

A oferta é extensa, o programa conta com 281 obras, distribuídas entre sessão de abertura, encerramento, seis secções principais — Da Terra à Lua, Heart Beat, Riscos, Cinema de Urgência, filmes para competição nacional, internacional e, ainda, duas retrospetivas — a questão colonial no cinema e a retrospetiva Carlos Reichenbach. 

Cada cinéfilo que tencione comparecer no festival vai, seguramente, refletir sobre a programação para mapear com cuidado e ponderação qual o roteiro de obras a assistir, no entanto, as possibilidades são imensas, entre 47 estreias mundiais, 28 estreias internacionais e 44 filmes portugueses, difícil é tomar uma decisão. Após análise do programa na íntegra, apurámos algumas sugestões para o DocLisboa’22, um evento a não perder para quem escolhe olhar para o cinema enquanto instrumento de reflexão, conhecer novas vozes autorais, ideias e assistir a filmes excecionais que são, como diria Godard, “verdade a 24 frames por segundo”.

Europe”, filme de Philip Scheffner

Zohra Hamadi, uma cidadã argelina imigrada na pequena comuna de Chatellerault, em França, recebe a informação de que a sua licença de residência, concedida devido à sua condição médica, vai ser anulada graças à melhoria do seu estado de saúde. A protagonista, que sofre de escoliose e possui barras de metal na coluna, deve agora confrontar-se com uma nova adversidade, sumir-se e tornar-se inaudível.

O realizador, Philip Scheffner, refere-se ao filme como uma obra de “ficção estatal” (state-coerced fiction), promete ser uma película irreverente, que eleva a ficção ao patamar de intervenção política. O realizador alemão, conhecido por compor cinema documental ensaístico, acompanha a vida de Zohra de uma forma próxima, das viagens de autocarro, à fisioterapia e raios-X, numa obra que funde realidade e ficção no calor de um verão abrasador. 

O filme, da secção “Riscos” será exibido a 07 de outubro às 16h:45, no pequeno auditório da Culturgest e no dia 16 de outubro às 22h:00, na sala 3 no cinema São Jorge. 

Dreaming Walls”, filme de Amélie van Elmbt e Maya Duverdier

O Hotel Chelsea, localizado na 222 West 23rd Street, entre a sétima e oitava avenida, é considerado um dos edifícios mais relevantes da contracultura norte-americana dos anos 60. Foi casa de alguns dos mais célebres escritores, pintores e artistas, entre os quais Bob Dylan, Iggy Pop, Janis Joplin, Jim Morrison, Patti Smith, Leonard Cohen e Charles Bukowski. Foi, inclusivamente, neste prédio, que Arthur C. Clarke, hospedado num dos quartos, escreveu o conto The Sentinel, que viria a servir de ponto de partida para o mítico 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick. 

Dreaming Walls conta a história deste famoso hotel, pela lente dos fantasmas que nele habitam. O filme aborda as origens do edifício e os problemas que os habitantes enfrentam na atualidade, agora que o prédio vai ser reerguido como hotel de luxo. Enquanto isso, muitos dos velhos habitantes, ou “fantasmas”, como optam por se autodenominar, protestam e refugiam-se nos seus quartos.

O filme é de Amélie van Elmbt e Maya Duverdier e foi produzido por Martin Scorcese, vai ser exibido nos dias 8 outubro, às 16h no auditório emílio rui vilar, da Culturgest e 15 de outubro, às 20h:15 no pequeno auditório do mesmo espaço. 

O Que Podem as Palavras”, filme de Luísa Sequeira e Luísa Marinho

Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, conhecidas por “Três Marias”, redigiram, no ano de 1971, “Novas Cartas Portuguesas”, uma libelle contra o Estado Novo. A obra, publicada em 1972, denunciava os horrores da guerra colonial, expunha a opressão ao género feminino e a violência do regime fascista português. Em 1973, as autoras foram levadas a tribunal, no entanto, graças aos adiantamentos da sentença e à revolução de abril, as célebres figuras do feminismo português nunca enfrentaram condenação. A obra “Novas Cartas Portuguesas” tornou-se reconhecida internacionalmente e foi inclusivamente divulgada pelo ícone da segunda vaga feminista, Simone de Beauvoir.

O documentário “O Que Podem as Palavras”, realizado pelas “Duas Luísas”, Sequeira e Marinho, reúne as autoras do manifesto para falarem de todo o processo envolvido na escrita de “Novas Cartas Portuguesas” e das respetivas repercussões no movimento feminista internacional. 

A sessão de projeção única, da secção Heart Beat, decorre no dia 9 de outubro do festival, às 16h:30 no Auditório Emílio Rui Vilar, na Culturgest. 

A Morte de uma Cidade”, filme de João Rosas

João Rosas, autor de pequenas (grandes) obras como “Maria do Mar”, “Catavento” e “Entrecampos”, traz, agora, ao DocLisboa o filme “A Morte de uma Cidade”. 

O novo trabalho do realizador português leva-nos até às entranhas do Bairro Alto, onde o edifício de uma antiga tipografia será demolido para dar lugar a um conjunto de apartamentos de luxo. Na sequência de temáticas como o crescimento imobiliário o boom turístico na capital, e à semelhança do já recomendado Dreaming Walls, Rosas acompanha o quotidiano das pessoas da comunidade e dos trabalhadores da obra.

O filme para a “Competição Portuguesa” vai ser exibido dia 9 de outubro, às 21h:15, na sala Manoel De Oliveira, no Cinema São Jorge e no Pequeno Auditório da Culturgest, no dia 12 de outubro, às 10h:30.

“A Morte de uma Cidade”, filme de João Rosas

Lynch/Oz”, filme de Alexandre O. Philippe 

Saiba quem nos acompanha, que ver um filme de David Lynch é como ouvir um bom álbum de música, pois cada cena funciona como uma track e cabe, frequentemente, ao espectador interpretar a coerência entre as diferentes sequências, o fio narrativo pode ser ténue, mas o todo compõe sempre um enquadramento uno. 

Numa atualidade em que o cinema e o audiovisual nos orientam o compasso das emoções através de trilhas sonoras épicas, grandes sequências de ação e sequências em três atos paradigmaticamente convencionados, é bom parar para refletir no que o cinema pode ser: uma descoberta onírica, de invenção sui generis e forte ambiguidade entre o surreal, o fantástico e o belo. 

 Ainda que Lynch não analise em pormenor a própria obra, o realizador Alexandre O. Philippe convida-nos a examinar as influências de “O Feiticeiro de Oz” no trabalho deste mestre do surrealismo pelas vozes de críticos e cineastas, entre os quais Rodney Ascher, John Waters e Karyn Kusama. 

Para assistir a Lynch/Oz, deve seguir a yellow brick road até ao auditório Emílio Rui Vilar, na Culturegest, no dia 10 de outubro às 21h:45 ou no dia 16, à mesma hora, na sala Manoel De Oliveira, do Cinema São Jorge. 

“Lynch/Oz”, filme de Alexandre O. Philippe 

“Godard Cinema”, filme de Cyril Leuthy

Ao longo da sua vida, Jean-Luc Godard produziu mais de 140 filmes.  Procurou, durante a sua carreira, uma reinventar permanentemente o seu trabalho enquanto autor, foi dos realizadores mais radicais e disruptivos da nouvelle vague e uma figura insubstituível da história do cinema. Foi um radical, irreverente, de grandes convicções, ideias e ideais que em muito contribuiu para aquilo que é a linguagem cinematográfica e audiovisual contemporânea e para o movimento que foi a nouvelle vague

Somamos à lista, por isso, a sugestão Godard Cinema, um documentário da autoria de Cyril Leuthy, exibido na secção Heart Beat, para um último adeus ao grande cineasta franco-suíço, que nos deixou um reportório cinematográfico que, tal como refere Cristina Fernandes na sua obra “C de C”, se assemelha mais “a uma forma de pensar do que a uma forma artística”. 

O filme será exibido às 19h:00, do dia 10 de Outubro e dia 15 de outubro, às 17h:30, no Cinema Ideal. 

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