‘Last Flag Flying’ não tem a poesia da zona cinzenta que Richard Linklater tão bem sabe trabalhar
Linklater é realizador de culto, autor da trilogia de relação amorosa composta por Before Sunrise, Before Sunset e Before Midnight, e do aclamado Boyhood, que foi filmado ao longo de 12 anos, capturando o crescimento de um rapaz até à sua ida para a Universidade. Ponto comum destas obras, e maior elogio que se faz ao realizador/argumentista, é o realismo da casualidade do dia a dia que consegue imprimir nos seus filmes. Se em Boyhood, o maior elogio era esse realismo do detalhe que se prendia nos mais comuns momentos e movimentos do crescimento da criança média, na trilogia Before era o a exploração dos pequenos pormenores de uma relação amorosa, tão mundanos, tão palpáveis, e em ambos os casos tão relacionáveis com os do espectador. Ou seja, a irónica audácia do seu significado no cinema. Irónica porque nada teria de audaz descrever o banal. Foi Linklater quem soube dar o sentimento e poesia a essa linguagem realista e que acabou por tornar essas películas filmes de culto para um determinado público.
Richard Linklater e Bryan Cranston
Em Last Flag Flying o realizador lamentavelmente não consegue atingir o realismo dos seus melhores filmes, embora se note que o propósito do filme não seja esse em primeiro plano. Linklater pretende marcar uma posição perante a guerra e o soldado. Em 2004, aquando da captura de Saddam Hussein, a personagem de Steve Carell decide procurar os seus dois grandes amigos, companheiros na guerra do Vietname há 30 anos atrás, interpretados por Bryan Cranston e Laurence Fishburne, que já não via há igual período de tempo. A ironia da trama: o filho de Carell foi morto na guerra do Iraque, e agora é preciso preparar o seu funeral. Last Flag Flying faz um bom trabalho a dirigir sem grandes pudores, ou pessimismos, a sua visão crítica da guerra, mas a favor do soldado enquanto homem e enquanto patriota. Não é comum a exploração casualista a la Linklater da personagem do veterano de guerra do Vietname, num tom francamente respirável e pouco carregado, com pitadas de humor, como acontece aqui. A relação destes 3 homens, o catalisador do filme, é agradável de observar, mas raramente consegue ter a credibilidade necessária para atingir a permeabilidade do espectador/observador.
Bryan Cranston, Laurence Fishburne e Steve Carell
Cranston tem uma boa interpretação, de show-off reconhecível que, apesar de bom, apenas consegue arrancar momentos de boa química com Fishburne nos tais detalhes casualistas que pautam a relação de ambos. No meio de tudo isso, Carell, o centro gravitacional deste pequeno road movie de honestas e fortes intenções morais, torna-se paisagem pobre, torna-se apenas num pretexto para os outros brilharem. Por vezes parece que estamos a assistir a um pequeno teatro entre os três actores, galhofando e contando histórias, sempre conscientes de que o que está ali na tela são actores e não personagens. Nesta amizade triangular, os vértices estão desequilibrados, e o seu argumento torna-se fotograficamente previsível, o que é comum em Linklater, mas não a este nível tão simplório. Last Flag Flying tem uma ou duas boas ideias morais que consegue transmitir, mas que estão, infelizmente, demasiado definidas para seu próprio bem. Na tal casualidade dos acontecimentos realistas transpostos para o ecrã, falta a poesia da zona cinzenta que o realizador tão bem sabe trabalhar e que aqui acabou por deixar de lado.