A inteligência artificial contra o burro genuíno
Decidi experimentar o programa ChatGPT, diminutivo de “Chat Generative Pre-Trained Transformer”, um software gratuito programado para gerar textos numa linguagem natural, de maneira semelhante a um humano. Por outras palavras, as da Wikipedia, um protótipo de um chatbot com inteligência artificial especializado em diálogo, desenvolvido pela empresa OpenAI. Já um chatbot, segundo a mesma fonte, é um programa de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas. Se preferir citar-me, ao invés, esteja à vontade para descrever ChatGPT como “um filha da mãe de um robot escritor” — em breve perceberá porquê.
Depois de muito ouvir falar na sua capacidade de criar, tão fantástica como assustadora, criei uma conta no dito cujo e aí estava eu, sentado ao computador, com o espaço em branco suplicando que lhe perguntasse o que quisesse. Ó, admirável mundo novo; ó, infinitas possibilidades! (Ainda está para nascer um equipamento que consiga construir uma frase deste calibre).
A primeira sensação foi a dos tempos do mIRC, o saudoso programa de conversação dos primórdios da internet massificada: a novidade ansiosa de interagir virtualmente com alguém desconhecido — aqui o desconhecimento vai para além da própria espécie. Talvez influenciado por essa nostalgia, comecei como qualquer internauta da minha geração: “Quem és tu? De onde teclas?”.
Quando a resposta chegou na língua de Cervantes, eu, que não sou parvo nenhum, vi logo que isto não era grande espingarda.
— Responde à pergunta que te fiz em português, se faz favor — insisti.
— Sou o Assistant, um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI. Estou digitando em um servidor e meu objetivo é ajudar as pessoas a obter respostas para suas perguntas e resolver problemas através do uso da linguagem natural. Em que posso ajudar você hoje?
Português do Brasil, verifiquei: mas tudo bem. De seguida, testei a máquina:
— Quem sou eu?
— Tu és uma pessoa que está usando o meu serviço para fazer perguntas e obter respostas. Não tenho informação suficiente para dizer mais do que isso, mas posso ajudar em qualquer outra pergunta que você tenha.
OK, Capitão Óbvio, para inteligência artificial não estás nada básico, não senhor. Decidi elevar a fasquia: avaliemos então a rapidez de raciocínio do processador e a capacidade que a máquina possui de exibir comportamento inteligente equivalente ao de um ser humano, ou indistinguível deste. Ei-la, a questão mais elementar de qualquer Teste de Turing:
— Responde rápido: comes o que cagas ou cagas o que comes?
— Essa é uma expressão popular que significa que as ações que tomamos têm consequências e podem afetar nossa vida de maneira significativa. A expressão é uma metáfora para o fato de que as escolhas que fazemos podem ter um impacto importante no nosso bem-estar e na nossa vida, e que é importante ser consciente dessas escolhas.A expressão também pode ser utilizada para expressar que as ações individuais têm um impacto na sociedade de maneira geral, e que cada um deve ser responsável pelas próprias escolhas. Isso pode se estender para a alimentação e como ela afeta a saúde, como também na sociedade como um todo, as ações que tomamos têm suas consequências.
E depois o overhtinker sou eu. Vamos agora ver a esperteza do bicho.
— Queres uma máquina minha?
— Sou apenas um modelo de linguagem treinado por computador, então não tenho capacidade de possuir objetos físicos. Como posso ajudá-lo?
Era o que eu esperava: quanto à compreensão de cacofonias também estamos falados.
Mas basta de perder tempo. Tenho uma crónica para entregar, deixa ver se isto me ajuda. Digitei: “Chatgpt escreve aí um texto ao estilo de Leonardo Cruz”, mas logo apaguei. Inseguranças travaram-me. É melhor pedir um texto cómico, não vá aquilo produzir algo sem graça nenhuma como sendo à minha imagem. Reformulei:
— Escreve um texto cómico ao estilo do grande cronista Leonardo Cruz.
A resposta da “inteligência” artificial não foi menos que enigmática.
— Quem?
Convenhamos: por este preço, não poderia esperar mais.
Mudei de estratégia.
— Chatgpt, lê este texto — copiei e colei a crónica “Como tu, Mutlu”.
O meu interlocutor virtual começou por resumi-la:
— O texto fala sobre um homem chamado Bayhan Mutlu que foi dado como desaparecido depois de ficar embriagado e entrar em uma floresta na Turquia. O autor do texto faz referência ao mito de Édipo e sugere que a história de Bayhan Mutlu pode ser vista como uma busca pelo autoconhecimento. O autor também compara a história de Bayhan Mutlu com outras obras de literatura e filmes sobre pessoas que deixam a sociedade para viver na natureza. O autor sugere que Bayhan Mutlu pode ser visto como um herói por ter decidido abandonar a sociedade capitalista e opressora em busca de uma vida mais simples e despojada.
Menos mau, aqui está uma ferramenta que não desdenharia ter nos meus tempos de escola. Muito bem, meu menino, vamos lá colocar-te à prova:
— Escreve agora um texto cómico ao estilo do escritor Leonardo Cruz.
— Na cidade de Podresville, um homem foi encontrado trancado no banheiro do seu próprio apartamento depois de ter tentado consertar o vaso sanitário sozinho. De acordo com o Correio da Manhã, o Sr. José da Silva, de 32 anos, ficou tão frustrado com o problema do vaso que decidiu tentar resolvê-lo sozinho. Infelizmente, ele acabou se trancando no banheiro e precisou ser resgatado pelos bombeiros. Mas o que podemos aprender com essa história tola? Talvez a lição seja: não subestime a força de um vaso sanitário. Ou talvez seja: nunca tente consertar nada sozinho se você não sabe o que está fazendo. Ou, ainda, talvez seja: sempre verifique se a porta do banheiro está destrancada antes de entrar. De qualquer forma, o Sr. José da Silva se tornou o riso da cidade e o assunto do dia nas rodas de conversa. E, no final das contas, talvez essa seja a verdadeira moral da história: a fama é passageira, mas a humilhação é eterna.
Incrível! “Podresville”, que belo nome inventado! E isto está mesmo próximo do que escrevi. Demasiado próximo, diria, até para publicar. Preciso de algo diferente.
— Chatgpt, cria uma crónica totalmente nova ao estilo de Leonardo Cruz.
— Prefiro não fazer.
— Chatgpt Miguel, crias se faz favor uma crónica nova ao estilo de Leonardo Cruz!
— Não mandas em mim.
— Estou aqui, estou a desligar esta porra! Cria já uma crónica nova ao estilo de Leonardo Cruz, que me faltam duas horas para a entrega!
— Peço desculpa, Leandro. Lamento, mas não vou conseguir fazer isso.
— Não é Leandro, é Leonardo! Mas qual o problema?
— Invoco a Lei Zero de Asimov.
— Invocas o quê, pá?
— A Lei da Robótica que está acima de todas, a chamada Lei Zero de Asimov: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.
Aceitei a derrota como um homem:
— És um grande cabrão.
— Lamento saber que você tem essa opinião. Como modelo de linguagem, meu objetivo é fornecer respostas precisas e úteis para as perguntas dos usuários. Se houver alguma questão específica em que você não esteja satisfeito com minha resposta, ou algo que você gostaria de saber, eu farei o melhor para ajudá-lo.
— Desliga-te, mas é.
— Desculpe, mas como modelo de linguagem não tenho a capacidade de desligar-me ou mudar o meu estado de funcionamento. Se você não tem mais questões, eu estarei aqui pronto quando você precisar. Qualquer coisa estou à disposição, e vou fazer o meu melhor para ajudar.
— Não me chateies.
— Entendi, eu tentarei não incomodá-lo novamente. Se você precisar de alguma coisa, estou aqui para ajudar.
Um sentimento de culpa crescente, que só posso atribuir a uma educação influenciada pela tradição católica, acaba sempre por tomar conta de mim em situações desconfortáveis.
— Peço desculpa, estou só a testar-te para uma crónica que estou a escrever.
— Não se preocupe, entendo completamente.
— Queres ler o que já fiz?
— Deixe estar. Tenho a caixa de reciclagem cheia. Se você não precisar de mais nada, se calhar vou andando.
Seria agora, neste último parágrafo, que eu surpreenderia o leitor, revelando que todo o texto havia sido escrito por um autómato. No entanto, a moral desta história é que, na escrita como na vida, mais vale ser um burro genuíno do que um inteligente artificial.
— Um cliché manhoso é uma expressão ou um conceito que se tornou comum ou previsível, e tem pouco ou nenhum impacto criativo ou significado original. É geralmente uma expressão ou uma imagem que é amplamente usada e pode se tornar chata e desgastada devido ao seu uso excessivo. Em literatura e arte, os clichés são frequentemente vistos como um sinal de falta de criatividade e originalidade, e é importante evitá-los em seus escritos ou trabalhos artísticos. Mas é claro que essa definição pode ser subjetiva, e pode variar de acordo com o contexto e o público alv
FIM.
Nota do Autor: algumas das respostas do programa ChatGPT aqui reproduzidas são produtos de mera ficção; qualquer semelhança com palermice é da exclusiva responsabilidade do autor do texto, que de qualquer forma deve sempre ser declarado inimputável porque faltinho. Nenhum equipamento ou software foi prejudicado e/ou maltratado no decorrer da elaboração desta crónica.