O punk rebelde mas doce das Dream Wife
Conheceram-se na escola de artes da Universidade de Brighton, residem actualmente em Londres e acabaram de lançar o seu primeiro disco de estúdio. As Dream Wife dispensam grandes apresentações, porque na verdade nem as parecem procurar: sem cerimónias, a faixa de abertura “Let’s Make Out” irrompe com desinibida energia através dos gritos frenéticos e aliciantes da vocalista islandesa Rakel Mjöll, que cativam desde logo as atenções dos ouvintes e permitem antever aquilo que de melhor o trio tem a oferecer. Mjöll, a guitarrista Alice Go e a baixista Bella Podpadec não têm rodeios; gostam muito de punk barulhento e irreverente, mas também não passam sem um estilo melódico de indie pop, repleto de hooks e refrões adoçados. Tivessem elas surgido na década de 90, ter-se-iam sentido perfeitamente à vontade na companhia de bandas como os Bikini Kill ou os Sleater-Kinney, fortalecendo o movimento riot grrrl. São facilmente identificáveis as suas influências e os territórios musicais a partir dos quais elas se inspiram, mas, felizmente para as jovens, conseguem escapar à obsolescência, e, no seu homónimo álbum de estreia, compensam o facto de a originalidade não ser o seu forte com uma vivacidade contagiante que lhes confere um encanto inegável.
Encanto não lhes falta nos seus momentos de maior inspiração. Grandes destaques como “Hey Heartbreaker”, em que às palmas convidativas e aos ousados riffs distorcidos de Alice Go se junta a sempre dinâmica voz de Mjöll, operam como uma excelente demonstração da banda no seu estado mais jovial. Neste aspecto, as contribuições de Go são fundamentais, e não devem ser negligenciadas: a expressividade natural que revela com a guitarra é revigorante, e em muitos formas ajuda a que as Dream Wife sejam bem-sucedidas nas viagens pelo punk melodioso que tanto as encanta. Por outro lado, maiores imprevisibilidades, tais como aquelas encontradas em “Act My Age” – que ziguezagueia entre harmonias pop cristalinas e explosões sonoras de convincente intensidade – e na humorística e memorável “F.U.U.”, surpreendem pelas súbitas mudanças de tom que introduzem, e a sua presença é valiosa porque ajudam a manter os níveis de interesse na experiência que a banda proporciona.
Apesar disso, tais imprevisibilidades não são muito recorrentes, e, em certas alturas, o disco parece demasiado homogéneo para o seu próprio bem. Se, por um lado, é sempre louvável a confiança que o grupo exibe ao se divertir com a sonoridade da qual usa e abusa, a ausência de diversidade também dá espaço a pequenas redundâncias que retiram alguma qualidade ao produto final. Um exemplo elucidativo disso é “Right Now”, uma música algo prejudicada pela sua aparição tardia no álbum: a repetição de ideias manifesta-se de um modo negativo neste tema, que acaba por não ter o mesmo vigor de muitos que o antecedem. Embora nenhuma canção seja irremediavelmente má, sente-se, por vezes, a falta de um elemento de surpresa.
Mas há sempre algo em Dream Wife a tentar reclamar atenções, e as letras não são uma excepção. A banda explora uma perspectiva mais juvenil na quase-balada “Love Without Reason” e na apropriadamente intitulada “Kids”, e isso é algo que, de resto, não lhes assenta mal, mas Mjöll também se revela muito perspicaz e madura em “Somebody”. Um dos singles do disco, a faixa explora tópicos que dizem respeito à sexualidade e ao assédio, e versos como “You were a cute girl standing backstage, it was bound to happen” deixam um forte impacto depois de serem cantados. Com uma mensagem não muito diferente da de “Boys Will Be Boys”, lançada no ano passado pela cantautora australiana Stella Donnelly, esta música revela a faceta mais séria do grupo e é uma das suas melhores composições.
Considerando que este é, em princípio, apenas o início da sua jornada, pode dizer-se que as Dream Wife revelam uma margem de progressão muito promissora; para já, presenteiam-nos com um álbum que, apesar dos seus defeitos, sabe como rentabilizar as suas virtudes sem grandes dificuldades. O seu primeiro esforço não é perfeito, mas também não o tenta ser: onde falta a experiência que trabalhos posteriores desejavelmente evidenciarão, o trio compensa com admirável energia, uma atitude que transpira liberdade, e, acima de tudo, uma capacidade de despoletar a diversão colectiva. Diversão aqui não se esgota, na estreia de uma banda para a qual isto é apenas o início.