“A Arte de ter sempre Razão”, de Arthur Schopenhauer: em defesa da argumentação
A Relógio D’Água reeditou este ano um clássico intemporal do pensamento filosófico, escrito por Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) em 1831 e publicado postumamente em 1864. Em “A arte de ter sempre razão”, o filósofo explora os limites do debate de ideias através da sua “Dialética Erística”. Aqui cria uma espécie de guia de argumentação, que não é um manual de instruções, mas uma ferramenta de defesa onde enumera 38 estratagemas argumentativos. Estes podem ser usados para detectar e apontar a desonestidade intelectual de um adversário de debate, mas também para os aplicar ao nosso próprio processo argumentativo.
“Em primeiro lugar há que analisar o essencial de todo o debate, o que realmente se passa no seu decurso. O adversário apresentou uma tese (ou nós próprios, é igual). Para refutá-la, há dois modos e dois caminhos:
1) – Os modos: a) ad rem, b) ad hominem, ou ex concessis, ou seja, mostramos que a tese não está em concordância com a natureza das coisas, com a verdade absoluta e objectiva; ou então, com outras afirmações ou concessões do adversário, isto é, com a verdade relativa e subjectiva; o último é apenas uma transposição relativa, e em nada altera a verdade objectiva.
2) – Os caminhos: a) a refutação directa, b) a indirecta. A directa ataca a tese nos seus fundamentos, e a indirecta ataca-a nas suas consequências; a directa mostra que a tese não é verdadeira, e a indirecta mostra que ela não pode ser verdadeira.”
“A Arte de ter sempre Razão”, de Arthur Schopenhauer
A crítica implícita neste sistema de argumentação pode ser aplicada directamente aos discursos políticos e propagandísticos da actualidade, visto que normalizam a utilização de muitos destes métodos, tanto no debate colectivo, como no pessoal. E, devido à contaminação dos mais diversos meios pela influência da política, podemos encontrar os estratagemas que Schopenhauer aponta nos debates de ideias em que, supostamente, seria necessário encontrar soluções destinadas ao bem comum. Em plena era das redes sociais é possível assistir a esta contaminação e degradação da discussão de ideias em directo, e testemunhar a quantidade surreal de argumentos e contra-argumentos simultaneamente errados e, cada vez mais, o que importa é “ter sempre razão”.
“Uma forma rápida de eliminar ou, pelo menos, tornar suspeita uma afirmação do adversário que nos é desfavorável é pô-la numa categoria odiada, mesmo que aquela apenas lhe esteja associada por uma semelhança ou uma ligação ténue.”
“A Arte de ter sempre Razão”, de Arthur Schopenhauer
Schopenhauer defende a integridade do argumento. Esta deve sobrepor-se sempre ao desejo de vencer uma argumentação a todo o custo. Até porque há uma lógica bastante simples para sustentar isto: quem alimenta um baixo nível de argumentação, no qual os oponentes são mais fortes e eficazes, não se admire com o resultado. Pois, como colocou o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw: “Nunca lutes com um porco; ficas todo sujo, e ainda por cima o porco gosta”, por isso convém não alimentar o chiqueiro argumentativo. É um livro fundamental para quem se interessa pela qualidade do debate e não se fica pelas trincheiras da necessidade de imposição intelectual, social, ideológica ou partidária. Conhecer estes métodos de “ter sempre razão” é importante para combater o populismo que destrói o debate público, e devolver alguma profundidade e honestidade intelectual ao debate de ideias, não confundindo narrativas políticas com as realidades das pessoas que compõe a sociedade.