‘There’s a Riot Going On’: Yo La Tengo e mais um filme dos sentidos
Uma das bandas norte-americanas mais estimadas e respeitadas no universo da música alternativa – poderíamos adjectivar assim este trio, que nos deixa completamente deslumbrados ao longo dos mais de três décadas de carreira. Neste início de 2018, os Yo La Tengo trazem-nos mais um grande lançamento, o décimo quinto: There’s a Riot Going On.
Banda de culto com um mítico percurso de vivências indie rock, sempre cultivaram um grau de singularidade sonora, imergindo num estilo alucinante e colorido. Para os amantes desta banda será difícil apontar quais os álbuns mais marcantes; mas, certamente, poucos serão os indiferente a trabalhos tão inspirados quanto Electr-O-Pura, I Can Hear the Heart Beating as One, ou I Am Not Afraid of You and I Will Beat Your Ass.
Nesta presente fase negra da história dos EUA, que enfrentam crises políticas e sociais complexas (causa de ansiedade e confusão na população), surge There’s a Riot Going On. Ao contrário do que se poderia esperar, é um álbum com suaves ondulações, bastante descontraído e meditativo.
Nestas 15 faixas entendemos mais uma vez a forma como a melodia vibra, e passa de contida a espontânea, à medida que o ritmo se vai alterando. Encontramos também alguma experimentação instrumental em consonância com os álbuns anteriores. Somos surpreendidos por diferentes sonoridades e arranjos instrumentais, que nos fazem navegar num autêntico mundo ficcional. No decorrer desta revolta, os Yo La Tengo nunca perdem o compasso, nem a espontaneidade, atirando-nos para uma espécie de memória slow-motion, onde o único remédio que nos resta é sentir.
Estas avenidas musicais apelam à abertura da consciência, à mudança do pensamento e, mais tarde, à mudança do comportamento. Tudo muda neste grande leque de diferentes músicas complementares. Uma vertente mais indie rock na primeira música do disco, “You Are Here” – uma música lenta com seis minutos de guitarra suave que amolece a alma. A segunda música “Shades of Blue” é a música mais policromática de todo o álbum, na qual Hubley vocaliza os suaves versos “painting my room to reflect my moods”. Tem uma composição bastante ruidosa, mas ainda assim tão idílica.
Na onda melancólica surge “She May, She Might”: uma cantiga do interior para o exterior, das palavras à exteriorização do remoinho existencial. Eis que chegamos então a “For You Too”, a música mais querida do álbum, também porque é uma música altamente familiar, com melodias confortáveis e ritmo acelerado. Ouvimos “Whenever there’s hurt and / When things are uncertain / Maybe I could be that guy / I’d like to try”, sempre com uma mensagem de vulnerabilidade e esperança, com uma atmosfera que nos fica realmente no ouvido. Encontramos outras variantes, como a bossa nova em “Esportes Casuais” e mesmo uma espécie de jazz em “Above The Sound”.
Toda esta diversidade criativa faz com que sejam uma banda de excelência. Com este álbum provam mais uma vez todo o cuidado com os detalhes: a sensibilidade da percussão, o acompanhamento da guitarra, o tom perfeito do baixo, as teclas que ditam dinamismo, as vozes que nos levitam; tudo mais que pensado.
De uma forma geral, todas as músicas compõem-se dentro de um ritmo que não causa qualquer tipo de estranheza. Muito pelo contrario, sentimos que estamos em casa, protegidos, dentro da nossa própria concha introspectiva. A sensação de viajar mentalmente é constante e, se pudéssemos escolher, ficaríamos certamente a flutuar em águas livres e distantes.
Yo La Tengo conseguem reinventar-se a cada álbum. Experimentam novas formas de se expressar musicalmente e de transmitir sensações, entrelaçam-se na sua própria complexidade humana, na forma como as relações humanas se agrupam e se baralham, como notas numa música, onde o tempo, o ritmo e a melodia divergem. Hipnotizam os pensamentos, seduzem os sentidos e levam-nos nos ventos narrativos, um pouco por toda a parte.