Festa do Cinema Italiano: ‘Nico, 1988’ é um drama underground sobre música e dor
Desta vez fomos à Sala Manoel de Oliveira no Cinema São Jorge para ver o filme ‘Nico,1988‘. Um filme que se estreou no Venice Film Fest e que chega às salas portuguesas através da 11.ª Festa do Cinema Italiano.
Celebra o encontro da música com o cinema e conta a história da emblemática Christa Päffgen, mais conhecida por Nico – musa aos olhos de Warhol, um ícone de beleza para o mundo, e cantora para a mítica banda Velvet Undergrounds.
Filme realizado e escrito pela italiana Susanna Nicchiarelli propõe levar o espectador pelos últimos anos de vida da alemã Nico. Não gostava de ser tratada como Nico, e diz que a sua vida musical começou após a saída dos Velvet Underground, quando se lançou numa carreira a solo.
O filme passa-se essencialmente na estrada e retrata a tour que começa em Manchester e acaba no leste da Europa para apresentar o seu último álbum. Uma vida deteriorada e destruída, um coração partido e um caminho escuro, são estes elementos que tornam Christa e a sua música tão especiais. A sinceridade sobrevoa toda a sala, a profundidade toca a todos e, como não podia de ser, a tristeza crua que se sente a cada compasso.
Uma vida complicada, de luta contra várias adições, do álcool às drogas, por isso é um papel que tem de ser muito bem construído e que foi muito bem conseguido pela actriz dinamarquesa Trine Dyrholm, que o encara com coragem e talento e consegue faze-lo de forma tão convincente e marcante.
Um filme falado quase inteiramente em inglês, coproduzido entre UK e Itália, que não escolhe o espectador, e deixa-o ficar no abalo das lembranças fragmentadas. Nico é assombrada constantemente pelas memórias de criança e pelos dolorosos sons de Berlim a arder, bombardeada no fim da Segunda Guerra Mundial. Todo o seu percurso se divide, entre a criação e aquilo que expunha nas suas obras, e a destruição pelas coisas que ela achava que faltavam nela. Toda a sua tristeza ganha forma nos seus olhos e na forma pesada de caminhar, nos planos médios e mais fechados que aproximam o espectador e que se tornam pequenas características que elevam o filme e o esculpem igualando-o à personalidade fechada e magoada de Nico.
Nico tinha, sem dúvida, uma personalidade sui generis e altamente magnética, que inspirou – e continua a inspirar muitas pessoas, seja estética ou musicalmente, influenciou vozes conhecidas como Morrisey, Patti Smith, Siouxsie and the Banshees, e foi figura importante para Lou Reed e Leonard Cohen, Hendrix, entre outros.
Nicchiarelli faz um filme que tanto funciona para quem é muito próximo a Nico, como para quem a esta a conhecê-la pela primeira vez. É uma obra acessível, que apresenta a vida de Nico sem julgamentos, que não pretende elevar ou ganhar compaixão por ela, mas que faz crescer alguma curiosidade e admiração por esta faceta da cantora. É uma narrativa que não apresenta grandes surpresas, é bastante estável e mantém-se dentro da mesma linha, não aprofunda nem submerge, apenas apresenta uma perspectiva vivida por quem viveu as suas histórias de perto, retratos sentimentais daqueles que estavam presentes.
Os remorsos enfatizam-se durante todo o filme, com os quais vemos constantes ambientes escuros e instáveis; vemos também explorada a relação que a cantora mantinha com o filho, Ari. Nico,1988 acaba por ser um drama underground sobre música e dor.
Todo o filme resume a vida de Nico a uma frase proferida pela própria “I’ve been at the top, I’ve been at the bottom: Both places are empty.”