‘Terminal’: ficamos com a potência de Margot Robbie num filme arraçado de noir
Há uns quatro minutinhos de Terminal que convencem a alma bem intencionada, à procura de emoções fortes nesta estreia do britânico Vaughn Stein, empenhado em afirmar-se como realizador. Um bom arranque sublinhado por um ambiente visualmente gostoso mesmo que se perceba que o seu pedigree é mais arraçado de intenção neo noir muito série B, num projeto dominado pela potência de Margot Robbie à frente dos destinos de diversas criaturas em queda eminente, como Simon Pegg ou o recuperado Mike Meyers. Mas porque carga de água este cocktail filmado em estilo de videoclip musical não confirma aquilo que até poderia ser? A resposta é simples – porque Vaughn se empenhou mais nos diálogos com algum punch e a desenhar a coreografia estética acreditando ser suficiente para afirmar a consistência desta criatura híbrida.
Pena é que, volvido o tal curto êxtase, ficamos depressa presos a uma sugestão visual neo-chic, desprovida dessa alma há muito vendida ao diabo, acabando por nos contentar com um filme que se vê melhor como um muito longo trailer. Mesmo assim, aguenta mal a hora e meia deste grupo de personagens à procura de um guião que será a única solução para essa doença terminal narrativa.
Ainda assim seduzidos ficamos ao escutar em off a voz de Robbie a impor-se à memória vaga de uma Harley Quinn que parece vinda das profundezas do asilo Arkanum. Anuncia ela no prólogo que “não existe no planeta nenhum um lugar como esse; uma terra de encanto, mistério e perigo. Em que, para sobreviver, temos de ser loucos varridos. Algo que, felizmente, sou. Do mad as a hatter da versão original percebemos essa ligação ao “chapeleiro maluco” de Lewis Carroll que acabará até por se confirmar, mesmo que essa ligação se perca durante a maior parte do filme.
Robbie saltará daí para a cadeira do confessionário a pedir a bênção ao padre pelos seus pecados. Isto num cenário fechado que depressa se anuncia carregado de cores primárias e movimentos de câmara requintados a celebrar este corpo cinematográfico mutante e devedor da inspiração de Quentin Tarantino, David Fincher ou até do outro David, o Lynch, embora também de Guy Ritchie ou Edgar Wright. Tudo isto alinhavado num final mal amanhado, em que se joga a tal versão amaldiçoada do universo de Lewis Carroll.
Seja como for, saudamos esta Margot muito femme fatale, e de irrepreensível sotaque brit cockney, a compor essa personagem gémea e ambivalente em tempos diversos: temos, de um lado, Bonnie a executiva com intenção de ludibriar dois assassinos contratados; e do outro, Annie a empregada de mesa sabida e muito pouco recomendável, nesta terra de perdição dominada por entidades invisíveis de voz gutural a arquitetar servicinhos que “despacham” indesejáveis, a cargo de um par de tarefeiros por conta própria, ansiosos por passar à ação.
No plano dos secundários, Max Irons até se aguenta como o impaciente e nervoso Alfred, tal como Dexter Fletcher no experiente e quezilento Vince, com pouca paciência para tanto sangue na guelra. Mas é sempre bom rever Mike Meyers, aqui recuperado para o exorcizar a vida alheia em trejeitos e ecos perdidos de Austin Powers, reservado para um final, digamos, mais incisivo. Só aparentemente fora desta moldura estará Bill, um professor de inglês com cara de Simon Pegg na sua deambulação sobre a sua morte anunciada, a piscar-nos o olho ao tremendo trabalho que fez com Edgar Wright, aqui a pedir uma ajudinha a Annie para encenar o seu próprio suicídio. Pelo meio, desenrola-se um novelo de muita conversa ao estilo gangsta brit, mesmo que algo falha de sentido.
Em menos de um mês de rodagem nos estúdios de Budapeste, Vaughn cozinhou este filme em que a própria Margot participa através da sua casa de produção Lucky Chapp. Na verdade, não há nada de mal em emular esse cinema. Pena é a ausência dessa espinha dorsal que aguente essa manta de retalhos de tantos filmes amaldiçoados. Há o estilo em que os diversos cenários, uma igreja, o dinner, o cabaret, a estação de comboios que não passam, assentam como excertos ou clips nesta trip de Alice no País das Maravilhas. Pena é que essa explicação chegue tarde demais.
Compreende-se que o britânico Vaughn Stein quis mostrar serviço neste seu debute na cadeira de realizador, isto após a curta Yussef Is Complicated de 2015, embora já com tarimba como assistente de realização, mesmo que algumas vezes apenas como runner, ou seja, faz tudo, mas também posteriormente como terceiro e segundo assistente, num vasto rol de fitas de produção açucarada. Comprovam-no títulos como Piratas das Caraíbas, Harry Potter e os Talismãs da Morte, A Branca de Neve e o Caçador, Os Miseráveis, WWZ: Guerra Mundial, Sherlock Holmes. Por aí se percebe o enlevo estético que até nos distrai da verdadeira história. Razão pela qual será injusto ignorar este bastante interessante Terminal, talvez demasiado penalizado por uma crítica impenitente. Preferimos vê-lo como um filme de afirmação de um cineasta com justificada ambição e que prepara aqui, assim o esperamos, o caminho para voos bem mais altos.
Artigo escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt