LCD Soundsystem no Coliseu: festejar até perder o fôlego
A bola de espelhos gigante, pendurada por cima do palco, não deixa espaço para dúvidas. Ícone da banda desde a capa do seu primeiro álbum, editado em 2005, ali está a projectar o eco de uma festa que, ao longo de seis anos no final da década passada, marcou o panorama da música de dança alternativa. Para Lisboa, esta noite assinalava o seu efectivo regresso; porque, se é verdade que American Dream nos matara as saudades no final do verão passado, é ao vivo que o colectivo nova-iorquino concretiza em pleno o poder da sua música. O inesperado regresso de uma das mais importantes bandas deste século chegava finalmente até nós; e logo em três noites seguidas. O relato que se segue conta a história da segunda; quarta-feira, vinte de Junho.
Uma das mais significativas diferenças entre assistir a um concerto em sala ou num festival ao ar livre é o tamanho do palco. Sentimo-lo de imediato, ao entrar no Coliseu de Lisboa, ainda antes de o concerto começar: os instrumentos estão próximos, o equipamento parece apertado. Esse espaço reduzido vai potenciar a energia entre os elementos da banda, ou pelo menos a nossa percepção da mesma. O espectáculo acaba por o confirmar, na dinâmica entre os músicos: interagindo sem saírem do seu lugar – exceptuando as esporádicas incursões de Murphy pelo palco – olhando-se e comunicando entre si, sorrisos, intensidade na entrega. E um concerto que entra a cem e termina a trezentos.
A setlist da segunda noite dos LCD Soundsystem no Coliseu começa com a música de abertura do último álbum – sentimo-nos com sorte, porque é o nosso opener preferido de entre a selecção habitual da banda. “Oh Baby” tem sabor a cerimónia, num crescendo característico e eficaz, construção emotiva que culmina em êxtase. O capítulo inaugural da noite segue, saltitando de álbum em álbum; três membros da banda responsáveis por percussões revela a ambição rítmica que os temas convocam. “Get Innocuous!” é ponto alto deste primeiro segmento do concerto; à quinta música já damos por nós de t-shirt encharcada, e há quem a tenha tirado.
Estamos próximos da frente, quarta ou quinta fila. É-nos impossível saber se a responsabilidade da nossa fraca experiência sonora se deveu à localização que escolhemos. A voz de Murphy surge frequentemente baixa; e, para uma banda com oito ou nove músicos em palco, é triste só conseguirmos ouvir o trabalho de metade. Faltou definição e clareza a uma série de linhas sónicas, o que prejudicou a experiência auditiva. Mas, para quem estava familiarizado com o repertório, não terá sido impeditivo para ter perdido a cabeça. Como na canção do Variações, o corpo é que paga. E paga bem.
A secção intermédia da noite traz quatro canções consecutivas do álbum de estreia. Uma delas, “Yeah”, já se ouvia entre o público ainda antes do concerto começar. É um dos segmentos mais quentes do concerto – é que “Daft Punk Is Playing at My House” e “Movement” também não oferecem tréguas. Mas o concerto continuava a superar-se constantemente: “Someone Great“, uma das mais emocionantes canções de toda a carreira, fazia distorcer a gravidade no interior da sala. Perdoem a hipérbole, mas a canção merece. “Tonite” foi um dos temas que melhor se traduziu para o espectáculo ao vivo, e um dos que nos fez saltar mais alto; e “Home” não deixou de nos contagiar com a estranha emoção que ali mora, misto de felicidade, risco e esperança.
Uma rapariga sobe para os ombros de alguém, na fila da frente, com um cartaz virado para o palco. James Murphy comenta: “É como pedir chuva quando já vai chover de qualquer das formas. Essa canção está aqui“, apontando para a setlist no chão. A emoção que “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down” convoca é exacerbada após a pausa dramática que a canção faz, antes de explodir para a secção final. E a banda abandona o palco. Passou uma hora e meia – a voar. Não sabemos se temos energia para mais.
Mas os LCD voltam, minutos depois. E trazem na manga mais quatro temas, compridos, elevando a duração do espectáculo para mais de duas horas e um quarto. “How Do You Sleep?” é explosão; “Dance Yrself Clean” põe a sala aos saltos, e damos por nós a recuar dez metros no meio de um intenso moche, no clímax do tema. E “All My Friends” faz-nos passar os braços pelos ombros de pessoas que nunca conhecemos. O corpo não aguenta mais, mas a música continua a pedir, e queremos responder, aproveitar até ao fim. Sem fôlego.
Ao longo de três noite de residência no Coliseu de Lisboa, os LCD Soundsystem provaram que são uma das mais festivas bandas da actualidade, e de sempre. O dia seguinte traz a ressaca, os músculos ressentem-se. Mas estamos felizes, e, apesar das dores, não queremos que esta festa acabe. Se não é isto um dos espantosos exemplos do poder da música, o que será?