A ciclicidade da vida, em ‘Reservatório 13’, de Jon McGregor
Após um acontecimento traumático, segue-se sempre um período de choque em que não sabemos como responder. Procuramos respostas para o que aconteceu, queremos um certo encerramento. Mas às vezes essas respostas não são alcançáveis. Nem tudo se pode resolver. O tempo passa e o acontecimento afasta-se. A vida continua, e o que se passou percorre cada vez com menor frequência o pensamento. É da natureza voltar o mais rapidamente possível à linha de estabilidade após um desvio à normalidade.
No mais recente romance do britânico Jon McGregor, agora publicado em português pela Elsinore, uma rapariga desaparece junto a uma pequena vila britânica onde passava o ano novo com os pais. Inicialmente, Reservatório 13 até pode dar mostras de ser sobre isso, mas é rapidamente perceptível o quão longe está de ser o thriller policial que este mote inicial parece indicar. No fundo, o desaparecimento de Rebecca Shaw não é mais que uma forma de percorrer o caminho para o verdadeiro objectivo da obra: explorar a vida da vila junto à qual ela desapareceu, a sua ciclicidade e a forma como o tempo deixa essas memórias no passado. Aquilo que começa por ser um acontecimento omnipresente, doze anos depois é apenas mais um de diversos factos inscritos no passado da vila.
Mais do que qualquer outra coisa, é a estrutura levada ao longo das trezentas páginas desta obra que mantém esta ideia de ciclicidade e, nesse sentido, Reservatório 13 é um romance silenciosamente experimental, que vive de um ritmo e de uma musicalidade quase pastorais para dar a esta colagem o ritmo da vida daquela terra.
São doze capítulos, um por cada ano, e todos começam da mesma maneira: com a passagem de ano que traz fogo-de-artifício, nuns anos mais eufórico que noutros. Mas a estrutura cíclica é também indiferenciável da circularidade da própria prosa, que encadeia a leitura numa experiência muito ritmada, como que um som que se repete e repete mas que, ao contrário de nos incomodar, nos acalma e nos deixa num estado de calma apatia e aceitação. São longos parágrafos soltos, com frases que se sucedem umas às outras sem estarem sempre relacionadas entre si, e, assim, entre os acontecimentos corriqueiros (ou não) que se sucedem na vida dos diversos habitantes, intercalam-se os comportamentos naturais da vida selvagem, animal e vegetal, em redor da vila. Quase como um ritual natural que se repercute no comportamento de cada um, mudam as estações, sobem os níveis da água nos reservatórios, migram as aves, nascem as crias de determinado animal, floresce determinada planta, tudo isto em sequência com a vida humana, como se tudo estivesse no mesmo plano e nada houvesse que distinguisse as preocupações amorosas dos jovens da aldeia das colheitas de determinado fruto. Tudo faz parte do mesmo ciclo natural da vida.
“Foi um bom ano para os castanheiros, e, nos bosques da herdade, as cápsulas espinhosas abriam-se no solo. Os batedores abriram os galinheiros próximos do bosque e afugentaram os faisões em direção às armas. No Reservatório 5, a equipa de manutenção vestiu fatos de mergulho e desceu a rampa para ir buscar uma ovelha que se tinha afogado. Estava muito pesada, com a lã molhada, e o cheiro era quase insuportável. No liceu, houve umas sessões de esclarecimento sobre o acesso à universidade e James e Rohan e Lynsey e Sophie começaram a falar em ir estudar para fora. Disseram todos que iam ter muitas saudades uns dos outros, mas não voltaram a falar em candidatar-se à mesma universidade.”
São as preocupações e os acontecimentos quotidianos da vida. Enterram-se os velhos, nascem os novos e crescem os já nascidos. Chegam pessoas, saem pessoas, mudam empregos, evoluem relações, criam-se e quebram-se laços, melhoram e pioram as relações, melhoram e pioram as colheitas, mudam-se as casas, cuida-se da terra, dos negócios, da velhice, dos filhos. É o ritmo contínuo da vida, como a da mulher que todos os dias bate à porta do vizinho idoso para lhe perguntar se precisa que ela lhe passeie o cão, e ele, com vergonha de oficializar essa dependência, convida-a sempre para um chá como se fosse a primeira vez que ela lá vai.
Mais do que sobre a história e a vida individual de cada um dos habitantes da vila, Reservatório 13 é um romance de ênfase radial que é, acima de tudo, sobre a interacção entre todas estas pessoas. Todos os detalhes, por mais insignificantes que sejam em solitário, são pequenas partes de um quadro maior, de um verdadeiro ecossistema. E se para ele olharmos da mesma forma como olhamos a natureza, a vida parecer-nos-á mais inocente e interdependente, mais sistemática e menos individual. Mais simples, talvez. Mais natural, certamente.