A filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein

por Lucas Brandão,    15 Janeiro, 2018
A filosofia da linguagem de Ludwig Wittgenstein
Ludwig Wittgenstein / DR
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Ludwig Wittgenstein desdobrou-se para lá da filosofia, desconstruindo a matemática, a linguagem e a própria mente, discutindo-as à luz da lógica e das relações existentes entre as partes constituintes em cada conceito. Perante as aflições sentidas nos períodos bélicos do século XX, deixou a academia, meio onde se fundou e desenvolveu grande parte do seu pensamento, avistando o mundo a partir dessa lógica filosófica, e debatendo os problemas filosóficos daquele tempo à luz desta. Os seus tratados e postulados chegaram ao século atual, influenciando os principais pensadores dos nossos dias, mas, em muitos dos recintos, de forma deturpada e pouco consensual. Entre diversos cruzamentos, a certeza de uma vertente lógica, direcionada para o entendimento da realidade.

Ludwig Josef Johann Wittgenstein nasceu a 26 de abril de 1889 em Viena, partindo 52 anos e três dias depois, em Cambridge, no Reino Unido, onde se doutorou. Antes, havia-se licenciado em Berlim, em Engenharia Mecânica. Porém, foi na filosofia que se apaixonou e onde vislumbrou a fusão entre a ciência e as humanidades, e onde deixou obra escrita. Desta, notabiliza-se “Tractatus Logico-Philosophicus” (1921), em que procurou identificar a relação entre a linguagem e a realidade, para além de estimar os limites da ciência. O austríaco viria a finalizar a sua obra durante o seu período como militar, durante e após a Primeira Guerra Mundial, que seria influente para uma série de linguistas e filósofos futuros. Com um estilo sucinto e pouco lírico, está redigido em forma de declarações hierarquizadas, sustentadas em proposições simples e desconstruídas em vários pontos. Ao todo, são 526 as asserções, para além de outras associadas a uma dezena delas.

A semântica moderna

A semântica contemporânea desvincula-se daquilo que são as meras condições formais, ligadas à constituição e significado(s) das palavras, mas também às relações inerentes a estes componentes. O estudo das funções delas, assim como o seu enquadramento nas proposições e, consecutivamente, no discurso também passa pela abordagem da semântica, que se imiscui no estudo da linguagem. As estruturas a partir das quais o significado se expressa são representadas pelo uso que as palavras têm, levando a uma visão comunitária daquilo que é essa mesma linguagem.

Ludwig Wittgenstein surge como um dos nomes mais conceituados nesta nova predisposição semântica no sentido em que a mune de uma propensão social, assente em estruturas mentais, nas quais os signos relativos a cada termo são incorporados. O próprio vocabulário surge como uma ferramenta através da qual se capacita a expressão da experiência humana, mas que depende do contexto atribuído pela mente para a sua adequação nesta ou naquela situação. À imagem do britânico Bertrand Russell, também linguista, o austríaco surgiu como um filósofo de cariz analista, que, também nos inícios do século XX, procurou criar o idioma ideal para a análise filosófica, isento de ambiguidades que pudessem lesar esse olhar. Assim, o formalismo encabeçado pelo duo levou a entender a linguagem como uma estrutura lógica, de forma atomizada, em que os pequenos átomos se interligam através de operadores lógicos.

O mundo é a totalidade dos factos, não das coisas.

Tractatus Logico-Philosophicus” (1921)

A linguagem de Wittgenstein

Apesar de consideradas como obsoletas a partir dos anos 60 do século XX, após a filosofia anglófona ter ampliado o seu leque de interesses e de temáticas – incluindo Bertrand Russell – o papel de Wittgenstein tornou-se bastante reduzido na preponderância da discussão filosófica. Não obstante, este também trabalhou a religião, preocupando-se por reinterpretar o legado do dinamarquês Soren Kierkegaard, e de o perpetuar. Porém, foi no campo da filosofia da linguagem que se firmaria, e foi nessa área que cimentou com o seu legado, que chega como um marco à filosofia ocidental.

Um dos primeiros conceitos apresentados é o do giro linguístico, que fundamenta toda a ligação entre a linguagem e a própria filosofia. Este conceito deriva dos problemas filosóficos que derivam da perceção da lógica da linguagem, assim como dos jogos a si subjacentes. Assim, os cânones comuns da linguagem são transpostos, quase como se de um procedimento pós-moderno se tratasse, o que levou a que muitos dos sucessores do pensador estudassem este conceito numa perspetiva metafísica. Este e mais conceitos seriam compreendidos na obra “Tractatuts Logico-Philosophicus”, em que a atomização da linguagem surge como a teoria a partir da qual se podem percecionar as relações entre o objeto, a proposição, o complexo e o estado de compromissos dos seus elementos.

Enquanto Russell, perante estes elementos, diferencia os particulares dos universais, o austríaco mescla-os na forma de objetos, de forma a privilegiar a verdade e a independência das proposições. Assim, seria o estado de compromissos associado a cada proposição que a define, e a verdade não poderia ser colocado em cheque com a partilha ou a exclusão de objetos entre proposições. A complexidade atómica associada à linguagem permitia apresentar um complexo atómico, ou seja, uma proposição em camadas, que incluía todas as demais proposições atómicas, cada uma com o mencionado estado de compromissos. Quanto às próprias crenças, percebia-as como formas de entender a realidade, como traduções simbólicas da mesma, mas não como a própria. Assumia, assim, a linguagem como essa explanação real, embora visse a metafísica como perturbadora desse percurso.

As ligações com Russell fortaleceram-se a partir da Primeira Guerra Mundial, que o apoiou na redação do “Tractatus”, incidente no atomismo lógico do austríaco, embora esta definição não seja retratada diretamente na obra. A principal discrepância residiu, entre ambos, no papel que a filosofia tinha, capacitando-se, essencialmente, de depurar erros linguísticos, perante a inocuidade da ética e da metafísica no campo linguístico, embora considerasse a sua importância na vida humana. Por sua vez, Russell atentava nas fundações epistemológicas do som, que desinteressavam Wittgenstein.

As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo.

A teoria da imagem da linguagem

Philosophical Investigations” (1953, publicada postumamente) é uma das obras de renome do filósofo, talvez a principal após o “Tractatus”, com o qual articula frequentemente. É no cruzamento de ambas que nasce uma comparação entre figurações lógicas com espaciais, correspondendo-as àquilo que é a verdade. Na sua perceção, uma proposição munida de um significado desenhava uma figuração atómica, embora não houvesse algo que se pudesse cruzar com as expressões não-verbais. Assim, as declarações só se veem portadoras de um significado se passíveis de serem representadas no mundo real.

Aliás, a obra lançada após a sua morte traz uma metaforização dirigida à psicologia humana, contrastada à teoria voltada para a prática. Desta forma, a obra é conduzida a partir da filosofia psicológica, estudando a ação e a mente, mas sem desvincular a linguagem como norteador dos principais problemas filosóficos, mas assumindo um caminho diferente perante o “Tractatus”. Wittgenstein alega que essas situações são confrontáveis a partir de afirmações quanto à natureza da linguagem, que pressupõem um conceito diferenciado daquilo que é a essência da própria linguagem. Por ser tão geral, é rejeitado, não atendendo às várias peculiaridades do estudo desta, por cada palavra ter um significado, que se correlaciona com a palavra e que destrinça o objeto dos demais. Esta ideia, derivada de Santo Agostinho, leva-o a desconstruir as limitações de estabelecer conceitos, gerando quebra-cabeças e confusões que perpetuou a tradição analítica da filosofia.

A construção de definições

A teoria consolida a visão das ferramentas linguísticas como simplificadas, e que se tornavam obscuras e confusas pelo uso errado por parte dos filósofos, que se embrenhavam em questões despojadas de sentido. O significado formula-se, assim, com o uso, e não com as referências e com as representações mentais feitas dos objetos retratados, exemplificando-se com o que de bom existe, que pode ser independente daquilo que é construído semanticamente com o termo “bom”. A polissemia acaba por fazer com que a deturpação interpretativa de uma palavra se torne maior. Assim, o austríaco é defensor da ausência de definições latas, com o uso das palavras a funcionar como o parametrizar das utilizações incorretas das mesmas.

As definições surgem, desta feita, como formas de vida, associadas à cultura e à sociedade subjacentes às mesmas. A cognição é social, com a linguagem a estar dependente de circunstâncias sociais, e associada a normativas de atividades e de técnicas efetuadas num dado contexto. A partilha de aspetos linguísticos surge como algo plausível, mas não consistente e permanente, pelo que as diferenças nos significados se vão percecionado consoante os meios em que são usados, relativizando-se nessa múltipla perspetiva em âmbitos sociais. Por sua vez, as lembranças familiares surgem espontaneamente, permitindo categorizar elementos como representados por um dado termo. A comunicação indireta e as experimentações em forma de pensamentos surgem como premissas que consolidam a capacidade da intuição gerar ligações e associações entre o objeto e a palavra, para lá das questões filosóficas mais profundas.

Os jogos linguísticos

O núcleo central destes jogos associa-se às utilizações da linguagem, que colocam palavras como elementos usados para, ou referir-se a um objeto, ou a estabelecer-se como um meio através do qual se solicitam ou se perguntam outras coisas. Assim, uma palavra pode ser referida com tom exclamativo, declarativo ou interrogativo, ou ser parte de um raciocínio assertivo ou explanatório, dependendo das circunstâncias relacionadas com o seu empregar. Estes jogos não se remetem às palavras como fulcros dos mesmos, mas também a frases, que adquirem os seus significados nos casos particulares em que são asseveradas, nos contextos em que são proferidas, que podem transcender os sentidos originais.

Quanto a regras, aparecem como uma família de diretrizes pelas quais as ações se procedem, correspondentes, muitas das vezes, a atividades sociais; e essa prossecução das regras associa-se às expectativas que se criam em relação a certos padrões comportamentais. Diferenciadamente, surgem as linguagens privadas, que só são percetíveis à luz da individualidade, e que provêm do uso do próprio idioma. Em contrapartida, são reconhecidos os empregos da linguagem a partir da semelhança familiar, que permite a perceção de elementos que, pelo fator em comum que os une, no lado do emissor e do recetor, fazem parte de um corpo de famílias linguísticas. Estando na génese dos jogos supramencionados, surgem como a resposta quanto às proposições gerais pelas quais a língua se expressa, em essência.

Este conceito seria trabalhado com maior profundidade por obras subsequentes, a partir de outros teóricos da especialidade, como o norte-americano Saul Kripke (“Wittgenstein on Rules and Private Language”, de 1982). Na génese, um paradoxo que desconstrói o constante uso de regras na utilização da linguagem, que se expressam como forma de vida, embora se tratem de elementos divergentes que se contradizem numa suposta e transparente veiculação da realidade percebida e falada. Por mais que os argumentos sejam dissonantes, o meio de comunicação não o é, sendo as próprias atividades representadas pelos idiomas a caraterização e fundamentação daquilo que são. Ao assumir uma forma de vida, é também assumida uma linguagem, que é partilhada entre os vários interlocutores de uma sociedade.

Wittgenstein, a religião e a ciência

Dispondo de uma formação científica, mas denotando-se na filosofia, o austríaco não se coibiu de algumas considerações religiões, posicionando-se no fideísmo, ou seja, numa doutrina que assume que a razão não consegue alcançar as vocações divinas e metafísicas anunciadas, somente perspetivadas pela fé. Para o pensador, que visualizava na religião um meio no qual existia uma gramática própria, mas que estava desvinculada dos demais aspetos da vida tangíveis. Interpretava os conceitos como autorreferenciais, assim como o discurso empreendido pelas suas figuras, para além de não poder ser criticado a partir de uma posição externa, puramente ateísta. Esta posição seria abraçada por uma série de estudiosos de Wittgenstein, embora considerassem algumas derivativas em relação ao que era veiculado sobre a posição do filósofo, tal como a própria expressão de críticas, que, no olhar desses estudantes, viam como pouco próprio deste, defendendo que era feitio dele se debruçar numa discussão filosófica profunda sobre o assunto.

Ainda assim, e como verificável, Wittgenstein focou a sua filosofia no âmbito da matemática e da lógica, moldando o estudo da linguagem nas estruturas científicas dessas disciplinas. Porém, a evolução assumida levou-o a deslocar-se da matemática tradicional, e a assumir vertentes mais diferenciadas, para lá do que avaliava como mecanicismo proposicional de Russell. Em “Remarks on the Foundations of Mathematics”, datado de 1956, e que consiste na reunião destas abordagens, procurou encaminhar a filosofia deste âmbito para um contexto mais percetível e acessível.

Para lá do que considerava como especulativo, no palco das probabilidades e da sua relação com a lógica, empenhou-se em trazer as palavras para o seu uso corrente, e em desmistificar problemas filosóficos como ilusões que as linguagens especializadas e herméticas tinham criado no tempo, para além da associada à filosofia. Assim, uma das missões do trabalho de Wittgenstein, para além de tornar mais nítidas as mensagens e as questões filosóficas, visou a criação de uma linguagem analítica, para lá do positivismo científico em que se vinha vocalizando. Essa plataforma ideal aplicada ao debate filosófico fez-se acompanhar, assim, dessa base lógica formal para a perceção das premissas filosóficas, que se fazia compreender a partir do estudo das partes atomizadas da linguagem, num universo interligado por via dos operadores lógicos.

Toda a concepção moderna do mundo tem como fundamento a ilusão de que as chamadas leis da natureza sejam as explicações dos fenómenos naturais.

Tractatus Logico-Philosophicus” (1921)

Ludwig Wittgenstein surge como um nome de relevo no estudo da linguagem como unidade de compreensão e de expressão do mundo, tanto de um ponto de vista meramente lógico e matemático, como filosófico e social. Esta abordagem robusta, aglomerada com a do seu norteador Bertrand Russell, tornou-se secundarizada no palco de matrimónio entre a ciência e a filosofia, não obstante Russell se ter notabilizado para lá dos contextos académicos. Mesmo assim, o austríaco é um dos vultos proeminentes dos primórdios do século XX, com uma obra notabilizada pelos futuros estudiosos da academia, que não só o deixaram esmorecer, como o revalorizaram nos auspícios de uma sociedade em constante mutabilidade; e, como tal, a precisar da linguagem para traduzir a sua imagem.

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