A hipocrisia mora em Hollywood
Partindo do pressuposto – minimamente seguro – que Rebecca Hall não esteve desatenta ao ponto de desconhecer um dos “casos” mais badalados dos anos 90 que envolvia um dos realizadores mais conhecidos da História e com o qual viria a trabalhar em 2008, o que a levou então a ter aceite o convite na altura e outro quase dez anos depois? Porquê só agora este súbito realizar e tomada de decisão? Pelo testemunho emocionado de Dylan Farrow?
Greta Gerwig é outro dos casos. Depois de ouvir o relato de Dylan Farrow a (talentosa) actriz e realizadora referiu: “I can only speak for myself and what I’ve come to is this: If I had known then what I know now, I would not have acted in the film. I have not worked for him again, and I will not work for him again.” Outras conhecidas actrizes lhe seguiram.
Pelas palavras proferidas ficamos a pensar que se deram desenvolvimentos na investigação ocorrida há mais de duas décadas, mas não. Nada mudou. Há mais de 25 anos que os factos são os mesmos e as investigações que em 1992 inocentaram Woody Allen mantêm-se. No entanto, mais uma vez se prova que quem dita a conduta moral hoje em dia é a pressão dos media, das redes sociais e também dos agentes dos actores que obrigam estes últimos a doar ordenados ou a tecerem comentários do género, fugindo ao cerne da questão da hipocrisia: tudo isto já se sabia antes do testemunho de Dylan e da criação do movimento “Time’s Up” e “#Metoo”. Então, se já sabiam, porque é que o fizeram na mesma? É do conhecimento geral que grande parte dos actores, mesmo que conhecidos, aceitam fazer os filmes com o cineasta por quantias pequenas porque o que lhes interessava é isso mesmo, entrar num filme de um dos realizadores mais conhecidos de todos os tempos. Não é pelo dinheiro. É pelo currículo e pelo facto de saberem que irão ser vistos por milhões de pessoas um pouco por todo o Mundo e, com sorte, entrar num filme candidato a Óscar. Woody Allen torna-se assim a maior vítima do seu sucesso, neste aspecto. Os mesmos que o usam são, portanto, os primeiros a “deitá-lo fora” e a “cuspir no prato”. Somos mais uma vez obrigados a pensar na diferenciação entre “homem vs obra”.
O realizador poderá ser culpado de muita coisa ao longo da sua vida. Será certamente – e assumidamente – culpado de ter começado uma relação com Soon-Yi Previn quando esta tinha apenas 17 anos, mas não pode, nem deve, ser julgado – e muito menos considerado culpado – por algo que investigadores especializados e agentes da autoridade concluíram não haver razões para tal e ao qual acrescentaram ainda que Dylan não tinha sido abusada sexualmente mas sim influenciada a fazê-lo ou criado essa falsa memória na sua cabeça. Nada disso é no entanto discutido. É de referir apenas que os movimentos já falados não merecem ser usado como meio para que qualquer um possa fazer “justiça” (com “j” pequeno) pelas suas próprias mãos, ou teclas. Há que relembrar as pessoas, mais do que nunca, que há órgãos e pessoas incumbidas dessas tarefas na nossa sociedade e que a mesma não é alcançada através de uma opinião (ou um hashtag) que se torne viral nas redes sociais por muito meritória que seja (a opinião).