A História do Hip Hop Tuga na Altice Arena: a cultura está mais viva do que nunca
No passado dia 8 de Março, fez-se história no hip hop português. A História do Hip Hop Tuga trouxe à Altice Arena um espectáculo recheado de intervenientes nestes 25 anos de um género cada vez mais influente na cultura musical portuguesa – mais um marco na caminhada que continua a ser trilhada. Ao longo de quase quatro horas e perante uma casa cheia, passaram pelo palco quarenta nomes pioneiros da cultura hip hop, divididos entre b-boys, writers, rappers e DJ’s. Foi uma lição de história, um olhar macroscópico, mas foi sobretudo uma celebração, um momento triunfal para uma cultura imparável.
O percurso começou em 1994, data indicada por dois painéis de cada lado do DJ, que guiaram o público ao longo da actuação numa contagem crescente. General D trouxe o cantor Sam para brilhar no refrão de “Black Magic Woman”, tema que deu início à viagem ilustrada com grande estilo pela mão dos writers Youthone e Nomen, que criaram duas peças fenomenais em palco ao longo do concerto, e dançada com muita energia pelas crews de breakdance Gaiolin City Breakers e 12 Macacos.
Os nomes que brilharam na Altice Arena são demasiados para nomear e, mesmo assim, o palco não chegou para todos. Ao longo da actuação, foram referidos em interlúdios narrados vários intervenientes no hip hop tuga que não puderam estar presentes. Mas quem compareceu homenageou com dignidade e respeito esses nomes e a história que ajudaram a construir. Boss AC mostrou-se emocionado depois de interpretar “Baza, Baza (Hoje não quero saber)” e “Hip-Hop (Sou eu e és tu)” com grande entusiasmo, enquanto puxava fervorosamente pelo público. Referiu a importância de manter a cultura viva e agradeceu a todos aqueles que ali estavam, artistas e audiência, por continuarem a carregar a mensagem.
Pouco tempo depois, SP Deville e Wilson surgiram para uma sessão exímia de beatbox, num duelo amigável de irmãos da vida que deixou toda a gente pronta para outro grande momento da noite: “Poetas de Karaoke”, de Sam the Kid. Depois do rapper de Chelas ter surpreendido ao surgir na Altice Arena vindo da rua a cuspir as primeiras barras de “Não Percebes”, o single de Pratica(mente) deixou todo o público ao rubro e a entoar o refrão a uma só voz. O rapper foi acompanhado por Mundo Segundo como estrondoso hype-man, que brilhou também nos seus versos ao lado dos seus companheiros de longa data dos Dealema, nos temas “A Cena Toda” e “Sala 101”.
Infelizmente, Capicua foi a única artista feminina a actuar neste Dia Internacional da Mulher. Depois de um interlúdio dedicado às mulheres do hip hop, que homenageou várias das artistas que marcaram a história, a artista do Porto começou com uma exibição estrondosa de “Maria Capaz” muito bem acompanhada por M7, Eva Rap Diva e Tamin, seguida depois por “Vayorken”, alguns “anos” mais tarde. Reflectiu sobre as “muitas conquistas em poucas décadas”, mas referiu que ainda há algo que falta: mais mulheres representadas no hip hop português.
Depois de nomes que nos remetem para uma primeira geração de artistas – além dos referidos, também grandes nomes como Xeg, Chullage, Sir Scratch, NBC, Bob Da Rage Sense e Mind da Gap, entre outros, deixaram a sua contribuição –, foi altura de actuarem os nomes da nova escola do hip hop português. Dillaz iniciou a segunda fase com “Não Sejas Agressiva”, mas foi “Mo Boy” que rebentou a Altice Arena, depois de Nerve e o negrume da sua poesia, em “Subtítulo”, terem sugado a energia da sala. Pelo meio, houve tempo para Bispo ser recebido com uma ovação e deixar a sua marca com “Mentalidade Free”.
Na recta final do espectáculo, ouvimos a maior parte dos aplausos e assobios dos fãs mais novos. Nomes como Piruka e Holly Hood trouxeram a energia do trap para a actuação, e “Água de Coco” de ProfJam levou o público à apoteose. Para terminar, “Devia ir” dos Wet Bed Gang encerrou o espectáculo com um estrondo. Os artistas juntaram-se todos em palco, mostrando pessoas diferentes, também de meios e ambientes diferentes, unidos no seu amor a uma cultura que naquela noite falou mais alto que tudo o resto.
Apesar de ter sido um espectáculo recheado de artistas, verificaram-se algumas baixas notáveis. Nomes como Valete ou Slow J não compareceram na actuação e isso nem foi o mais estranho. Os artistas nem sequer foram nomeados ao longo dos interlúdios a homenagear figuras do hip hop nacional, algo caricato, especialmente no caso de Valete. Foi um dos artistas mais preponderantes do género na primeira década do século XXI e não foi feita nem uma referência ao seu trabalho.
No entanto, nomes iriam sempre faltar e encapsular esta caminhada de 25 anos é uma tarefa hercúlea, e a organização certamente que fez o seu melhor para resumir esta gloriosa viagem. Para muitos dos fãs, foi uma noite nostálgica. Ouviram os sons que os viram crescer e tornar-se nos adultos que são hoje, e viram os artistas e a cultura que há tantos anos conhecem e acompanham representados num dos maiores palcos do nosso país. Para outros, foi uma descoberta. Absorveram uma história que começam agora a desvendar e certamente que um ou outro artista do passado, menos conhecido, terá despertado a sua curiosidade. No entanto, para todos, foi uma noite de orgulho no hip hop tuga – de todas as espécies e formatos –, o quão longe foi e todos os feitos que alcançou. Foi um espectáculo magnânimo para uma cultura que é de todos e para todos, e que, passados 25 anos, continua mais forte do que nunca.