A ‘homecoming’ de Wet Bed Gang

por Comunidade Cultura e Arte,    27 Fevereiro, 2023
A ‘homecoming’ de Wet Bed Gang
Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA
PUB

“O Gorila é o guardião da comunidade, apreende e encontra beleza em todas as manifestações da vida”. Foi assim que vimos Wet Bed Gang no passado sábado. Quatro rapazes de Vialonga que se transformaram em gigantes e que incendiaram o palco durante mais de duas horas de puro entretenimento.

Na semana em que o consagrado grupo de hip hop português edita o seu segundo álbum, Gorilleyez, as celebrações levam-nos até ao Campo Pequeno, local escolhido para aquilo que viria a ser uma caminhada épica pelo seu percurso. Nada nos podia preparar para o espetáculo que se avizinhava. Acompanhados não só por um coro que abriu as hostes da cerimónia, como também por DJ’s e banda, pelas 21:05, Gson, Zara G, Kroa e Zizzy Jr. apresentam-se perante uma plateia extasiada.

“300” é a música escolhida para o pontapé de saída. Imagens de gladiadores são transmitidas nos três ecrãs e o coletivo apresenta-se no seu estilo mais próprio. Membros da banda envergam diversos adereços, desde mochilas a óculos de neve e óculos de sol, enquanto proferem versos como “Já nem sei quanto é que a tuga ’tá a pagar pelo meu flow”. O público é maioritariamente jovem e a resposta não podia ser mais fervorosa, com um Campo Pequeno aos saltos e a marcar a sua presença.

Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA

Segue-se “Visão Noturna” e surge o primeiro momento de interação com o público, com Gson incrédulo perante uma sala esgotada e a exclamar “Essa me*** tá mesmo cheia!”. Propõe-nos uma viagem no tempo aos primórdios do coletivo com “Não Tens Visto”, tema do primeiro EP, Filhos do Rossi, e que em 2017 se tornou um ponto de viragem na carreira de Wet Bed Gang.

Sem grandes pausas, somos introduzidos a nove dançarinos vestidos de branco, que acompanham o tema “Mais Caro” e que, entre disparos de fogo e coreografias frenéticas, ajudam ao festejo, integrando também a plateia que acompanha tudo com os braços no ar. “Irresponsável” surge como um hino. A audiência mostra-se preparada e acompanha cada palavra entoada pelos artistas, alguns a meio de um mosh pit que surgiu no centro da sala.

A atmosfera permanece intocada, assim como a incredulidade da banda perante o que está a ser vivido. “Seis mil malucos no Campo Pequeno por causa de quatro gorilas?!” — repetem quase para se convencer de que o sonho é real. Em resposta, o público ajuda à concretização do mesmo, reagindo de forma positiva a cada comando dos orquestradores da noite.

Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA

A frase “O movimento é gangsta” desencadeia um momento protagonizado por Zara G e pelo primeiro convidado do grupo, Giovanni, em “50/50”. Segue-se Phoenix RDC, que interpreta o seu tema icónico, “Vencedores”, Com o desenrolar do concerto, temos várias provas de que Wet Bed Gang é sinónimo de família e podemos confirmar que a V-Block está ali em peso, a apoiar e a partilhar o sucesso com o grupo. Ainda no tópico de família, que melhor momento para introduzir as mães de Wet Bed Gang que a música “Voltar para Casa”? Os holofotes focam num grupo de mulheres, que olham para os integrantes da banda com todo o carinho do mundo. Somos, então, apresentados por entre uma ovação às “mommies” do grupo, que efusivamente celebram as conquistas dos seus filhos.

O dia é muito feliz; como tal, para o retratar, acompanhados pelo coro, somos presenteados com um arranjo musical do tema de 1997, “Oh Happy Day”, que serve como a introdução perfeita para as músicas “Aleluia” e “Perseus”. “A capital vai passar a ser o Porto!”, dispara Gson em tom de provocação, de modo a incentivar Lisboa a cantar o mais alto possível.

Seguidamente, ouvimos “Não Sinto”, “Cocaína” e aquele que viria a ser um dos temas mais celebrados da noite e do novo álbum, “Praça Onze”. Sentimo-nos na casa da Tia Ciata e, perante o seu semblante, desenrola-se uma celebração da diversidade cultural tão característica de Wet Bed Gang. Esta diversidade e versatilidade leva-nos do hip hop ao pagode, com uma versão do tema “Deixa Acontecer”, do Grupo Revelação, e uma verdadeira festa de dança a acompanhar.

Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA

As surpresas continuam com a apresentação da “filha” de Gson à audiência — Nenny, que interpreta de forma angelical, acompanhada pelo piano, a intro de “3,14” como homenagem a Rossi, membro fundador da banda que faleceu em 2014, mas que continua vivo e muito presente nos corações de toda a V-Block. É também esta história de saudade, superação e união que o grupo convida os fãs a vivenciar ao longo da noite. Surge então Jimmy P, que interpreta “Entre as Estrelas” num momento emotivo e bonito.

Rapidamente, o grupo se recompõe e a energia volta ao seu pico num desfile de êxitos como “Faço a Minha”, “Chaminé”, “Gorillaz” e “Maluco”. Surge a figura de um gorila gigante no palco e, entre dançarinos, chamas e um carrinho com ganzas insufláveis, o público é levado à loucura.

A cadência do espetáculo é rápida, a voz dos vários membros do grupo começa a falhar, mas não se nota por parte do público qualquer sinal de desapontamento ou cansaço, apenas entrega. Os agradecimentos por parte da banda são muitos e materializam-se num alinhamento de luxo e cheio de convidados especiais. Don Gula é mais um dos amigos escolhidos para fazer as delícias dos fãs com “Chauffer”. “Obrigado pela amizade” são as palavras que Gson dedica a Regula após a interpretação fortemente aplaudida do rapper.

Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA

“La Bella Mafia” e “Farda” são as seguintes músicas do alinhamento, motivando um discurso de grande comoção no qual o coletivo não só agradece aos fãs por terem vestido a camisola, como também aproveita para desabafar acerca da dificuldade em criar o alinhamento perfeito para apresentar naquela noite, confessando em tom jocoso que se encontram a assistir à versão 570 do espetáculo.

Sentimos que estamos a entrar na reta final quando ouvimos a tão celebrada “Devia Ir”, tema que catapultou o grupo para a ribalta em 2018 e que confirma o seu estatuto como um dos favoritos do público pela forma como é recebido.

“Voar” é a despedida antes de um mini encore que permite ao grupo fazer um regresso triunfal e carregado de significado. Entrevemos Kroa no meio do fumo, fazendo-se acompanhar de uma menina, apresentada como filha de Rossi e capa do álbum Ngana Zambi. O novo single, “Estrela Maior”, é tocado ao vivo como uma perfeita eulogia ao mentor da V-Block. Os elementos vão surgindo um a um e abraçam a menina que, muito feliz, faz do palco casa, dançando livremente e saudando o público derretido. A emoção é tanta que é difícil manter a compostura. Podemos sentir os arrepios e as emoções à flor da pele.

Fotografia de Sofia Rodrigues / CCA

Sendo os Wet Bed Gang bairristas declarados, foi “Bairro” o êxito escolhido para a despedida. Todos os intervenientes no espetáculo são convidados a subir ao palco e solenizam o momento junto do grupo. Entre lágrimas, sorrisos e abraços, e perante um Campo Pequeno eufórico e a gritar pelos 4 magníficos, testemunhámos a vitória de uma grande família.

Foi debaixo do “W” formado por luzes que iluminaram a sala que um dos membros reconhece o concerto do Campo Pequeno como o melhor das suas vidas. Duas horas e vinte separam-nos do início, mas parece que vivemos tudo em apenas alguns minutos. Wet Bed Gang levaram-nos numa viagem íntima e permitiram-nos conhecer não só o seu presente como também o passado. Nem tudo foi fácil mas certamente valeu a pena… O legado de Rossi está vivo.

Texto de Daniela Martins

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados