A importância do homem assumir-se como feminista
Um dos argumentos mais hipócritas e injustos que oiço, atualmente, é que já não faz sentido celebrar-se o Dia Internacional da Mulher como forma de emancipação da mesma. Estaria de acordo se – realmente – este se tratasse de um dia meramente simbólico, como o Dia do Pai ou o Natal (sem qualquer sentido depreciativo), mas não é o caso: pelo menos, ainda não. Vivemos numa sociedade retrógrada, onde o fosso colossal entre géneros continua a manifestar-se, muitas vezes nas mais pequenas coisas: o assobio na rua ou os bolsos inexistentes nas calças de mulher (ou demasiado pequenos para serem úteis).
São exactamente estes pormenores que, ainda que de forma dissimulada, tentam manipular o sexo feminino, levando a mulher a acreditar que a ela estão intrínsecos todos estes fenómenos, tudo isto é normal e socialmente aceitável.
Na realidade, as mulheres estão longe de nascerem com os mesmos direitos que os homens. Mesmo nos locais mais civilizados, como supostamente é o caso da Europa, a mulher enfrenta dificuldades enormíssimas no mundo do trabalho ou perigos constantes no seu quotidiano, em casa ou nos transportes públicos. E é por isto que o homem, mesmo de fora, tem um papel crucial na alteração de estereótipos, bem como na luta pelos direitos das mulheres. O próprio movimento social em apoio à igualdade de género deve ser representativo, independentemente das classes sociais ou das crenças religiosas de cada um.
O feminismo é uma ideologia inclusiva, sublinho. Um homem identificar-se como feminista não significa nada mais do que defender a Constituição ou a Declaração Universal do Direitos Humanos. Um homem assumir-se como feminista não é nada mais, nem nada menos, do que ser uma pessoa (em todo o esplendor da palavra). Por isso, é condenável a visão de que um homem feminista é automaticamente gay ou que está a entrar numa luta que não é a dele, não tendo sequer o direito de a apoiar abertamente. Porém, existem atualmente mulheres que se consideram feministas e não aceitam o fundamental papel do homem nesta luta, porque se trata de uma luta entre sexos, uma visão que considero extremista e que é contrária aos valores do movimento.
Não se trata de uma luta entre géneros, não é a luta “delas” ou “delas e deles”, mas da sociedade simplesmente. Já dizia António Guterres num artigo de opinião, “Quero ser claro: isto não é um favor às mulheres. A igualdade de género é uma questão de direitos humanos”. Todas as pessoas têm o direito de participar nela, da mesma forma que toda a sociedade tinha o direito de debater sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou sobre o aborto. Em todos estes tópicos, é importante que a sociedade se una numa marcha por novos valores e, assim, evite a criação de verdadeiros guettos, onde a sociedade se separa entre religiões, orientações sexuais ou simplesmente pelo seu sexo. Nós homens, temos a obrigação de reivindicar uma sociedade mais igualitária, contribuindo para diminuir os abusos provocados por cidadãos sobre outros cidadãos. É muito importante mostrarmos às mulheres que só uma minoria dos homens é que são “nojentos e porcos” e que elas não estão sozinhas. O homem tem que lutar pela igualdade através de uma clara distinção de conduta correcta e, acima de tudo, de valores, por contraponto a outros, que agem na sombra das leis ou simplesmente baseados na falta de moral. O homem tem de compreender que o seu papel na sociedade é mais do que existir num ambiente tóxico e virar a cara para o lado. É uma luta contra a objectificação da mulher, pela liberdade de expressão da mesma ou por oportunidades de emprego idênticas ao sexo oposto. E esta obrigação estende-se a todas as sociedades e a todas as religiões, porque é uma questão de criar novos valores que contrariem e choquem de frente com uma cultura sexista.
Todos os anos faz sentido falar sobre este assunto da mesma forma que todos os dias vale a pena lutar por esta ideologia, porque a luta não está ganha só porque ninguém fala do elefante na sala. Continua a fazer sentido lutar por estes valores, porque nada é garantido ou vitalício e, por tudo isto, faz sentido escrever este texto mesmo depois de 8 de Março. Escrevo-o sendo homem e feminista, porque não se trata de uma luta só das mulheres ou só sobre elas. Trata-se de pensar a sociedade: a forma como todos nos comportamos, a nossa história como civilização e os nossos valores. Também é importante abordar o tema diariamente para que os mais jovens não se conformem e percebam que no futuro, a luta também será deles e eles serão os pilares dela. Mulheres, não estão sozinhas.