A insignificância da vida em “Romance 11, Livro 18”, de Dag Solstad

por Miguel Fernandes Duarte,    23 Outubro, 2019
A insignificância da vida em “Romance 11, Livro 18”, de Dag Solstad
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Vivemos as nossas vidas como um conjunto de experiências. Experimentamos o amor, temos filhos, viajamos pelo mundo, perseguimos uma carreira, tentamos até experienciar aquilo que nos deixa na fronteira entre a vida e a morte. Mas quando essas experiências se revelam vazias, o que fica? Que resta da vida que levamos?

Romance 11, Livro 18, o mais recente livro do norueguês Dag Solstad a ser publicado em português pela Cavalo de Ferro, conta a vida de Bjørn Hansen, norueguês de meia-idade que dá por si angustiado com a insignificância da vida que levou.

Quando o seu filho tinha ainda dois anos, Bjørn abandonou o seu casamento, deixando a mulher, e Oslo, para ir viver com a amante, Turid Lammers, para a pequena cidade de Konigsberg. Mais do que por amor, fê-lo pela aventura. Fora com a amante porque receava “que, de outra forma, se viesse a arrepender de tudo.”

Em Oslo, trabalhara no Ministério da Economia. Estudara Economia, apesar de se interessar mais por Arte e Literatura, por ser aquilo que lhe garantia subir na vida e não acabar na mesma pobreza que os pais. Em Konigsberg, Turid incitara-o a tornar-se tesoureiro municipal, um cargo para o qual era sobrequalificado, mas que o mantinha perto de casa e destacado na vida local.

Dag Solstad @ Roberto Ricciuti/​Getty Images

Por causa de Turid, juntara-se também ao grupo de teatro amador da cidade, onde a sua nova mulher era o centro das atenções e captava o interesse de todos os homens, retribuindo também o interesse por eles. Ainda que nada chegasse a acontecer entre Turid e esses outros homens, Bjørn fazia cenas de ciúmes intensíssimas. O problema é que as fingia.

“Fazia-o por ela. Pois nem sequer se atrevia a pôr a hipótese de Turid Lammers ter desperdiçado todo o seu charme feminino sobre o indivíduo eleito da noite, sem que isso levasse o seu parceiro a um ataque de ciúmes.”

Bjørn largara a sua primeira mulher em busca de um significado diferente para a sua vida, uma intensidade que não sentira nunca presente, e era incapaz de abdicar sem levar tudo até às suas últimas consequências. “Sem essa intensidade, o que restava?”

Mesmo que sentisse prazer em pôr em cena, todos os anos, uma nova opereta, começara a sentir que toda a intensidade posta nesse grupo de teatro era desperdiçada.

“Todo esse entusiasmo e toda essa experiência de representação em palco, tanta satisfação pela precisão e tanta energia, não se deveriam usar para algo mais sério do que operetas?”

Lança por isso o desafio de pôr em cena O Pato Selvagem, peça essencial de Ibsen que é também chave no enredo de outro dos romances de Solstad, Pudor e Dignidade (talvez o seu melhor). O grupo recebe a sugestão com pouco entusiasmo, mas lá se lança ao desafio. Como era inevitável, a encenação acaba por ser um desastre, nada corre bem, e Bjørn vê-se a sós com a insignificância da sua vida e a mediocridade de tudo o que o rodeia: mulher, trabalho, amigos, e mesmo a pequena cidade de Konigsberg.

“Mas se não estivesse aqui, teria estado noutro sítio a viver da mesma maneira.”

A vida entusiasmante que julgara encontrar na ida para Konigsberg, optando pela amante em detrimento da mulher e do filho, no fundo era tão insignificante como a que havia deixado para trás. Como viver com essa insignificância? O que pode um homem fazer quando se apercebe que já nada há de significativo para viver e que apenas lhe resta amargurar com o que deixou para trás? Deixar Turid é o passo óbvio, e no início do livro encontramos precisamente Bjørn sozinho, na estação de comboios de Konigsberg. Mas o que raio se pode fazer para ganhar um novo propósito?

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