A luz cristalina de ‘In Mind’, dos Real Estate

por Bernardo Crastes,    24 Março, 2017
A luz cristalina de ‘In Mind’, dos Real Estate
Capa do disco
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O novo álbum dos Real Estate vem no seguimento da partida do guitarrista Matt Mondanile, agora dedicado apenas ao seu projecto a solo, Ducktails. Mondanile foi substituído por Julian Lynch, que já era relativamente conhecido no mundo da música independente. De resto, pouco mais mudou. A banda de New Jersey continua a fazer música plácida, solarenga e cristalina, criando mais um testemunho do nicho sonoro que têm habitado ao longo dos últimos anos, e que é tão seu.

Nem tudo ficou exactamente na mesma, no entanto. A guitarra de Lynch soa menos polida, o que adiciona músculo a algumas canções de In Mind, apesar das melodias continuarem doces e barrocas. Há agora uma maior prevalência de teclas, cortesia de Matt Kallman. Após “All the Same”, do álbum Days de 2011, temos aqui a segunda maior canção da banda, “Two Arrows”. Ao passo que a primeira se desenrola de forma ordeira, “Two Arrows” tem na sua segunda metade o momento musical mais improvisado da carreira dos Real Estate, momento esse que é cortado abrupta e inesperadamente. É uma lufada de ar fresco na relativa previsibilidade da banda.

No entanto, esta previsibilidade não é um problema para quem se identifica com o som dos Real Estate. Quem procura estes álbuns, sabe ao que vem. É música confortável, que nos faz sentir bem, ao mesmo que tempo que nos confronta com sentimentos escondidos de melancolia e apreensão pela imprevisibilidade da vida. A mudança e o caos podem ser assustadores, e a música da banda é um porto seguro.

A parte mais bem conseguida do álbum é a sequência das duas canções mais lentas: a valsa crepuscular “After the Moon” e “Two Arrows”. A melodia lindíssima e ampla da primeira parece talhada para nos acompanhar em viagens de autocarro pelo burburinho da cidade, ao anoitecer, desembocando na segunda, que faz esse ambiente perdurar e, de forma natural, o desintegra com o improviso já mencionado. É uma aposta ganha.

“The laughing brook that ran right through this town/ Slowed to a smile when the mercury went down” é possivelmente a imagem mais bela do álbum. A descrição bucolicamente poética do congelamento dum riacho em “Stained Glass” é uma prova da capacidade lírica de Martin Courtney, que continua a encapsular os seus temas recorrentes em frases que possuem uma beleza sem esforço. As suas letras sobre a ansiedade e marasmo suburbanos não se esgotam e continuam a soar frescas, mesmo após quatro álbuns.

A esperança de “Time” (“I have not lost the plot just yet/ I have reason to believe/ The sun’s still burning/ Up there in the sky, there’s time”) é amplificada pelos arranjos expansivos de guitarra e pela complexidade rítmica, e elevam a canção ao nível de mantra. Em “Serve the Song”, outro ponto alto do álbum, Courtney diz que o refrão apenas interrompe a canção e que canta para a servir. É uma ideia bonita de quem faz música pelo amor à mesma.

De três em três anos, os Real Estate presenteiam-nos com um álbum que consolida o seu estatuto como uma das bandas mais consistentes do indie rock. In Mind não é excepção. A sua música é sempre bem-vinda, mas também ficamos curiosos para saber de que formas poderão evoluir. Até 2020!

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