A nova colheita do Partido Socialista
Em janeiro de 2022, a meros dias das eleições legislativas, Pedro Nuno Santos entrou no auditório de campanha em Aveiro, de onde é originário, e produziu um discurso ideológico, intenso e bizarro na medida em que não menciona uma única vez António Costa, líder do Partido Socialista.
Parecendo que tinha acabado de pousar o livro “A Tirania do Mérito” de Michael Sandel, foca o seu discurso inteiro na meritocracia, na sua falácia, e como é a principal diferença entre a esquerda e a direita. A sala irrompeu em palmas, de forma mais entusiasta do que durante o discurso do anterior candidato a primeiro-ministro, e Pedro Nuno Santos não foi mais convidado a discursar até às eleições de 30 de janeiro de 2022.
“Um discurso político é eficaz quando galvaniza votos, seja a favor do candidato ou contra o adversário. Em ambas estas vertentes é inegável que Pedro Nuno Santos produziu um dos seus melhores momentos políticos este domingo.”
Ao entrevistar Luís Paixão Martins, a mente por detrás da anterior maioria absoluta do Partido Socialista, perguntei-lhe sobre esse mesmo discurso. Respondeu-me de forma lapidar que um líder do PS que suscite aplausos do BE e do PCP nunca terá maioria com o Partido Socialista. Saí da entrevista pouco convencida, mas nunca esqueci as palavras sobre as gaspeadeiras e os hercúleos trabalhadores da CP aos quais Pedro Nuno Santos se referiu.
Não houve um segundo do discurso deste domingo, no encerramento do Congresso do Partido Socialista, em que o discurso de Aveiro não estivesse presente.
Um discurso político é eficaz quando galvaniza votos, seja a favor do candidato ou contra o adversário. Em ambas estas vertentes é inegável que Pedro Nuno Santos produziu um dos seus melhores momentos políticos este domingo.
Converge em quatro pontos chave e ganhadores: uma posição ideológica clara e inspiradora, uma mensagem política tendo os problemas do eleitorado chave em primeiro lugar, propostas claras e promessas eleitorais simples, e perfil pessoal de
decisão e anti hesitação.
Na verdade, discorrer durante meia hora sobre a baixa de IRC e inventar uma polémica sobre uma suposta nacionalização dos CTT não eletriza nem os caciques colocados atrás do palanque do discurso. Explicar que a meritocracia é o jogo comezinho dos vencedores e vencidos já o consegue fazer, e Pedro Nuno Santos sabe-o.
Num país com o elevador social avariado, o reconhecimento que a incapacidade dos portugueses avançarem ou progredirem socialmente se deve à inabilidade do Estado Social lhes dar as ferramentas para tal é refrescante, mesmo que o partido de Pedro Nuno Santos seja o principal responsável desta sina.
É também essencial analisar que todo o teor do discurso se centrou no que chamamos de “kitchen table issues” na política americana, sem mencionar o supérfluo e vulgar das guerras culturais vigentes, culminando na promessa do aumento do salário mínimo para 1000€ até 2028, da valorização da medicina dentária no SNS e na reforma da segurança social.
“Num país com o elevador social avariado, o reconhecimento que a incapacidade dos portugueses avançarem ou progredirem socialmente se deve à inabilidade do Estado Social lhes dar as ferramentas para tal é refrescante, mesmo que o partido de Pedro Nuno Santos seja o principal responsável desta sina.”
A última componente essencial de Pedro Nuno Santos que ficou latente no discurso de domingo é o seu estilo decisivo, intempestivo, que é interpretado como a personalidade do político que promete e faz. Contudo, o problema de deixar claras as suas prioridades políticas é que o eleitorado não lhe perdoará não as cumprir, mas pelo menos pode assegurar um primeiro mandato confortável.
Enquanto na FIL se reunia o Partido Socialista, a nova AD era apresentada no Porto. Talvez não inocentemente, na figura de apresentação, trocou-se Freitas do Amaral por Adelino Amaro da Costa. Apresentou-se o grupo de independentes encabeçado pelo ex-bastonário da Ordem dos Médicos, pessoa que esteve consecutivamente do lado do corporativismo versus as prioridades do Sistema de Saúde, e que defende que se o SNS “fosse uma empresa já tinha falido”.
Podia ter sido lembrado que se o elevador social está travado deve-se à governação socialista que promete mundos e fundos mas cativa e executa menos dos orçamentos do que em 2012. Os portugueses poderiam ter ouvido o líder da oposição relembrar que contratar médicos tarefeiros a seis vezes mais o custo à hora para fazer um brilharete do défice para apresentar a Bruxelas deixou as urgências a abarrotar.
“A última componente essencial de Pedro Nuno Santos que ficou latente no discurso de domingo é o seu estilo decisivo, intempestivo, que é interpretado como a personalidade do político que promete e faz. Contudo, o problema de deixar claras as suas prioridades políticas é que o eleitorado não lhe perdoará não as cumprir, mas pelo menos pode assegurar um primeiro mandato confortável.”
Também poderia ter sido relembrado que mais uma proposta que traz hesitação no mercado de arrendamento já tão parco e diminuto é uma machadada num problema de habitação que foi agravado durante a tutela do próprio Pedro Nuno Santos.
No entanto, pudemos ouvir a celebração de Gonçalo da Câmara Pereira por integrar uma plataforma de entendimento à direita, não muito tempo depois de se ter aliado ao Partido Cidadania e Democracia-Cristã para formar o partido embrionário do Chega.
Desligo a televisão e pergunto-me quantas mais vezes vou ter de fazer uma reflexão amarga deste tipo, e chego à conclusão que será mais vezes do que o que gostaria.