A União Europeia, das origens à actualidade
A União Europeia é uma das unidades mais conhecidas que compacta uma série de países em relações de cooperação internacional, ao nível da economia, da sociedade, da justiça e do trabalho. A cooperação é tal que se trata de um território de moeda única (parte dos países membros aderiram, outros não), assim como há um espaço de livre acesso, que corresponde à superfície dos seus países. Portugal, juntamente com Espanha, aderiu em 1986 e acompanhou muitas das transformações desta instituição. Porém, e bem antes desta adesão, já a União Europeia gizava o seu caminho de presente e de futuro e as suas origens atiram bem para trás do século XX.
A ideia de uma Europa unida
A primeira ideia de uma Europa mais ou menos unida veio na Idade Média, durante a dinastia carolíngia, responsável pela administração de um vasto império, em muito organizado por via do poder da Igreja Católica, que, de facto, dominava o ocidente do continente europeu. A contenção da expansão islâmica fortaleceu esta união entre diferentes povos de diferentes proveniências, muito mais regionalizados do que a atual ideia consagrada nas nações, que se formaram mais tardiamente na amálgama de muitas dessas culturas. A ideia de união da Europa sempre foi vista, assim, com mais sentido de defesa do território e de proteção do cristianismo. Não obstante, e já após a queda de Constantinopla, bastião do Império Romano do Oriente, para os muçulmanos, em 1493, ano que marca o fim da Idade Média, a ideia dessa união continuou a pairar, embora com outros moldes. Vários humanistas idealizavam uma espécie de parlamento europeu, cuja missão seria a da prevenção de guerras no continente.
Porém, o primeiro conceito de uma espécie de “Estados Unidos da Europa”, inspirado nos moldes da formação dos Estados Unidos da América, no século XVIII, foi suscitado pelo Abade Charles de Saint-Pierre, em 1728. A sua ideia consistia na criação de uma liga europeia composta por 18 estados soberanos, dispondo de uma união económica, de um erário conjunto e da ausência de fronteiras. Foi uma ideia que começou a ganhar mais cor e sustento no século XIX, especialmente com a maior fraturação entre a Europa propriamente dita e o crescente Império Russo. O próprio Napoleão Bonaparte, no auge do seu domínio continental, falou na constituição dessa Europa possibilitada pela divisão por nacionalidades livremente formadas, havendo paz entre todos os Estados. Os primeiros pensadores socialistas do século XIX também o consideraram, sendo que o próprio Victor Hugo, o escritor francês, prognosticou um embate entre os Estados Unidos da América e os da Europa, pensando na Europa como uma possível organização de unificação pacífica e de cooperação internacional, com igualdade entre todos os membros.
Os moldes pensados para a União Europeia seriam herança da Confederação Alemã pós-Guerras Napoleónicas. Esta confederação era composta por trinta e oito estados germânicos, depois do desmantelamento de Napoleão do ex-Sacro Império Romano-Germânico, que havia dominado a Europa Central até então. O Congresso de Viena seria crucial nesta mesma fase e ajudaria a impor o zollverein, uma aliança aduaneira que facilitava as trocas comerciais entre os estados e reduzia a competição interna. Um conceito de Estados Unidos da Europa seria formalmente apresentado pelo polaco Wojciech Jastrzebowski, em 1831, na obra “Sobre a Paz Eterna Entre as Nações”, visualizando-a mais como uma organização internacional do que como um superestado. Em Itália, era o político Giuseppe Mazzini a, em 1843, mencionar a necessidade de criar uma federação de repúblicas europeias. Victor Hugo, cujas algumas ideias para os Estados Unidos da Europa já foram mencionados, bateu-se por esta causa no Congresso da Paz, em 1849, apelando à importância de um senado soberano e supremo, à imagem de Inglaterra, fazendo valer a irmandade dos eventuais Estados-membros. A ele, juntar-se-iam o filósofo John Stuart Mill e o italiano Giuseppe Garibaldi, guerrilheiro que batalhou pela unificação de Itália no Congresso da Liga da Paz e da Liberdade, em Génova, no ano de 1867, em prol dos valores da liberdade, da justiça e da paz nas relações internacionais entre os países, para além de impossibilitar eventuais conflitos civis. Outro ideólogo seria o também polaco Theodore de Korwin Szymanowski, que pensou noutro pendor dessa união: uma reforma económica e monetária, que abrisse portas a uma moeda única e a um banco central, capazes de unificar políticas e práticas.
As turbulências das Guerras
Eram muitas as pequenas alianças entre os países da Europa e muitas delas foram postas em causa por eventuais transformações de regime e algumas efemérides, como foi o assassinato do herdeiro ao trono do Império Austro-Húngaro, Francisco Fernando. Foi assim que Rússia, Inglaterra e França (a Tríplice Aliança, à qual se juntaram os Estados Unidos no final da Guerra) se uniriam contra as forças unidas da Alemanha, do Império Austro-Húngaro e da Itália (a Tríplice Entente), que, eventualmente, mudaria de lado. Não é necessário ir muito longe para calcular as vítimas mortais, os feridos, os danos materiais, sociais e financeiros que este conflito, que durou três anos, causou. Após o fim, foram diversas as ideias de unificar politicamente a Europa, havendo diferentes organizações que procuraram fazê-lo, embora limitadas aos partidos políticos europeus de uma dada ideologia. Porém, era uma realidade que existia mais diálogo e até cooperação entre aqueles que estavam envolvidos nesse tipo de organizações, o que fortalecia a eventual formação de uma união à escala europeia.
O conde austríaco Richard von Coudenhove-Kalergi seria o primeiro a apresentar a ideia um estado europeu unificado a partir do seu movimento Pan-Europa, datado de 1923, cujo primeiro congresso decorreu em 1926. Assentava em quatro pilares: conservadorismo liberal, cristianismo, responsabilidade social e pró-europeísmo. Este movimento ainda hoje existe, embora mais limitado à ala política mais conservadora da Europa. Por sua vez, Leon Trotsky, o russo, pensava em como a Europa se poderia unir a partir de princípios comunistas. Os esforços eram, assim, em muito impulsionados por causas ideológicas e partidárias, sem um alcance mais amplo. Isto não impediu que, em 1929, em plena Liga das Nações – instituição que se tinha criado para garantir a paz do mundo após a Primeira Guerra Mundial -, o primeiro-ministro francês Aristide Briand apresentasse a ideia de uma federação de nações europeias sustentada na solidariedade, na prossecução da prosperidade económica e na cooperação social e política. Deixaria as suas ideias por escrito num memorando, que seria retrabalhado por outro primeiro-ministro francês, Édouard Herriot. Muitas das suas premissas advinham da união monetária e comercial entre a Bélgica e o Luxemburgo, que, em 1921, foi a primeira a realizar-se nestes termos.
A necessidade de harmonizar os interesses nacionais em torno de uma união à escala europeia ganhou força, tanto que o seu exemplo poderia servir como referência para outras realidades geográficas. Jozef Pilsudski, também na década de 1920, e tratando-se de um dos homens com mais poder militar e político na primeira metade do século XX na Polónia, também propôs uma federação europeia (a miedzymorze, ou “entre-mares”), na qual se abriria a hipótese de incluir os países da Europa do Leste e abdicando dos da Europa do Sul, fortificando a região entre o Báltico, o Adriático e o Mar Negro. Porém, a hecatombe da crise de Wall Street, que afetou não só a economia norte-americana, mas também a europeia, que se havia tornado muito dependente da primeira, conduziu a uma crise económica profunda, assim como política. Nasciam os primeiros movimentos de extrema-direita, sendo que muitos deles se efetivariam como governos autoritários e ditatoriais. Os regimes de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Benito Mussolini, em Itália, seriam os responsáveis por um novo conflito bélico, desta feita com uma escala ainda mais ampla (incluiu o Japão e os Estados Unidos).
Durante a Segunda Guerra Mundial, planeavam-se, assim, para o cenário do pós-Guerra, formas de encontrar soluções de manutenção da paz e de resistência aos movimentos fascistas. Essas soluções teriam, claro está, de ser à escala europeia. Um dos principais partidários desta ideia era o primeiro-ministro húngaro de então, Pál Teleki, que pretendia a autonomia da Hungria, país que a via em causa nestes dois conflitos, batia-se pela união europeia dos seus países, para salvaguardar a segurança política e militar do seu país, ao mesmo tempo em que pudesse assegurar a sua autonomia. Do outro lado das forças da Guerra, alguns ministros alemães também pensavam numa “Nova Ordem” para a Europa, que assentaria numa confederação de moeda única, cujo banco central se situasse em Berlim, e pensava-se numa legislação a nível regional e numa política de trabalho, económica e comercial que estaria subordinada à política central do governo central, o nazi. No entanto, era uma ideia que não chegou a ser valorizada pelo poder central de então, embora procurasse ombrear o comunismo soviético e a força política norte-americana.
Contudo, era uma ideia que era alimentada pelo ministro Arthur Seyss-Inquart, assim como pelo francês Jacques Benoist-Méchin, então ligado à governação de Vichy em França, controlada pelo regime nazi. A ideia seria de tornar a Europa mais solidária e cooperativa, de forma a alcançar rapidamente uma prosperidade sem barreiras económicas. Entretanto, o regime nazi seria derrotado e cairia, no ano de 1945, após seis anos de guerra. A resistência havia vencido e outros ideais se levantavam como imprescindíveis, como a liberdade de expressão, de religião, a proteção de cada indivíduo de atos de violência arbitrária praticados por regimes fascistas, salvaguardando a igualdade entre as partes envolvidas. Eram ideias defendidas pela Rosa Branca, o grupo de resistência não-violenta que procurava batalhar o nazismo na Alemanha.
Os primeiros passos da União Europeia
Foi nesta fase que vozes que se tornariam verdadeiramente cruciais no estabelecimento da futura União Europeia se fariam ouvir. Após ter estado num campo de concentração em Ventotene, Itália, e de lá escapar, o italiano Altiero Spinelli escreveu o manifesto “Em Prol de uma Europa Livre e Unida” em 1941, alimentando a ideia de uma Europa unida, que salvaguardasse a soberania nacional de cada país. Formaria até o Movimento Federalista Europeu (MFE), cujo programa seria esse manifesto. Por sua vez, Jean Monnet, membro do Comité de Libertação Nacional do governo exilado França Livre, dava o mote para essa nova união europeia: os países europeus eram pequenos demais para prover aos cidadãos a prosperidade necessária e o desenvolvimento social, sendo fundamental que se unam numa só federação.
Os danos que a Segunda Guerra Mundial haveria causado ultrapassavam em larga medida os da Primeira, em especial pelos massacres em larga escala, como o Holocausto, e pela modernização da tecnologia de guerra, que devastou muito mais do que aquilo que tinham sido as consequências do primeiro conflito. Com o próprio surgimento do armamento nuclear, a necessidade de garantir que mais nenhuma guerra mundial pudesse acontecer era gritante, ainda por cima com a tensão que se vinha alimentando entre os Estados Unidos e a União Soviética. O primeiro-ministro inglês, Winston Churchill, assumia essa união como prioritária, possibilitando o fortalecimento das próprias Nações Unidas, que tinham sido criadas entretanto com a missão de assegurar a paz mundial e que substituía a fracassada Liga das Nações. Em 1949, seria, assim, assinado o Tratado de Londres entre a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Holanda, a Irlanda, a Itália, o Luxemburgo, a Holanda, a Noruega, a Suécia e o Reino Unido. Com isto, era criado o Conselho da Europa (não confundir com o Conselho Europeu), que se destinava a salvaguardar os direitos humanos, o desenvolvimento da democracia e a estabilidade política e social. Portugal entraria neste em 1976, bem antes da adesão à CEE, enquanto ainda estava na EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio, que ainda hoje agrupa a Suíça, a Noruega, o Liechtenstein e a Islândia).
Um ano antes, havia sido convocado o Congresso da Europa, em Haia, também ele coordenado por Winston Churchill. Foi aqui que se discutiu a formação do tal Conselho, para além da formação do Movimento Internacional Europeu (uma associação de coordenação dos esforços de várias partes em torno da integração europeia) e do Colégio da Europa (um colégio de formação para jovens europeus, com os valores subjacentes da solidariedade e da compreensão mútua, onde os futuros líderes da Europa pudessem estudar juntos). Aqui, sentiram-se as primeiras fações a serem desenhadas sobre a ideia de uma Europa unida, havendo os federalistas – defensores de uma Europa Federal – e os unionistas – opostos à perda de soberania por parte dos seus membros. Por isso mesmo, o Conselho da Europa, sediado em Estrasburgo, seria dividido em dois corpos políticos, com um a ser composto por governos integrais e o outro com membros dos parlamentos nacionais.
Um outro tratado importante assinado na década de 1940 foi o Tratado de Bruxelas (1948), ampliando o pacto militar assinado em Dunquerque entre a França e o Reino Unido em 1947, abrindo espaço à entrada dos países do Benelux (Holanda, Bélgica e Luxemburgo). Aqui, para além da proteção militar em relação à União Soviética, a missão passou também por assegurar a cooperação social, económica e cultural. Este tratado estaria vigente até 1954, após se formar a União da Europa Ocidental, com uma missão especialmente vocacionada para a defesa do território europeu, seguindo as normativas regulamentadas pela Organização do Tratado Atlântico-Norte (NATO). Esta instituição foi fundada em 1949 para assegurar a cooperação militar entre os Estados Unidos, o Canadá e a Europa Ocidental, para além de outros Estados-membros da Europa Central e do Leste, servindo como resposta às ameaças dos testes nucleares soviéticos e da Guerra Coreana.
Enquanto isso, a união monetária agregadora da Bélgica e do Luxemburgo ampliou-se à Holanda, cooperando de forma a tornarem-se uma força política e económica mais consistente em relação a outros países com economias mais fortes e com maior importância geopolítica. Do outro lado, Robert Schuman, que havia sido primeiro-ministro francês e que se ocupava da pasta dos Negócios Estrangeiros, procurou reverter a política mais autoritária do general Georges De Gaulle e dedicou-se ao eventual projeto europeu. É nessa contexto que surge a sua célebre declaração, no dia 9 de maio de 1950, tanto que ficou conhecida com o seu nome (declaração Schuman). Foi pensada com nomes, como Paul Reuter, Etienne Hirsch ou o já mencionado Jean Monnet e idealiza a produção do carvão e do aço (dois recursos necessários na Segunda Guerra) francesa e da RFA (República Federal da Alemanha, presidida pelo chanceler Konrad Adenauer a Ocidental, agora que a Alemanha se havia dividido em duas) sob a autoridade de uma instância superior. Era uma cooperação que estava aberta à integração de outros países da Europa Ocidental e destinava-se a criar interesses comuns entre os países europeus, o que possibilitaria a uma integração política gradual, ao crescimento económico e à eventual pacificação de relações entre a Alemanha (Ocidental) e o resto da Europa.
O eventual plano de desenvolvimento de uma união europeia foi, assim, pensado na concretização de objetivos definidos gradualmente, em que a base fosse a solidariedade internacional. Porém, era assumido, e a partir das próprias forças governamentais, a intenção de criar a “Europa”, unida e movida pelos mesmos procedimentos e pelas mesmas métricas sociais e económicas, possibilitando outro tipo de uniões a nível político e financeiro. Inicialmente, essa instância superior a gerir a atividade coordenada entre França e Alemanha eram as Nações Unidas, com o seu interesse pela salvaguarda da paz. O Tratado de Paris, assinado em 1951, assumia toda a Declaração Schuman e concretizava a criação da primeira instituição supranacional europeia que planta a fundação de uma organização europeia. A tónica colocada na sua abertura em relação às demais nações da Europa não retira o papel pioneiro dos países signatários do Tratado: a Alemanha Ocidental, a Bélgica, a França, a Itália, o Luxemburgo e a Holanda.
Estava constituída a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que teria uma duração de cinquenta anos (o Tratado de Paris expiraria em 2002, sendo que a CECA foi absorvida pela Comunidade Europeia). O Reino Unido havia rejeitado submeter-se a uma autoridade supranacional, pelo que ficou de fora. O mercado comum seria aberto a 10 de fevereiro de 1953 para o carvão e a 1 de maio desse ano para o aço. A produção de aço seria quadruplicada e, embora a do carvão diminuísse, a qualidade ambiental, a segurança e o desenvolvimento tecnológico promovidos pela sua produção seriam bem maiores. As crises industriais eram mitigadas e este mercado comum permitiu assegurar um desenvolvimento sustentado entre os Estados-membros e a adequada distribuição de recursos.
As fundações institucionais da atual União Europeia
As instituições nas quais a CECA se sustentou são, grande parte, as mesmas que sustentam a atual União Europeia. Essa instância superior (ou alta autoridade) que coordenava a atividade dos seus Estados-membros passaria a ser a Comissão Europeia (situada em Bruxelas). Jean Monnet seria o seu primeiro presidente, eleito por oito outros membros que a compunham, e, por sua vez, seriam nomeados pelos Estados-membros (dois votos para os três maiores países e somente um para os menores). Atualmente, a Comissão Europeia, servindo como o órgão executivo supranacional desta união, responsabiliza-se pela preparação da legislação, a implementação das decisões tomadas a nível europeu, o cumprimento dos tratados europeus vigentes e a gestão diária das questões concernentes à União Europeia. Atualmente, os membros da Comissão são proporcionais ao número de países membros, sendo um deles o seu presidente. À data, seria mesmo o primeiro corpo supranacional de poder executivo a ser criado e aplicado.
Os governos dos Estados-membros são, assim, representados pelo Conselho de Ministros, o atual Conselho da União Europeia (também em Bruxelas). O seu presidente era rotativo trimensalmente em ordem alfabética e tinha as funções de harmonizar os esforços dos governos nacionais em relação ao que era aplicado pela alta autoridade, assim como o assumir de funções consultivas em relação ao trabalho dessa autoridade. Na altura, os seus poderes eram limitados ao escrutínio e ao apoio, sendo que, atualmente, é responsável pela correção e aprovação de propostas feitas pela Comissão Europeia e é composta por 27 membros, também eles proporcionais ao número de Estados-membros, agrupando os ministros dos assuntos sobre os quais se debruçam as decisões.
A Assembleia Comum assumia os moldes do atual Parlamento Europeu (sediado em Estrasburgo), sendo composto por 78 representantes. As suas funções eram de supervisão em relação ao poder executivo (podendo, mesmo, demiti-lo em caso de algum tipo de crime ou de abuso) e seria composto por membros do parlamento eleitos nas assembleias nacionais ou diretamente eleitos (as eleições de deputados europeus só existiriam em 1979). Este corpo organizativo foi pensado por Monnet e não consta na Declaração Schuman. Atualmente, são 705 os membros, sendo o segundo maior corpo parlamentar do mundo – só o da Índia o supera, com 788 lugares -, e o que apresenta um maior eleitorado (estimam-se mais de 375 milhões de cidadãos europeus com direito de voto). Dispondo de sufrágio universal para os seus assentos desde 1979, o Parlamento Europeu, embora tenha o poder legislativo, não tem iniciativa legislativa (só a Comissão Europeia a tem), apesar de ter a prerrogativa que lhe permite aprovar ou não os nomeados à Presidência da Comissão Europeia, assim como acatar moções de censura que derrubem a Comissão. De igual modo, assume o controlo orçamental da União Europeia, sendo que o corpo executivo desta deve prestar contas e responsabilidades ao Parlamento.
Outras transformações até à atualidade
As decisões sobre onde se localizariam estas instituições foram alvo de discussão profunda, tomando em conta as diferentes variáveis políticas e sociais. A decisão acabou por recair no Luxemburgo, embora se passasse o Parlamento para Estrasburgo, em França, onde se tinha instalado o Conselho da Europa, na chamada Casa da Europa. Aí esteve até 1999, aquando da construção de um novo complexo de edifícios, para onde o Parlamento se moveria. Os primeiros anos da CECA foram, assim, positivos, ajudando a coordenar os fundos advindos do Plano Marshall, dos Estados Unidos, que permitiram reconstruir economicamente a Europa e fazê-lo de forma integrada e devidamente coordenada.
Em 1957, porém, dar-se-ia um novo passo. Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Holanda, juntos da Alemanha Ocidental, assinariam o Tratado de Roma, que formaria a Comunidade Económica Europeia (CEE), complementar à CECA. Isto porque há muito se pensava em ir para lá do aço e do carvão, desenhando um autêntico mercado único, eliminando as tarifas comerciais nas trocas entre os Estados-membros e impondo-as ao que vinha do exterior da União. De igual modo se desenharia a Euratom, a Comunidade Europeia de Energia Atómica, de forma a coordenar esforços no desenvolvimento de energia nuclear. O alemão Walter Hallstein seria o primeiro presidente da CEE, depois de ser um dos pensadores da CECA, e o grande impulsionador da formação desse mercado comum europeu. Porém, alguns órgãos da CECA e da CEE tornaram-se redundantes, dada a similaridade de funções exercidas por ambas e, em Bruxelas, em 1967, foi assinado um Tratado de Fusão, em que ambas e a Euratom foram fundidas. Assim, a Comissão da CEE e o seu Conselho assumiriam as funções administrativas e executivas, apesar das três instituições permanecerem independentes entre si, passando a partilhar instituições e a ter uma nova referência: as três “comunidades europeias”. No entanto, aquela que predominaria daí em diante seria a CEE.
Em 1973, deu-se o primeiro alargamento, que abarcou a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido (o primeiro Estado-membro a sair, quase quarenta anos depois, em 2020). A Noruega viria a rejeitar após uma consulta popular, em que o eleitorado recusou juntar-se à União Europeia. À Grécia, em 1981, juntar-se-iam Portugal e Espanha, em 1986, Áustria, Finlândia e Suécia em 1995, Chipre, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Eslovénia e Eslováquia em 2004, Bulgária e Roménia em 2007 e, por fim, a Croácia em 2013. Após a queda do muro de Berlim e da reunificação da Alemanha Ocidental com a Oriental, esta também pertenceria à União Europeia, sendo uma só Alemanha. No ano de 1985, desenhou-se o Acordo de Schengen, que possibilitou a livre circulação de cidadãos europeus pelos países membros da CEE sem necessitar de passaporte. Em 1986, na administração de Jacques Delors começou a usar-se a bandeira europeia e assinou-se o Ato Único Europeu, que consolidou a criação de um mercado único harmonizado mas competitivo no ano de 1992, sendo o tempo considerado necessário para os eventuais ajustes a serem feitos pelos Estados-membros.
Similar foi o que se sucedeu após o Tratado de Maastricht (1992), com a criação da moeda única, o Euro, posto em circulação dez anos depois. Foi este que renomeou a CEE para União Europeia (UE) e ampliou o seu âmbito económico. Para além disso, criou a Política Externa e de Segurança Comum da UE, salvaguardando a segurança dos valores e interesses comuns da União, assim como os valores democráticos e humanitários, e a Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal, com vista a regular o tráfico de droga e de armas, a corrupção e o eventual terrorismo. Estes juntam-se ao pilar das Comunidades Europeias, que advêm da atividade da até então CEE, orientados para a atividade económica e para as políticas educacionais, culturais e científicas. Nesta fase, a União Europeia traçou-se, assim, como um espaço geográfico comum onde podem circular livremente indivíduos, bens, serviços e capitais, sustentando-se num mercado comum único, estabelecendo uma normativa judicial aplicável a todos os Estados-membros nas matérias respeitantes a esse mercado e a essa circulação dentro do continente.
O último tratado significativo em contexto europeu foi o de Lisboa, em 2009, que se dispôs a reformar vários aspetos do funcionamento da UE. Seria uma atualização do tratados anteriores, abrindo portas para um Parlamento Europeu com duas câmaras, ao qual se juntava o Conselho de Ministros (Conselho da União Europeia), sendo ambos os responsáveis por deliberar sobre as propostas da Comissão Europeia. De igual modo, desenhou-se outra roupagem para a personalidade legal da União Europeia, abrindo as portas para a criação de um presidente do Conselho Europeu – corpo não mencionado no ponto anterior, embora vocacionado para desenhar a direção política da UE e composto pelos primeiros-ministros dos países, pelo presidente do Conselho Europeu (um novo cargo), pelo presidente da Comissão Europeia e pelo Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (também ele um novo cargo). Apresentada e assinada também foi a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, um garante de um conjunto de direitos políticos, sociais e económicos aos cidadãos europeus, pela qual a atuação da UE se deve reger.
O projeto de uma união europeia não se iniciou recentemente, tendo em conta que as primeiras ideias de uma Europa unificada e orientada por um conjunto de princípios comuns já vem da Idade Média. Porém, o projeto europeu, alvo de bastante discussão e até de alguma contestação, vem sofrendo transformações profundas desde que foi institucionalizado a seguir à Segunda Guerra Mundial. Na base, está o objetivo de uma cooperação atenta e dedicada, com a finalidade de ser uma mais-valia e um pilar de segurança e de paz. Questões andam em torno do seu próprio funcionamento, de eventuais reestruturações a poderem ser feitas, de forma a garantir que a equidade entre os Estados-membros se possa evidenciar de forma indiscutível. Não obstante, a União Europeia permanece como o aparelho burocrático mais capaz – pelo menos em termos institucionais e teóricos – de dar respostas coordenadas e integradas a desafios que possam pôr à prova o mundo. Com tamanha infraestrutura, permanece como um projeto pioneiro, de referência, de quem vê ao longe o espectro da destruição e da ruína causa pela calamidade da Guerra. Embora ainda sejam numerosos os desafios a precisar de uma resposta convicta e menos ambígua, são também muitos aqueles que foram superados em prol da paz e de um sentido verdadeiramente europeu.