Activismo activado
Rui Cruz é humorista, stand up comedian e um génio (palavras dele). Escreve coisas que vê e sente e tenta com isso cultivar o pedantismo intelectual que é tão bem visto na comunidade artística.
Que vivemos uma época de convulsão social não é novidade para ninguém. Muitas minorias conquistaram uma voz e usam-na para reclamar os seus direitos, jovens saem à rua para protestar, quebrando assim a indiferença política que caracterizou algumas gerações, e há uma maior atenção aos casos de abuso contra mulheres e crianças. Apesar de alguns (muitos) excessos que se têm cometido na luta pela igualdade, acho que, no geral, estamos no bom caminho para tornar a sociedade mais equilibrada e justa. No entanto, esta convulsão social criou um tipo de pessoas absolutamente detestável: o activista profissional.
Todos nós já os vimos por aí, espalhados pelas redes sociais. Vocês sabem. Aquele pessoal que tem na bio do twitter “Activist”, que faz voluntariado com um fotógrafo e que são autênticos McNamaras dos movimentos sociais. Vocês sabem. Aquela malta que numa semana apoia Israel porque quer ficar bem vista na comunidade LGBTQI e na semana seguinte apoia a Palestina porque quer a aprovação da comunidade islâmica. Vocês sabem. Aquela gente que na verdade não tem convicções nem ideologia política, mas tem um óptimo sentido de oportunidade.
São muitos (cada vez mais) os activistas profissionais que apareceram nos últimos tempos, sendo que, na realidade, o seu ofício não é bem o activismo, esta é apenas a única competência profissional que esta turma apresenta, especialmente nas profissões chamadas liberais. Músicos que não sabem o que é um instrumento de cordas, mas que são músicos porque dão comida aos sem-abrigo, comediantes que não sabem o que é uma punchline, mas que são comediantes porque ajudam velhinhas a atravessar a estrada, actores cuja a única vez que representaram foi quando lhes perguntaram o que faziam na vida e eles respondem “sou artista”, mas que são actores porque adoptaram um cão sem pernas e com meia orelha. Pessoas que podem escolher a sua profissão sem ter qualquer aptidão para a exercer apenas e só porque são santos de impecável moral. E o pior é que resulta. És um artista incompetente, mas queres muito ser famoso e ter uma carreira sem nunca precisares de fazer nada com o mínimo de qualidade? Salva um touro. Queres ser um opinion maker/influencer social (isto existe ou acabei de inventar mais uma profissão que vai rebentar em dias?) sem ter nada para dizer ou qualquer pensamento próprio? Vê bem qual é a polémica social da semana e mete-te do lado da maioria. O teu sonho é seres convidado para a after party de uma qualquer gala de TV sem nunca teres pisado um estúdio? Tira uma foto com um crianças a fazerem-te tranças num país africano. Ou vende droga. Uma das duas deve dar.
“Ok. Eles são activistas e fazem caridade com segundas intenções, mas no final acabam por ajudar muita gente, por isso qual é o mal?”, pergunta o leitor enquanto apaga as músicas de Michael Jackson da playlist que fez para aquela noite 80s.
Na verdade, nenhum. Antes pelo contrário, sempre é melhor tentar ser famoso a ajudar pessoal só pelo protagonismo do que com sex tapes que “vazaram acidentalmente” para a net ou a fazer desafios divertidos como atirarem-se para cima de prateleiras de supermercado. Isso é um facto. Não deixa é de ser moralmente abjecto. Já na aplicabilidade prática, estou convosco. Que venham mais activistas profissionais! Que resolvam os problemas todos do mundo em troca de flashes, elogios e sacos de dinheiro, que façam o que centenas de políticos e associações ainda não conseguiram fazer. A sério, não estou a ser irónico. Se para o mundo ficar melhor for preciso meia dúzia de hipócritas, incompetentes e attention whores ficarem famosos e ricos, que fiquem! Até porque depois, quando o mundo estiver melhor, serão eles o pior que por cá andará. E resolver isso parece-me que será bem mais fácil, basta o Instagram ir abaixo outra vez.