Al Berto e o medo
Há 20 anos que Al Berto nos deixou nesta encruzilhada sem fim, mas com o legado da sua prosa e poesia. Al Berto foi um dos escritores que teve mais influência na literatura e cultura portuguesa na segunda metade do século XX. Alberto Raposo Pidwell Tavares nasceu em Coimbra em 1948, apesar de ter passado parte da sua infância e adolescência em Sines.
Vindo de uma família da alta burguesia inglesa, extremamente conservadora, cedo se destacou pela sua atitude divergente e sofisticada, provocando controvérsias dentro do seio familiar.
O artista mostrou precocemente uma grande sensibilidade artística, tanto na pintura como na escultura, frequentando a escola artística António Arroio em Lisboa.
Al Berto sempre foi muito mais ligado à parte plástica da imagem, na pintura, mas a paixão pela literatura cedo se entreabriu na sua mente e no seu coração. Sendo que, em 1974, ainda em Bruxelas, escreve o seu primeiro texto em português, “Epopeia antes da queda”. Até então expressava-se em francês, mas foi no português que mais se descobriu e revelou a criação de uma linguagem própria, lexical, metafórica e discursiva.
Foi também aqui que usou pela primeira vez o seu pseudónimo Al Berto, estritamente relacionado com a divisão e transição entre o Alberto pintor e o Al Berto poeta, da morte para o (re)nascimento.
“(…) Senti necessidade de abrir a brecha com uma coisa que era muito minha e abri o nome ao meio, uma cisão num determinado percurso. Foi a maneira de não esquecer esse abismo (…)”
“Alberto e Al Berto vergados à coincidência suicidária das cidades.
eis a travessia deste coração de múltiplos nomes: vento, fogo, areia, metamorfose,
água, fúria, lucidez, cinzas. (…)” Excerto do poema “Atrium”
Al Berto segue algumas correntes literárias que marcaram também alguns dos seus textos, referências internacionais como Rimbaud, Baudelaire, ou mesmo William Burroughs. A literatura portuguesa também influencia as viagens de Al Berto pelas palavras e frases da sua poesia, inspirado em Camões, no tema do mar e da terra, em Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), na multiplicidade de seres e sentimentos, e por último em Cesário Verde, no dialogo sobre a cidade e sobre o que o rodeava. Não só de literatura vivia Al Berto, também trazia para os seus poemas a influência das artes plásticas e da música.
A poesia de Al Berto ganha bastante destaque pela ênfase de temas humanos que implicam o diário emocional de um homem à beira do medo: “Escrevo para não me deixar invadir pelo medo”.
O artista português tem diversos livros dedicados ao medo, medo este que se encontra por toda a parte do mundo e do humano. Dedica-se à desfragmentação de si mesmo em varias personagens excêntricas, metafóricas, que aplicam ao mundo uma noção dilacerante e perturbadora, como um jovem rebelde à beira do abismo.
Al Berto permanece no mistério da noite, do urbano e na inquietação de um pensamento que aflige, que tormenta e que não sai. Medo de ficar, medo de partir, medo de perder, medo do tempo, e assim partiu o poeta há 20 anos…
Hoje, num dia em que a memória volta, a solidão invade-nos lentamente, nesta permanência eterna, rodeada de medos em forma de poesia, narrada pela subtileza de uma voz que fica por aqui.