Albert Camus e o absurdo da existência

por Lucas Brandão,    22 Abril, 2021
Albert Camus e o absurdo da existência

Albert Camus é o expoente máximo do absurdo em relação à existência humana. É ele que, em obras de referência na literatura ocidental, nomeadamente ficções, condensa uma análise profunda sobre o sentido da vida. Fá-lo nos seus 46 anos de vida, ele que nasceu a 7 de novembro de 1913, e faleceu num trágico acidente de automóvel a 4 de janeiro de 1960, com somente 46 anos. Nascido e crescido na Argélia, seria um membro ativo da Resistência Francesa no período da Segunda Guerra Mundial e um dos membros da esquerda contra os usos e abusos da União Soviética. No ano de 1957, arrecadaria o Prémio Nobel da Literatura, invocando, para si, esse estatuto de um dos mais consagrados, apesar de uma curta vida, dos escritores europeus do século XX.

Os spoilers terminam já aqui: Camus defendia que cada ser humano devia aceitar a condição humana da existência humana. Esta é a grande tese do pensamento deste filósofo, que levou um caminho relativamente longo a encontrar este consenso. Passaria por um pensamento sempre ligado com o que fora escrito e pensado antes da existência do pensador, tal como o Mito de Sísifo. Escreve, então, um ensaio, em 1942, sobre este mito, em que Sísifo estaria condenado, para o resto da vida, a repetir o processo de levar uma pedra de grandes dimensões para lá de uma montanha, já que ela insistia em rolar de volta para o início desta ascensão. Com base em Soren Kierkegaard, mas também no pensamento de Alfred Schopenhauer e de Friedrich Nietzsche, Camus cavalga nesta subida ao seu intelecto, comparando a necessidade do ser humano de encontrar e de definir o sentido da sua vida com esta tarefa destituída de qualquer sentido de Sísifo, embora ache que este acaba por encontrar sentido no empenho que coloca em todo o seu esforço. Para chegar à sua tese, faz um caminho similar ao do Kierkegaard, considerando diferentes possíveis soluções.

A primeira delas seria, enfim, o suicídio. Uma opção que, simplesmente, terminava com a vida do ser humano. No entanto, Camus assumiu-a como inválida, já que não contrariava, em nada, esse absurdo, mas somente o aumentava, já que decretava que a vida não deveria de ser vivida e se torna na forma mais básica de escapar a este absurdo. A aceitação de uma crença religiosa e/ou transcendental era, para Camus, um suicídio filosófico, sentenciando, aí, qualquer tipo de esclarecimento palpável e concreto sobre esse absurdo, privilegiando a abstração do mundo em relação ao seu encarar de forma racional. Aquela com que Camus se conformou seria, assim, a aceitação desse absurdo, já que era a solução na qual o ser humano se via munido de mais capacidades para ser, efetivamente, o mais livre possível, para além de se livrar da ideia pré-concebida de existirem ordens absolutas que comandavam o decurso da ação humana. Negando a existência de constrangimentos de ordem moral e religiosa, o ser humano poderia revoltar-se em relação ao absurdo, atribuindo sentido à sua vida, conseguindo, por essa via, encontrar algum contentamento na sua vida.

O ensaio que publica em 1951, “O Homem Revoltado”, discerne sobre essa questão, que define como fundamento das grandes revoluções e rebeliões nas sociedades antecessoras à sua, em especial na Europa. Analisa, assim, casos específicos, nomeadamente figuras da História que se conseguiram impor com essa veia revolucionária, desde Karl Marx a Fiodor Dostoievski. De igual modo, desmonta a sua conotação com o niilismo, já que, na sua ótica pessoal, a possibilidade de dar sentido à vida e de o construir a partir da ação é real, algo que, no niilismo, é descartado. Porém, e ao contrário do existencialismo monoteísta (de Kierkegaard) e do ateísta (do seu compatriota Jean-Paul Sartre), o seu absurdismo remete o encontro com a alegria e com o significado no período da vida, sendo a “resolução” do dilema apenas no fim da existência, ou seja, na morte. Camus usa a ficção para se debruçar sobre esta questão, nomeadamente em “O Estrangeiro” (1942), onde um comum cidadão argelino-francês assassina um homem árabe e se confronta com uma sentença de morte pelo sucedido.

Para Camus, o absurdo é um confronto, uma oposição entre a necessidade de encontrar o significado da vida e o universo, personificado por uma sensação de estranheza e de mistério. Perante este confronto e a incompatibilidade entre os seres humanos e o mundo onde habitam, e assumindo o absurdo como parte integrante da realidade, a liberdade humana é encontrada, enfim, um pouco à imagem daquela que Sartre defende na sua filosofia. É uma liberdade que é encarada como a mais valiosa unidade de existência humana, já que é através dela que o propósito da vida é encontrado, a partir de um conjunto de ideias e de ideais que orquestram o ser humano no universo em que atua. Camus encontra, assim, a liberdade de códigos morais e de credos religiosas, depois de um processo de revolta em relação ao absurdo e ao instinto que poderia conduzir ao suicídio, e a paixão na vivência diária, sem lugar para a esperança, já que ela seria, naturalmente, defraudada.

Camus posiciona-se no tempo num período de constante agitação social, tanto durante o período da Guerra, como o que o sucedeu, já que foram muitos os levantamentos populares (muitos deles armados) a favor da independência, em especial no Terceiro Mundo (sobre a Argélia, assumiria uma posição neutra, porque, embora se identificasse com as suas raízes, também era a favor do governo francês suster a revolta). Aliás, Camus seria um dos editores do jornal “Combat” (1941), que, inicialmente de resistência em relação às forças nazis, que ocupavam o território francês, continuou a ser uma fonte de contestação política. Essa presença cívica foi-se cruzando com a sua criação literária, como na peça “Calígula” (1938), onde faz uma análise mais ou menos filosófica da vida deste imperador romano em forma dramática, e o célebre romance “A Peste” (1947), no qual uma peste devasta a cidade de Oran, na Argélia, da qual muitos indivíduos padeceram, vendo-se confrontados com a sua impotência em relação a este fenómeno. O filósofo destaca-se, em essência, por captar uma série de reações muito diferentes em relação a esta conjuntura, já que a forma de encarar o absurdo da existência conhece, também na realidade, tão diferentes perspetivas.

Outras três obras de renome no seu percurso seriam “A Morte Feliz” (1971, póstumo), onde se debruça sobre as suas memórias pessoais e sobre a sua intenção pessoal de criar, de forma consciente, a sua própria felicidade, apesar de mencionar a necessidade de ter tempo e recursos para o fazer. De 1956, é “A Queda”, uma série de monólogos de um juiz que conta as suas memórias e se “confessa” a um estranho. Esta queda é similar àquela que, na Bíblia, os homens assumem em relação a Deus, deixando de o obedecer e de se remeterem à sua condição de desgraçados. O relato que este homem apresenta ascende, assim, a um estado de graça do qual a sua queda é o passo adiante e, por conseguinte, o protagonista deste livro. O último (e inacabado) romance de Camus seria “O Primeiro Homem” (1960), também ele de caraterísticas autobiográficas, remetendo para o seu tempo de adolescente e de estudante na Argélia, para além das habituais interrogações filosóficas, que são colocadas à luz dessa sua experiência pessoal.

Albert Camus foi, desta forma, um dos mais únicos pensadores do ocidente. Apresentou uma nova solução colocada pelo dilema de Kierkegaard, no sentido de encontrar o sentido da vida. Encontrou, no seu confronto com o absurdo, a necessidade de o aceitar, para, enfim, encontrar algum sentido para a vida. Um sentido que não se baseia em credos ou em ideias transcendentais, mas antes num contentamento simples e puro, que vale por si mesmo. Camus, por mais desencontrado que se tornou de Sartre (enveredou por outra escalada filosófica e, curiosamente, outra ideológica, no que toca a termos políticos), dividiu com ele (e com Simone de Beauvoir) a montra das interrogações e das investigações sobre a existência humana, desde os seus fundamentos ontológicos até aos seus propósitos. Por mais absurda que seja a existência (e a morte de Camus foi-lo, num acidente de viação), a resposta foi a mais simples e descomplicada possível: apenas viver e, na vida, encontrar a felicidade.

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