Ana Moura, Branko e Conan Osíris enterram o ano de 2020 num videoclipe
Há um ano que vivemos suspensos. Há um ano que aguardamos. Está na hora de voltar a viver e a sentir, mas para tanto há primeiro que fazer as exéquias de um tempo que importa deixar para trás.
Ana Moura, Branko e Conan Osíris criaram, no arranque de 2020, um tema que falava de morte e de renascimento, de esperança e de sentimentos fundos, daqueles que todos já arrancámos às entranhas. E fizeram-no de olhos e ouvidos postos num futuro que então se julgava diferente.
Vinte Vinte (Pranto) precisou apenas de 3 minutos e 42 segundos, a “tela” típica da canção pop que há décadas é usada por artistas para imprimir nas nossas memórias palavras e melodias, sons e ritmos que usamos para celebrar as nossas identidades, para assinalar revoluções, para fazermos avançar os tempos. Mas esta canção, em modo ultra-discreto, afirmou-se diferente porque continha novos mundos dentro, plena de luminosas ideias e entusiasmantes possibilidades. Soava como o princípio de algo por desbravar. O arranque de um futuro que se queria brilhante.
Branko, artista fundamental na modernidade portuguesa, homem que viajou pelo mundo, que recolheu inspiração em África e na sua diáspora global, assegurou a produção, a pulsação e a cadência melancólica da canção. Vindo dos Buraka Som Sistema, Branko é um experiente artista que entende que na nossa memória musical mais funda se resguardam tesouros que nos poderão ajudar a repensar o futuro. A classe dos seus arranjos simples resultantes de colaboração aprimorada com PEDRO servem duas interpretações sublimes.
Em primeiro lugar temos Ana Moura. Uma jóia de voz que tem fado dentro, mas que também tem o calor de uma África que conhece desde criança, ensinada pela mãe com raízes em Angola. Uma África que tem longa ligação com o fado e que tinge de melancolia a voz carregada de emoção de Ana Moura que aqui se revela intérprete de uma história grande, que vem de longe e nos chega perto.
No grão da sua voz há mundos. Uns que nos são próximos e familiares e outros que são longínquos, mas que queremos ainda assim visitar pois soam tão promissores. A vida na boca de um lobo, canta ela. A vida na sua boca. Que beija quando canta.
E finalmente, há Conan Osíris. Quem é este homem? É o nosso passado e o nosso futuro, o nosso alfa e ómega, um poeta de brilho tão intenso que cega todos em volta, um homem de palavras e ideias, que toma riscos, que também tem fado dentro de si, mas que parece encarnar a história de um país ao assumir o oriente e o Sul como coordenadas da sua arte.
Uma canção assim precisava de se resolver, com uma tradução visual que a arrumasse no seu tempo, mas que também nos dissesse que algo de novo está prestes a chegar. Pedro Mafama, ele mesmo um artista vindo do futuro, imaginou a trama, um funeral na Alfama das mil tradições, para enterrar um ano que todos precisamos de deixar no passado, antes de nos atirarmos aos tempos que aí vêm. Neste clip, “uma homenagem a todas as pessoas que viveram a escuridão que 2020 trouxe”, cruzam-se figuras para lá do trio protagonista, Tristany e Toty Sa’med, Gaspar Varela e Ellah Barbosa, todos enquadrados pela luz cinemática de Bernardo Lima Infante e pelo olhar de Irish Favério.
Um filme para arrumar um tempo. Um filme para nos resolver o futuro.