Angel Olsen, entre a tensão e a catarse

por Daniel Dias,    31 Janeiro, 2020
Angel Olsen, entre a tensão e a catarse
Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA
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Surge com uma guitarra ao peito e a luz branca fá-la brilhar no meio do cenário azulado. Aproxima-se do órgão Hammond que tem à sua disposição, e num instante conseguimos fugir do calor insuportável que se sente na sala. Já não estamos no Hard Club; Angel Olsen convidou-nos a conhecer um lugar diferente. Fechamos os olhos, respiramos fundo e deixamos que os sons ouvidos à distância nos indiquem o caminho. Cada batida de “All Mirrors” parece o golpe de um coração apressado. A faixa oscila entre uma perturbadora e quase auto-destrutiva tensão, e uma libertadora catarse; nós oscilamos com ela.

Os sintetizadores deixam-nos e, sem darmos por isso, somos deixados numa avenida Beatles-esque. É “Spring”, dedicada por Tiago a Daniel, para quem “o Sol nasce sempre”. “Don’t take it for granted, love when you have it / You might be looking over a lonelier shoulder”, avisa-nos Angel Olsen.

A mente faz um desvio. Por um momento, pensamos nos braços acolhedores que já conhecemos. Ainda conseguimos sentir o conforto de alguns, outros seguiram caminhos distintos. Aparece no nosso cérebro o livro de Bryan Charles sobre os Pavement. “Time pushes you forward and you have no choice but to move on, but maybe someone you left behind was really worth holding on to. So many people drop in and out of your life, how can you ever know for sure?”, escreve o autor. Lembramo-nos também do modo como Eddie Vedder resume o tema “Nothingman”. “If you love someone and they love you, don’t fuck up.” É tão simples – ou, pelo menos, devia ser. Como é que conseguimos dificultar tanto?

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Angel Olsen ainda aqui está, e volta a pegar em nós. “How time has revealed how little we know us / I’ve been too busy, I should’ve noticed”, lamenta. Estas palavras ecoam-nos até lhes perdermos o sentido. “I should’ve noticed, I should’ve noticed, I should’ve noticed.

“Impasse” bate à porta. Os violoncelos colocam-nos novamente perante o que “All Mirrors” sugeria no início. Aquela tensão esquisita. That weird chill, diria Mark Lanegan. A comichão irritante que não dá para deixar em paz, a sensação inescapável de que há algo fora do sítio.

“Lark” serve para confrontarmos o desconforto. “What about old times? You can’t erase them”, sublinha Angel Olsen. O violino faz-nos entrar numa espiral. Voltamos a permitir que as palavras se arrastem até deixarmos de saber onde estamos. “Dream on, dream on, dream on”; “The way you scream like something else is the matter, the way you scream like something else is the matter, the way you scream like something else is the matter.

“Summer” e “Tonight” fazem-nos pensar que estamos a fazer progressos. “Took a while, but I made it through”, assegura a primeira música. “Shut Up Kiss Me” e “Forgiven/Forgotten” são os raros desvios de All Mirrors. Chegados a “Endgame”, já percorremos mais ruas do que esperávamos, sempre guiados por uma voz que encontra novos caminhos a cada curva.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

I needed more than love from you.” Voltamos à dor na qual tropeçávamos há uma hora, regressamos a “Nothingman”. “If you love someone and they love you, don’t fuck up.” O violincelo faz-nos rodar, o nosso melhor e o nosso pior passam por nós a correr. Sentimo-nos encurralados e confusos.

“Chance” é a última paragem, a última oportunidade para sairmos do labirinto. “It’s hard to say forever, love / Forever’s just so far. Why don’t you say you’re with me now / with all of your heart?”, canta Angel Olsen, o raio de Sol que brilha sempre, mesmo no meio do céu nublado.

Não são precisas mais palavras. Pensámos em muita coisa enquanto o brilho de Angel Olsen resplandeceu perto de nós. Pensámos no amor e no desamor, nas amizades novas e nas que já se acabaram, no desejo de partir e na vontade de nunca vir a ser preciso dizermos adeus. Pensámos em questões bem maiores do que a nossa existência.

É hora de simplificar. Vamos deixar de estar ocupados a toda a hora, vamos reparar mais. “Why don’t you say you’re with me now with all of your heart?” é a única questão que devia interessar. Se calhar, só temos o aqui e agora. E se calhar, o aqui e agora não é assim tão mau.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

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