As pazes feitas com o Hard Club ao som do Grupo Revelação (fora os atrasos)

por Lucas Brandão,    26 Junho, 2023
As pazes feitas com o Hard Club ao som do Grupo Revelação (fora os atrasos)
Grupo Revelação/ DR
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Depois de uma experiência menos bem conseguida há dois meses atrás, no concerto de Baco Exu do Blues, quisemos voltar ao Hard Club para, de certa forma, fazermos as pazes com este recinto que já tantas alegrias e tantos bons momentos nos deu. A escolha do grupo musical que fizemos para o caso pode parecer inusitada, mas vem em linha daquilo que fomos à procura: sorrisos, alegria, ânimo. Foi assim que aceitamos o repto de, a um domingo à noite no pós-São João, escolher samba e pagode. Num espaço fechado e escuro, é estranho acolher o samba, que dá tanto gosto ser escutado sem os limites impostos por paredes e pelo teto. Porém, porque não deixar isso de lado e desfrutar da folia e da farra à disposição?

Assim, escolhemos o Grupo Revelação, datado já da década de 1990, mas que chegou à ribalta com os seus concertos ao vivo no Morro do Rio de Janeiro, que foram transpostos para discos em 2009 e em 2010 (os tais que nos marcaram há uns bons anos atrás e que, lá de trás, nos chamaram para o hoje). Foram o culminar de uma década de 2000 recheada de discos e de originais que ficaram no ouvido e cujas letras ficaram na memória dos anos vindouros. Já sem dois dos seus membros fundadores, os carismáticos Xande de Pilares e Almirzinho, não desgostamos da essência que se manteve com a voz de Jonathan “Mamute” Alexandre, o sobrinho de Xande. A este, juntam-se os originais: no banjo, Mauro Junior; Rogerinho com a batida no tantã, o pandeirista Sérgio Rufino, Beto Lima e o violão e, no célebre reco-reco (pequeno instrumento de percussão), Artur Luís, para além da banda de suporte, bem presente na percussão e nas teclas.

Os condimentos estavam lançados para que se proporcionasse uma festa e uma reconciliação com o Hard Club. Como cartão de visita – depois de uma passagem por Lisboa, no Arraial de Benfica -, a apresentação dos êxitos mais bem-sucedidos, mas também de outros novos que “Pagode do Revela” (2019), “Revela Samba Beach” (2021) e “Encontro de Gerações” (2021) – ao lado do grupo Akatu – trazem. Tivemos como companhia um público numeroso de nacionalidade brasileira, sintonizados com o poder musical e vibracional do Grupo Revelação. Um grupo que, agora, é um lugar de comunhão intergeracional, trazendo os precursores do samba e do pagode aliados à irreverência de quem os quer transformar aos ouvidos da atualidade. Os “Revela”, como são carinhosamente conhecidos, tinham encontro marcado para as 21 horas e chegaram com um enorme atraso, passando já das 21h40 quando chegaram ao palco. Um momento que até irritou alguns dos membros do público, que iam assobiando o tardar da sua aparição.

Mais do que um concerto, do que uma performance, do que um grupo de artistas que atua perante uma mancha humana reativa, o Grupo Revelação (e o seu público) proporcionou outra coisa. Proporcionou um espaço de comunhão, de partilha, de chamada e resposta, onde os espectadores fizeram parte integrante da interpretação das músicas. “Mamute” deu, em muitas ocasiões, a voz ao público e este correspondeu na perfeição, sabendo quase todas as letras das canções. A entrada dos “Revela” trouxe o que deles se conhece melhor, em dois medleys que se eternizaram e que tanto portugueses (que deram muito número à sala de concertos), como brasileiros e demais sul-americanos sentiram, vibraram, exultaram, embora pese a síndrome do telemóvel levantado, que ofuscou a vista a muitos em momentos importantes do concerto.

“Deixa Acontecer”, “Coração Radiante”, “O Show Tem de Continuar”, “Grades do Coração”, “Mal Resolvida”: nenhuma escapou e todas as que dão cor e vida ao repertório dos “Revela” estiveram lá e foram usufruídas da melhor forma. Até o próprio recinto do Hard Club se tornou tropical e encheu de calor e de suor todos aqueles que lá estavam sintonizados com o espetáculo. Aliás, como dizia Mauro Júnior, é este o poder do samba, de dar calor e amor àqueles que o ouvem e o sentem. “Mamute” saudou o apinhado Hard Club – apesar de algumas vias de passagem onde cabiam mais umas dezenas -, e sondou-o, ao lado dos seus colegas, captando muita gente de vários estados do seu Brasil.

Depois desta pausa e desta interação mais conversacional com o público, foi momento de dar a voz a Artur Luís, que também cantou, para além de serem chamados ao palco dois convidados, entre eles a célebre voz da “sambista” Leci Brandão. Foram interpretados êxitos do samba e da música popular brasileira desde Jorge Ben, Djavan, Alcione, Adoniran Barbosa e Tim Maia, até ao dejá-vu que tivemos de Martinho da Vila sensivelmente um mês depois de o termos visto, passando pela icónica “Pais e Filhos”, dos Legião Urbana, sem esquecer hits do pagode e do funk. Êxitos, esses, que passaram pelo palco e, de igual modo, pelo reconhecimento da sempre ligada e participativa audiência, que correspondeu com um sem fim de pés de dança e com muito conhecimento de causa no que toca às letras.

Para o fim, um encore que trouxe músicas em acústico, mas também a ida de “Mamute” e companhia para o meio do público, à imagem do que tinham feito em Lisboa. Uma forma de confirmar que o público foi, efetivamente, parte integrante e ativa do concerto, fazendo parte dos créditos e dos artistas que coloriram a escura estufa do Hard Club. Todos foram agraciados de forma esfuziante e entusiasmante pelo público que, à saída, hesitava e voltava para mais um pé de dança, para não perder pitada da (des)aparição da Revelação.

Quanto a nós, apesar do grande atraso e do arrastar do concerto para as duas horas de duração – é bom para quem quer curtição, mas mau para quem tem horários a cumprir -, estamos de pazes feitas com este lugar de concertos. Um lugar que, certamente, continuará a ter muitas histórias para contar. Esta foi mais uma delas, na qual, apesar de ouvidos tremidos e de camisola inundada, houve folia, houve dança, houve samba, houve catarse. Não poderia haver ninguém melhor que os “Revela” para nos revelarem que a música é a nossa melhor amiga para o bem e para o mal e que estará sempre do nosso lado. “Palma na mão” constante para os “Revela” e para o Hard Club.

*Não foi possível à CCA recolher fotografias do concerto

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