Animais selvagens, os futuros bombeiros?
Verão… sol, calor, praia e incêndios. É raro haver um dia entre Junho e Setembro em que não se fale de incêndios. Por vezes com perdas humanas, outras com perdas materiais, deixam traumas nas pessoas e cicatrizes na paisagem. Mas porque arde Portugal? E o que podemos fazer para o prevenir? Devemos continuar a insistir nas soluções do passado ou tentar algo novo?
O clima mediterrâneo presente de Norte a Sul do país é propício a incêndios e com o efeito das alterações climáticas, a tendência é para aumentar. Com uma estação seca bem demarcada pelas suas temperaturas elevadas, as condições são ótimas para o aparecimento de fogos. (1) Em Portugal os ecossistemas adaptaram-se à presença do fogo na paisagem. A famosa cortiça da casca do sobreiro é um bom exemplo. Incêndios são um fenómeno natural, mas o que não é tão normal é arder com a regularidade com que ardem algumas zonas do país, algumas ano após ano. Primeiro, arde porque há pessoas que por uso intencional ou negligente começam incêndios, que podem ser pelas mais diversas causas, desde pastores de ovelhas para abrir pasto, a queimadas que correm mal, a quezílias entre vizinhos, até a interesses económicos. Ou então causas naturais, como por exemplo trovoadas secas, embora estas ainda sejam raras, já que nos últimos 10 anos em Portugal representam apenas entre 5% a 2% das causas de ignição (2). A origem da maioria dos fogos em Portugal é o Homem (3). Mas o que transforma uma ignição num incêndio grave? O culpado é o chamado “mato sujo”, os “terrenos que não estão limpos”, a grande quantidade de biomassa acumulada na forma de ervas secas, arbustos e árvores, aliados a espécies invasoras como os eucaliptos e as acácias que ardem mais intensamente que as plantas nativas e que armazenam menos humidade (4). O abandono agrícola, cada vez mais presente em todo o país, veio dar ainda mais dimensão a esta situação, com os campos que no passado eram cultivados a darem hoje lugar a mato e novas florestas.
Há várias soluções para controlar o excesso de biomassa, uma ativa e uma passiva. A ativa, é ser o Homem a resolver, intervindo de várias formas; limpar matos com sapadores florestais, subsidiar cabras domésticas para limpar terrenos ermos (5), criar corta-fogos na paisagem, financiar práticas agrícolas para criar descontinuidade no território ou ainda o fogo prescrito, queimadas controladas no Inverno para prevenir incêndios no Verão (6).
A passiva, por outro lado, requer alguma imaginação (7). No passado antes do Homem ter um grande impacto na paisagem, com a agricultura e pecuária, grandes herbívoros mantinham um mosaico de habitat com zonas abertas com pasto e zonas de floresta com árvores e arbustos, através do pastoreio natural (o denominado natural grazing). Hoje muitos desses animais desapareceram e as funções que desempenhavam foram perdidas (8).
Brigadas de animais selvagens, como as vacas e os cavalos selvagens (os ancestrais das atuais variedades domésticas), castores que criam corta-fogos naturais na paisagem ao criarem e manterem zonas pantanosas (9), cabras montesas e camurças que pastam em zonas rochosas acidentadas inacessíveis a outros animais, até os cervídeos como o corço ou o veado. Estes animais criam um mosaico de habitats que previne e reduz a gravidade dos incêndios e que beneficia uma grande variedade de outras espécies (10). A pastagem em grupo ou individual tem um impacto diferente na paisagem, os cavalos por exemplo são jardineiros de grande escala e impacto, enquanto outros como o corço são jardineiros de detalhe e outros um misto, como as cabras montesas ou os veados, não só pelo tamanho, mas por que ao andarem em grupo acabam por ter um impacto maior. São estas funções que sozinhas e no seu todo aumentam a resiliência da paisagem contribuindo para o armazenamento e manutenção de carbono (mantendo o carbono no solo, árvores e arbustos e impedindo que seja libertado na forma de incêndios). Criam ainda várias e diversas oportunidades para muitos outros animais selvagens, desde insetos e aves, a carnívoros como o lobo ou o lince ibérico.
Fará mais sentido continuar a tentar controlar a paisagem ou restaurar e adaptar as nossas atividades à natureza? Recuperar espécies e adaptarmo-nos às inconveniências de partilhar o espaço com outros seres ou não reintroduzir animais com medo de conflitos? É uma escolha.
Animais selvagens não dão tão boas manchetes de jornais como camiões de bombeiros, aviões ou helicópteros, mas eu acredito que os cavalos, as cabras e os castores podem ser tão ou melhores bombeiros (e mais baratos) do que o Homem, principalmente onde o verdadeiro combate começa, na prevenção e na mitigação.
Fontes:
- https://theconversation.com/wildfires-in-mediterranean-europe-will-increase-by-40-at-1-5-c-warming-say-scientists-104270
- https://poligrafo.sapo.pt/sociedade/artigos/quais-sao-as-principais-causas-dos-incendios-florestais-em-portugal
- https://comunidadeculturaearte.com/arde-me-a-alma-tambem-em-cada-hectare/
- https://expresso.pt/opiniao/2019-03-21-Manifesto-por-uma-floresta-discriminada
- https://www.publico.pt/2018/05/18/sociedade/noticia/governo-apoia-cerca-de-4900-cabras-sapadoras-1830631
- https://www3.icnf.pt/imprensa/fogocontrolado
- https://comunidadeculturaearte.com/uma-nova-visao-para-o-grande-vale-do-coa/
- https://rewildingeurope.com/blog/how-a-chain-reaction-in-the-greater-coa-valley-is-shaping-a-new-future/
- https://www.nationalgeographic.com/animals/article/beavers-firefighters-wildfires-california-oregon
- https://grazelife.com/blog/grazing-to-minimise-wildfire-risk/
Crónica escrita por Daniel Veríssimo (Rewilding Portugal)
O Daniel é economista apaixonado pela natureza. Leitor de artigos e escritor nas horas vagas. Membro da rede internacional Rethinking Economics. Técnico de empreedendorismo na Rewilding Portugal.