As 30 melhores canções internacionais de 2019
Depois de partilharmos a nossa lista de melhores álbuns internacionais do ano, mergulhamos mais fundo e vemos as canções que, por si só, nos impressionaram ao longo deste 2019. Do rock à música electrónica, da folk ao hip hop, cremos que esta lista espelha a variedade que marca a música contemporânea.
As 30 canções desta lista espelham o consenso do grupo de redactores que participou no processo de escolha, tendo sido referidos quase 300 canções diferentes. A pluralidade de opiniões é um dos motes da nossa Comunidade e é por isso que consideramos este tipo de rankings tão importantes.
Aqui ficam as 30 melhores canções internacionais de 2019 para a Comunidade Cultura e Arte. Podes ouvi-las na playlist que fizemos para ti no Spotify.
30. Big Thief – Not
29. Mark Ronson – True Blue
28. Floating Points – Anasickmodular
27. Jessica Pratt – This Time Around
26. FKA Twigs – holy terrain
25. Nicola Cruz – Criançada
24. Kanye West – Use This Gospel
23. ROSALÍA – Yo x Ti, Tu x Mi
22. Ariana Grande – 7 rings
21. Caroline Polachek – Door
20. Solange – Stay Flo
19. Thom Yorke – Dawn Chorus
18. Tame Impala – Borderline
17. Fontaines D.C. – Boys in the Better Land
16. Alfa Mist – Door
15. Little Simz – Sherbet Sunset
GREY Area é um dos álbuns mais ácidos de 2019. Nas dez músicas que o compõem, Little Simz parece pronta para destruir tudo o que se coloca no seu caminho, cuspindo um fogo devorador com toda a autoridade de uma verdadeira “boss in a fucking dress”. “Sherbet Sunset”, a penúltima faixa, é um dos grandes destaques. Uma reflexão sobre um desgosto amoroso que deixou marcas, e que coloca a rapper de 25 anos num limbo. Por um lado, não consegue entender como se deixou iludir tão facilmente. Quase não é capaz de se perdoar. Por outro lado, promete a si mesma que não vai voltar a cair na mesma armadilha. “Please don’t listen to this and ask me if I’m hurting or if I’m okay / allow me to be human and be in my feels” é cru, honesto, verdadeiro. Versos escritos a tinta de sangue. Com uma postura imperturbável e uma voz determinada, Little Simz garante que o destinatário desta carta de desamor não vai fazer parte dos agradecimentos no seu discurso quando ganhar um Grammy. É, em parte, esta confiança brilhante, mesmo no meio do sofrimento, que faz da jovem londrina uma das novas grandes forças do hip-hop. “Sherbet Sunset” é Little Simz a lutar contra a dor, com as garras de fora. – Daniel Dias
14. Weyes Blood – Picture Me Better
“Picture Me Better” é emoção concentrada numa canção de três minutos e meio. A entrega vocal de Weyes Blood oscila entre a tranquilidade e fragilidade nos versos, passando depois para a força e teatralidade – que tanto nos impressionou ao longo de Titanic Rising – no refrão. A plácida guitarra acústica acompanha-nos na estrutura simples de verso-refrão-verso-refrão para nos pacificar, mas é impossível ignorar a força impressionante dos violinos épicos que, a par da voz, tornam esta canção maior que a vida. Soa instantaneamente a um clássico, não apenas pela componente orquestral e melodia intemporal, mas também pela bela letra, que vai revelando detalhes à medida que a canção avança, construindo uma história cheia de curvas, à boa maneira das melhores singer-songwriters dos anos 70. – Bernardo Crastes
13. Tyler, the Creator – GONE, GONE / THANK YOU
Perto do final do arco conceptual de IGOR, “GONE, GONE / THANK YOU” assinala a realização do desamor. Uma guitarra acústica distante, debaixo de outras camadas mais coloridas, dá o mote inicial. Mas o que mais edifica o tema é o coro de vozes que se emaranham no refrão. Não é a única faixa de IGOR que se mune do truque da manipulação vocal, mas é aquela que o usa de maneira mais satisfatória; as vozes, meio infantilizadas, assinalam a fragilidade e a inocência com que muitas vezes nos vemos obrigados a viver as emoções fortes de uma paixão. Os primeiros minutos constituem o mais emocionante enunciado – mas seguem-se dois segmentos que, explorando outras sonoridades, ajudam a pintar um quadro que não é bonito nem feio: é o que é, e queremos tanto ver-nos longe dele como voltarmos a apaixonar-nos já amanhã. – Tiago Mendes
12. FKJ – Ylang Ylang
Quem nunca teve o desejo ardente de largar tudo e simplesmente partir rumo ao desconhecido? FKJ viveu sozinho durante seis meses na selva do sudeste asiático. Isolado, foi às montanhas que sussurrou os seus segredos e com as praias que partilhou as suas dores. Passou os dias imerso na natureza e as noites a compor. “Ylang Ylang” é uma recordação da experiência vivida pelo artista, uma música que passa pela angústia da solidão até chegar ao brilho de um mundo novo, à espera de ser explorado. O piano de FKJ e os beats paisagísticos que o acompanham transformam a melancolia numa esperança indestrutível. Não está tudo bem, ainda não. Mas vai ficar. Calma. Não há que decidir a vida toda hoje. Não tarda o amanhã já está aí. “Ylang Ylang” assiste ao entardecer enquanto pede que, daqui a umas horas, o sol surja ainda mais brilhante. – Daniel Dias
11. BROCKHAMPTON – NO HALO
“NO HALO” é mais um excelente exemplo da sensibilidade pop de BROCKHAMPTON. A fórmula não é nova: a guitarra volta a ser incorporada no pop rap do grupo, mas aqui mostra um novo vigor: não é som de algo sedutoramente maldoso ou catarse de final de álbum (em dose dupla), mas sim o presságio de uma maturidade que a boy band agora atinge. É uma música adulta, com uma dose soturna de realidade e melancolia, pensativa tanto no instrumental como nas estrofes, é um momento de reflexão que desperta exactamente a mesma sensação no ouvinte. Há alusões à religião um pouco por toda a música, mas os seus intérpretes revelam que não são nenhuns anjos. São humanos, que erram e que não têm medo de se mostrar vulneráveis, e essa é a grande valência deste tema e da música de BROCKHAMPTON de uma forma geral. “If I gotta take the high road, I’m rollin’”, diz-nos Kevin Abstract ao longo da música. Seja qual for o caminho, com malhas destas estamos em boa companhia. – Miguel de Almeida Santos
10. Matt Berninger – Walking on a String
Matt Berninger não sabe uma única nota de música, mas é extraordinariamente musical. Prova disso são as letras escritas para as já centenas músicas que os The National apresentaram, encaixando perfeitamente nas melodias criadas, fundamentalmente, por Aaron Dessner. Agora, parece que Matt Berninger dará o salto dos The National e assumirá igualmente uma carreira em nome próprio (já antes foi os 50% dos EL VY). “Walking on a String” foi composta com Phoebe Bridges para o filme de Zach Galifianakis, “Between Two Ferns: The Movie”, e foi apresentada com o anúncio de um álbum a solo do líder dos The National, que se chamará Serpentine Prison e será produzido por Booker T. Jones, não se sabendo se este tema fará parte do mesmo. – Linda Formiga
9. Angel Olsen – Chance
O tema que encerra o álbum All Mirrors é um ponto final que tem tanto de desolador, como de reconfortante. Angel Olsen escreve sobre relações que chegaram ao fim, sonhos que nunca viram a luz do dia e planos que ficaram por cumprir, sim, mas não será essa a trágica beleza da vida? “If we got to know each other / how rare is that?”, pergunta-se a cantautora. Não que esteja à procura da resposta infalível. Se calhar não existe. Depois de um passado recente doloroso, Angel Olsen agarra-se ao presente, tão efémero quanto precioso, ao invés de sufocar a cabeça com o indomável e impresivível futuro. “It’s hard to say forever, love / forever’s just so far. Why don’t you say you’re with me now / with all of your heart?”, canta, de coração nas mãos, com uma fragilidade apaixonante. A voz, ora acompanhada por um instrumental grandioso ou um piano despido, acalma-nos. Lembra-nos de que, se calhar, o aqui e agora não é assim tão mau. – Daniel Dias
8. JPEGMAFIA – Jesus Forgive Me, I Am a Thot
O rapper que há um ano falava sobre colocar as pessoas a dançar (ouvir: “1539 N. Calvert”) mostra que havia verdade por detrás da promessa e cumpre a profecia em “Jesus Forgive Me, I Am a Thot”, faixa que abre All My Heroes Are Cornballs. O beat carrega o caos dos momentos mais impenetráveis de Veteran (álbum de 2018 com que se transformou num nome de primeira linha no campo do hip-hop experimental), ao mesmo tempo que é ridiculamente acessível. O piano que sai dos estilhaços oscila entre o inquietante e o contagiante, pano de fundo perfeito para o artista de Baltimore cuspir os seus versos sarcásticos – que pelo meio dão um estalo na cara do preconceito. A surpresa maior em “Jesus Forgive Me, I Am a Thot” é o refrão: JPEGMAFIA de Auto-Tune na mão, com um registo impecável, catchy sem perder aquele olho esperto e venenoso. Esta é para os que pensavam que o conheciam. Caso para dizer “damn, Peggy”. – Daniel Dias
7. Aldous Harding – The Barrel
Pelo meio de baladas devastadoras e slow burners negros, “The Barrel” é o centro soalheiro de Designer, o terceiro álbum da neozelandesa Aldous Harding. São pequenos detalhes que enriquecem a canção: as quentes notas de clarinete que sustêm o refrão, as gotas de piano que vão caindo como chuva e os detalhes bucólicos da letra – como quando Aldous exclama “Look at all the peaches!”, no refrão. A guitarra dedilhada e percussão serpenteante servem de base a uma letra doce, que, apesar de críptica, espelha o lado mais acessível de uma das personagens mais idiossincráticas da folk moderna. A folk normalmente é associada a um veículo directo de histórias ou sensações, mas com Aldous Harding, seguimos a rota mais pitoresca e surreal. – Bernardo Crastes
6. Nick Cave and the Bad Seeds – Bright Horses
Nick Cave, o redentor, voltou para assombrar as almas terrenas com Ghosteen. Mas este assombro é claro, calmo e pacificador no meio da sua discografia. A catarse do evento trágico que foi a morte de um filho apresenta-se neste último álbum. “Bright Horses” chega bem no início do disco e arrebata-nos imediatamente. Este tema é o que faz a viragem de Skeleton Tree, um disco obscuro, para Ghosteen, o disco da redenção do artista perante a tragédia. Quando a mágoa se transforma em esperança e o seu mundo se tenta reconstruir, ainda que pareça difícil. Nick Cave é um de nós e a sua dor é inevitavelmente humana e crua. – Carlota Real
5. Lana Del Rey – Doin’ Time
Este cover dos Sublime é decididamente uma melhores reinvenções de uma canção de que há memória, por se manter fiel ao estilo inequívoco da cantora (a canção acaba por ser alienígena em Norman Fucking Rockwell!, por ser tão transversal à discografia da cantora, cabendo facilmente em qualquer um dos seus álbuns) sem trair a ideia original. Com o Sol da Califórnia a extravasar acima de cada segundo da percussão trip-hop de “Doin’ Time”, Lana consegue o milagre de criar uma canção de Verão (é na praia que ela é justa), mas que funciona na perfeição nos passeios e asfalto molhados de uma qualquer cidade de prédios altos. Até de chapéu de chuva na mão é boa. – Luís Miguel Davies
4. Bon Iver – Hey, Ma
“Esta música do Justin Vernon é mesmo esperançosa” é uma frase que talvez não nos imaginássemos a dizer se nos afastássemos do artista mais conhecido como Bon Iver a partir do seu excelente segundo álbum sob este nome, Bon Iver, Bon Iver. Mas a verdade é que, desde 22, A Million, a caminhada lúgubre e dolorosamente fantástica do artista norte-americano tem deixado suavemente que o sol perscrute pela sua sonoridade. “Hey, Ma” é o mais recente brilho ensolarado a trespassar o enublado cinzento de outrora. Como já é habitual, ouvimos a bateria no fundo da mistura do som, mas há uma autoridade na sua cadência marchada, uma força resoluta na maneira como carrega a restante instrumentação. Um som de alerta ao longo da música acompanha a voz bradada de Vernon, e há uma urgência na maneira como o músico se expressa. No cerne do tema está a procura de conforto na voz maternal, e a música assegura-nos de que chegaremos lá. Nesta época em que estamos todos juntos, caso não consigam fazê-lo, liguem à vossa mãe. De preferência ao som desta potente música. – Miguel de Almeida Santos
3. The National – Light Years
Às primeiras notas do piano, dá-nos logo a sensação que nos vacilam os joelhos. A canção com que os The National fecham I Am Easy to Find é uma prova – mais uma, não era necessário – de que a banda sabe como entrar na alma de quem os ouve e remexer dentro, à procura do que dói mas se aprende a aceitar. “Light Years” é tema de estrutura simples e linear, que nunca larga a mão da sequência do piano que lhe dá corpo. A voz de Matt Berninger a amparar-nos nas notas mais graves é expressão de consolo. E o prolongamento final, com os ecos de uma guitarra triste e distante, é um dos momentos mais emocionalmente interpelativos que este ano musical nos ofereceu. Às vezes estamos a anos-luz de alguém, mas “Light Years” faz-nos sentir que poucos centímetros nos separam. – Tiago Mendes
2. James Blake – Where’s the Catch?
Esta autêntica obra-prima de James Blake e André 3000 é uma das canções mais importantes do ano. “Where’s The Catch?” é a liberdade de sentir e a prisão de sentir. Representa as possibilidades infinitas da mente e, paralelamente, o estado de desespero a que a mente nos pode levar. Para lá dos significados, é poesia pura. A estrofe de André 3000 é absolutamente brilhante. Pega nas palavras, brinca com elas, torna-as suas e molda-as em algo precioso. Quando um dos mais respeitados músicos da década e uma lenda do hip-hop se unem para falar de saúde mental, o mundo fica em suspenso para ouvir o que têm a dizer. Quando dois homens como estes se juntam para criar uma canção desta mestria, é impossível ficar-se indiferente. “Where’s The Catch?” é feita não só de notas musicais e de palavras, mas também de sufoco, paranóia e ansiedade. É a dualidade da vida, a complexidade da existência e tudo o que guardamos dentro de nós, desesperados por o soltar, mas sem saber se alguém ouve o que temos para dizer. E, mais do que ouvir, entender. James Blake e André 3000 dizem-nos que não estamos sozinhos, que neles podemos encontrar um ombro amigo e uma mente tão conflituosa como a nossa. James anda há vários anos a contribuir para a conversa da saúde mental; André quase que desapareceu, forçado pela ansiedade social a afastar-se da vida pública. “Uncertain but certainly false alarm’s alerting”, “there must be a catch”. Neste caso, não há falsos alarmes nem qualquer catch. O pódio está atribuído e a História foi escrita. – Sofia Matos Silva
1. Vampire Weekend – This Life
“This Life” é daquelas canções que poderiam durar para sempre. É clássico Vampire Weekend: transformar a tristeza e dor em algo ao som do qual se pode rejubilar. A melodia quente e o ritmo pronto para ser acompanhado com umas palmas quase escondem a melancolia de belas frases como “Baby, I know pain is as natural as the rain / But I thought it didn’t rain in California” ou “Darling, our disease is the same one as the trees / Unaware that they’ve been living in a forest”. A desilusão dá lugar à resignação, e daí continuamos a viver a vida. A canção sugere mesmo isso, no pára-arranca que antecede o refrão: a vida continua e temos só que seguir o seu ritmo. Os Vampire Weekend mostram-nos como o fazer durante “This Life” e deixam a canção acabar em fadeout para nós seguirmos a partir daí. – Bernardo Crastes