Rita Lee, a rainha do rock brasileiro

por Lucas Brandão,    21 Março, 2023
Rita Lee, a rainha do rock brasileiro
Rita Lee / Via Facebook da artista – DR
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Quem fala de Rita Lee, fala de excentricidade, de pujança, de risco, de aventura. Rita Lee tem estatuto monárquico na música brasileira e esse é o de rainha do rock. Com as passagens pelos Mutantes e pelos Tutti Frutti a fazerem-lhe granjear tamanho estatuto, foi o seu grande contributo a solo que a firmou e a consolidou em tal posição. As suas letras revolucionárias e feministas, que não deixavam de parte a sátira e o erotismo, são o espelho de uma vida de profunda ligação às transformações sociais do seu país e do mundo.

Rita Lee Jones de Carvalho, nascida no último dia do ano de 1947 no estado de São Paulo, foi a filha mais nova de um pai de descendência estadounidense e de uma mãe com ascendência italiana. Todos os filhos da família teriam o apelido Lee no seu nome dada a homenagem que o seu pai queria fazer ao general Robert E. Lee, determinante na vitória da Guerra Civil Americana entre Norte e Sul. Clorinda Rita, a mãe da mãe, seria, por sua vez, a inspiração para o primeiro nome. A sua infância, adolescência e chegada à adultidade passar-se-ia no bairro de Vila Mariana, percurso que a veria concluir o ensino secundário num colégio franco-brasileiro, no qual aprenderia a usar o espanhol, o francês e o inglês, e abandonar o curso de Comunicação Social em São Paulo. Como colega, teria a atriz Regina Duarte, com quem abandonaria o curso em 1969.

As suas aspirações de pequena distanciavam-se da música, mas não deixou de ter lições de piano numa fase em que se ia afeiçoando à música brasileira que se compunha nessas décadas de 1950 e de 1960. Porém, o emergir de bandas como os Beatles ou os Rolling Stones, para além do rosto irreverente de Elvis Presley, tornariam a sua adolescência mais efervescente e ligada à música. Entre vários grupos musicais que integrou, entre Tulio’s trio, Teenage Singers e Six Sided Rockers, nasceria o trio constituído por Rita Lee, o multinstrumentista Arnaldo Baptista (que seria marido de Lee até 1972, embora, formalmente, só se tenha divorciado cinco anos depois) e o guitarrista Sérgio Dias (com Liminha no baixo e Dinho Leme na bateria).

Assim, no ano de 1966, fruto do clima tropicalista que povoava os anos 1960 brasileiros, nasceriam “Os Mutantes”. Com base na música brasileira que Rita Lee tanto admirava, foram copiadas muitas das nuances que faziam parte da gravação e edição musical dos estúdios britânicos, que viram nascer os afamados Beatles, Rolling Stones ou Jimi Hendrix. O apoio consistente dado por Caetano Veloso e Gilberto Gil seria determinante para o seu surgimento no panorama musical, sendo que ambos não hesitavam em convidá-los para os acompanhar em performances televisivas que tinham; e não o deixariam de fazer no célebre álbum tropicalista “Tropicália: ou Panis et Circensis”, que os juntou a Tom Zé, a Gal Costa, a Torquato Neto e a Rogerio Duprat naquele que seria um estremecer gigantesco no seio da juventude brasileira. Tudo em torno do famoso repto “É Proibido Proibir”, de Veloso, que até acabaria na prisão e no exílio deste e de Gilberto Gil.

No âmago da sua criação musical, o experimentalismo e o diálogo entre o que vinha de fora e o que morava lá no Brasil. De “Os Bruxos” para “Os Mutantes”, a essência manteve-se de levar o psicadelismo para os palcos e até para a televisão, estreando-se no canal Record no programa de Ronnie Von, responsável por essa alteração de nome. Ao comando de Rita Lee, ficaria a sua irreverente voz, mas também a utilização da flauta e de vários instrumentos de percussão, para além de umas incursões pontuais no sintetizador, no banjo e em outros dispositivos à data vanguardistas. Dava, também, a autoria de muitas composições da vasta discografia que foi criada durante os finais dos anos 1960 e a primeira metade dos 1970.

Tudo começou com o primeiro disco, lançado no ano de 1968, que teria título em muito similar ao seguinte, de 1969: o nome da própria banda. Ambos tornar-se-iam parte do top 50 da lista da revista Rolling Stone dos melhores discos da história da música brasileira (o primeiro deles é mesmo 9º). Do primeiro, fazem parte, entre outras faixas, a mítica composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil “Panis et Circensis” e “A Minha Menina”, da autoria de Jorge Ben, assim como a popular “Maria Fulô, trazida pela autoria do ilustre instrumentista Sivuca. Do segundo, chega-nos os originais “Dom Quixote” e “Dois Mil e Um”, assim como “Banho de Lua”, uma cover da canção italiana de Mina.

Capa da biografia de Rita Lee (versão portuguesa – ed. Contraponto)

Depois de uma intensa digressão pela Europa, que inclui uma passagem por Lisboa, no Teatro Villaret, para 1970, estaria reservado o álbum “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado”, que se separa totalmente das influências locais e se dedica única e exclusivamente ao psicadelismo, trazendo Jimi Hendrix e Janis Joplin para o português do Brasil. 22º na tal lista acima referida, é o trabalho que acolhe o êxito “Ando Meio Desligado” e a versão satírica de “Chão de Estrelas”, um clássico da MPB [Música Popular Brasileira], mas, aqui, repensado sob a sonoridade excêntrica do hemisfério norte.

1971 é ano de “Jardim Elétrico” — 72.º na lista —, sucedendo-lhe “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets” (1972), considerado formalmente como o último produzido pela banda e que traz uma versão de “Rua Augusta”, de Hervé Cordovil. É neste que está a célebre “Balada do Louco”, um dos inúmeros temas que fez o furor dos seus fãs. Dois anos depois, ainda seria trazido ao público “Tudo Foi Feito pelo Sol”, mas já sem Rita Lee. No século seguinte, seriam já apresentados ao público outros que tinham sido gravados na década de 1970, como “Tecnicolor” (2000), um autêntico pot-pourri no que toca a idiomas usados (inglês, francês e castelhano, para além do português), contendo, por exemplo, a primeira gravação do enorme êxito “Baby”. De igual modo, também contém a tal versão do tema de Jorge Ben “A Minha Menina”, mas em inglês (o disco havia sido gravado em Paris).

Este percurso seria intervalado por dois trabalhos a solo de Rita Lee, sendo eles “Build Up” (1970) e “Hoje é o Primeiro Dia do Resto da Sua Vida” (1972). O primeiro, com o single “José” — versão original de Nara Leão —, traz as primeiras composições individuais da cantora, embora algumas, também, ao lado do seu então marido; de igual modo, traz uma versão de “And I Love Him”, oriunda da faixa “And I Love Her”, da autoria dos Beatles. Já o segundo, na verdade, é um trabalho coletivo dos Mutantes, que já tinham lançado um outro álbum nesse ano e, como tal, seria creditado somente à vocalista, composto somente por temas originais. Contudo, a sua presença nos Mutantes seria arrefecida pela sua separação, que levaria à sua própria expulsão da banda. Controvérsia estaria em torno desse momento da sua carreira, mas a cantora viraria rapidamente de página.

Chegava a vez de emergir uma nova banda: a Tutti Frutti, rescaldo da sua parceria com uma das primeiras guitarristas brasileiras, Lúcia Turnbull, num duo chamado de As Cilibrinas do Éden, formado no festival Phono 73. Com Rita Lee a assumir a voz, o violão e, pontualmente, o sintetizador e a gaita, juntaram-se-lhes a guitarra de Luis Sérgio Carlini, o baixo de Lee Marcucci e as batutas de Mamão e Paulinho Braga nas baterias e trabalhariam em “Atrás do Porto Tem uma Cidade”. Lançado em 1974, não o seria sem problemas com a emergente censura do governo ditatorial brasileiro, que os rotulava de excessivamente alternativos. Seria um disco introdutório, que aqueceria o caminho para as brasas efervescentes de “Fruto Proibido” (1975).

É um registo que causa bastante turbulência social e cultural, agitando, a partir de uma fusão entre o rock puro e duro com os blues e com o próprio pop, as águas da austeridade brasileira. Para além das originais “Agora Só Falta Você”, “Orelha Negra” e “Luz del Fuego”, vislumbra-se a colaboração com o escritor Paulo Coelho, que empresta os seus créditos a “Cartão Postal”, “Esse Tal de Roque Enrow” e “O Toque”. Sendo o 16º melhor álbum da história do Brasil para a Rolling Stone, foi um enorme sucesso comercial, com mais de 200 mil discos vendidos. Marcou, de igual modo, a mudança de editora, deixando a conservadora Philips, que havia acompanhado a sua carreira, para a Som Livre, que não colocava entraves à sua amplitude criativa.

O ano seguinte traz “Entradas e Bandeiras”, novamente sob a chancela da Som Livre. Paulo Coelho volta a ser instrumental em maior parte das composições do disco, incluindo uma colaboração com o frenético Raul Seixas em “Bruxa Amarela”. O destaque direciona-se para os singles “Corista de Rock”, “Com a Boca no Mundo” e “Coisas da Vida”, maioritariamente da autoria da própria vocalista. No entanto, a sua ausência no processo de mistura de som acaba por dar espaço a que a guitarra de Carlini se imponha. É um ano feliz para Rita Lee, já que conheceria o seu grande parceiro profissional e pessoal, Roberto de Carvalho. É uma junção de mentes e de corações que perdurou até ao fim e que gerou três filhos, sendo eles Beto — também ele músico, nascido em 1977 — João — nascido dois anos depois — e António — também dois anos, mas depois de João.

Rita Lee, partilhando, ainda, dos ideais da contracultura que polvilhava o seu espírito, acabaria por ser detida grávida ao ter e consumir cannabis. Seria mais um golpe político, de forma a desincentivar a juventude a não se desviar da moralidade governamental. A cantora viveria em prisão domiciliar durante um ano, saindo, somente, para cumprir a sua agenda musical. Serviria para lançar “Refestança”, fruto de um concerto da sua banda e da de Gilberto Gil, que havia sido preso pelas mesmas razões. É a estreia de Roberto de Carvalho na banda, mas também o disco que apresenta a composição notável e marcante de Lee e de Paulo Coelho, “Arrombou a Festa”. De igual forma, a reinterpretação de “É Proibido Fumar”, da autoria de Roberto Carlos e de Erasmo Carlos, serviu para reforçar a mensagem de oposição política.

Tutti Frutti ainda é autora de um outro disco, no ano de 1978, agora “Babilônia”, com uma toada mais funky e groovy, embora ainda não totalmente ausente do seu habitual rock. Rita Lee é autora de quase todas as faixas, à exceção de “Que Loucura”, de Sérgio Carlini. Porém, apesar da junção de fragrâncias, “Miss Brasil 2000”, “Eu & Meu Gato”, “Jardins da Babilônia” e “Agora é Moda” são êxitos que viriam a perdurar no subconsciente dos seus fãs. Seria o último de um disco em que o próprio Carlini se vê secundarizado com a chegada do companheiro de Rita Lee, levando, consigo, o nome da banda, já que os direitos deste lhe pertenciam. O episódio seria aproveitado pela própria, que dá uma nova roupagem ao grupo e lhes chama Rita Lee & Cães e Gatos.

Esta seria a última experiência em grupos de Rita Lee, que partiria em nome próprio para o imenso restante da sua carreira. O final da década de 1970 traria um dos mais especiais discos da sua carreira, precisamente com o nome da artista. O mundo da disco está aqui em toda a força através de composições notáveis, como “Doce Vampiro”, “Mania de Você” ou “Chega Mais”, ao lado de Roberto de Carvalho, que oscila entre a guitarra e o violão, para além do próprio piano elétrico. Para o álbum, chama as teclas com Lincoln Olivetti e, pontualmente, na guitarra, invoca o parceiro deste, Robson Jorge; já na bateria, o escolhido é Picolé.

Torna-se uma figura recorrente da televisão e dos palcos no Brasil, sendo uma forma mais ou menos discreta de passar ilesa à censura. Porém, não era intencional, mas antes um caminho que Rita Lee queria traçar, distante dos demais músicos da MPB. Com o ano de 1980 a brindar o mundo com uma nova década, também foi uma majestosa Rita Lee que se mostrou num outro álbum seu homónimo. Dois dos mais emblemáticos temas de todo o Brasil nessa década são trazido por este disco: são eles “Baila Comigo” e “Lança Perfume”, para além de ilustres hits, como “Bem-me-quer”, “Nem Luxo Nem Lixo”, “Shangrilá” ou “Orra Meu”. No fundo, um marco indelével na história da música brasileira e o mais afamado trabalho discográfico da sua carreira, que a lança para mercados estrangeiros.

Mais progressista é o seu sucessor, “Saúde” (1981), com êxitos como “Mutante”, “Saúde” e “Banho de Espuma”, assim como “Atlântida”, tema usado numa novela chamada “Sexto Sentido”. Nota para o regresso de Lee Marcucci e de Lúcia Turnbull como seus colaboradores neste trabalho que foi visado pela censura, por expressões que colocam em causa os ditos bons costumes. Isso não a impediu de estar no programa “Mulher 80”, dois anos antes, no qual abordou o papel da mulher na sociedade e o seu próprio nesse Brasil então seu contemporâneo através da música (o programa aborda as grandes referências da MPB). Em 1982, “Rita Lee e Roberto de Carvalho” faz de “Rita”, “Cor de Rosa Choque”, “Barata Tonta”, Vote em Mim” e “Flagra” músicas de referência, músicas de exaltação do feminino e da anatomia e da vivência de uma mulher.

Para o ano seguinte, a cantora reservaria o menos bem visto “Bombom”, um outro disco em muito visado pela censura, contribuindo para isso as canções polémicas “Arrombou o Cofre”, “On the Rocks”, “Desculpe o Auê”, “Bobos da Corte” ou “Raio X”, estas últimas usadas em novelas da televisão brasileira. Foi uma fase turbulenta da sua vida pessoal, já que o seu pai havia falecido e havia lidado com a perda da pior forma, recorrendo às bebidas alcoólicas e às drogas. Depois da sua reabilitação (do álcool), seguiria com o seu marido para Los Angeles para o gravar.

Dois anos depois, “Rita e Roberto” relançaram a estabilidade pessoal de Rita Lee, depois do seu boom comercial do início da década. Temas como “Noviças do Vício, “Yê yê yê” ou “Vírus do Amor” recuperaram a sua credibilidade (em muito relacionada com o seu estado de saúde menos favorável e com a eventual dominação do seu marido sobre a artista), que foi consolidada na primeira edição do Rock in Rio, no qual apresentou o presente disco. A cantora tentaria o seu sucesso na rádio, por volta desta altura, numa fase em que se tinha divorciado da editora Som Livre. O programa seria o “Rádio Amador” e estaria ao lado do escritor Antonio Bivar, no qual deu asas à sua imaginação e criou diversas personagens através do pseudónimo “Lita Ree” — um personagem que já havia interpretado num dos vários papéis que desempenhou em novelas televisivas. De igual modo, inventou a figura do cientista Dr. Alex e, com ele, escreveu quatro livros infantis.

Em 1987, “Flerte Fatal” foi um novo álbum que, através da EMI, deu água pelas barbas na relação com a crítica, que o visou negativamente. Apesar dos temas “Pega Rapaz”, “Bwana”, “Brazix Muamba” ou “Xuxuzinho” e da tournée que percorreu grande parte da Europa e dos Estados Unidos, acaba por, na teoria, ser musicalmente menos bom. Porém, comercialmente, é um ano (e uma década) bastante frutífero, que seria o culminar de uma fase em muito turbulenta. Para lá dos problemas com os vícios vivenciados, também foi intervencionada por duas ocasiões, uma às cordas vocais e outra no rosto por força de um acidente de viação.

Daí em diante, da década de 1990 até à atualidade, Rita Lee foi ao sabor do estatuto granjeado nesses trabalhosos e suados anos, nos quais foi um rosto de choque, de confronto, de distinção. De igual modo, a cantora e Roberto de Carvalho seguiriam percursos profissionais distintos, logo após o disco “Bossa n’ Roll” (1991), que somente contou com a voz de Rita e o violão de Roberto com um alinhamento que contou com covers de, entre outros, Sting e os habitués Beatles e Rolling Stones. A solo, chegou dois anos depois “Rita Lee”, composto maioritariamente por originais de cariz mais new wave e puramente feitos de rock. Depois de uma breve passagem televisiva pela MTV Brasil, juntaria o seu talento ao de Roberto de novo no ano de 1995, através do disco “A Marca da Zorra” — cujo tema “Vítima” seria usado na novela “A Próxima Vítima” — e da digressão feita de promoção deste trabalho.

Depois de ter aberto o primeiro concerto dos Rolling Stones em solo brasileiro, Rita Lee ver-se-ia de novo em atribulações com o seu uso recorrente de drogas. Depois de uma mistura de medicamentos e de álcool que quase se revelou fatal, de igual perigosidade foi a queda de uma varanda de um segundo andar (quinze metros de altura) que deu, que quase colocou a sua capacidade de cantar em risco. Apesar de ter conseguido contornar esse problema depois de uma cirurgia, só se veria livre do problema de adição em 2006, depois de ser internada numa clínica para o efeito. Em 1996, casar-se-ia no civil, por fim, com Roberto de Carvalho e, no ano seguinte, voltou aos estúdios para trabalhar em “Santa Rita de Sampa”, em muito inspirado na figura de Caetano Veloso e cujo tema “Dona Doida” também serviu para abrir uma outra novela, agora “Zazá”.

No ano de 1998, apresentaria a sua sessão em acústico na MTV, gravada no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, sessão essa que originaria um disco e que não dispensou as presenças ilustres dos Titãs, de Milton Nascimento, Cássia Eller e Paula Toller. No novo século, Lee apresentou “3001”, que traz uma sonoridade adaptada aos novos tempos, embora sempre assente no seu típico trajar rock. Para este disco, trouxe vários dos conhecidos como tropicalistas, como o compositor e músico Tom Zé, e importou reflexões pessoais sobre o que esperava do ano 2001 e que não viu cumprido. Um dos seus principais singles seria “Erva Venenosa”, mas o CD traria, de igual modo, “O Amor em Pedaços” ou “Pagu”. Foi uma fase em que Rita Lee marcou a sua presença especialmente pelas tournées que ia fazendo.

No mesmo ano de 2001, deixaria uma reinterpretação de vários clássicos dos Beatles condensados num só trabalho: este é “Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar”, para além de conservar algumas compilações para o final desse ano e início do próximo. A sua figura de nomeada fê-la surgir em programas televisivos, como “Saia Justa”, um talk show onde partilhou o espaço com a escritora Fernanda Young, a atriz Marisa Orth e a jornalista Mônica Waldvogel. Para 2003, traz mais duas mãos cheias de inéditos, apresentados na forma de “Balacobaco”, entre os quais o radiofónico “Amor e Sexo”. Rita Lee continuou a encher recintos e a trazer várias das músicas que tinham ficado esquecidas no passado para estes palcos. Porém, logo no início de 2012, viria a anunciar a sua retirada desses mesmos palcos, mas sem, na sua despedida, deixar passar a oportunidade de ser enérgica o suficiente até ser acusada de desobediência em relação à autoridade, em Sergipe.

Entretanto, seria ilibada e desfilaria no Carnaval de 2012, uma edição que teve, como tema, a própria tropicália. Em representação da escola paulista Águia de Ouro, viria a vestir uma peça associada à malograda atriz Leila Diniz, a quem havia dedicado, em 1993, uma faixa de seu título “Todas as Mulheres do Mundo”. 2012 também seria o ano em que regressaria aos estúdios, quase dez anos depois (em 2006, havia recusado participar na reunião d’Os Mutantes). “Reza” fez furor e trouxe as composições de Rita Lee e de Roberto de Carvalho de novo para a ribalta. Este trabalho fez com que regressasse aos palcos para promover o novo disco, numa fase em que já ia escrevendo algumas estórias no seu Twitter, que viria a reunir em “Storynhas” (2013). Porém, tornar-se-ia uma fase de maior reconhecimento do que de criação e a própria reconheceu isso, abdicando dos seus caraterísticos cabelos vermelhos e assumindo o seu envelhecimento físico em pleno.

No ano de 2016, seria publicada a sua autobiografia, numa fase de maior solitude da sua vida, de título “Rita Lee: uma autobiografia”, que teria êxito comercial significativo. Fora uma composição lançada no ano de 2021, de seu título “Change”, Rita Lee só chegaria às manchetes por lhe ser detetado um tumor num pulmão, que superou mas que deixaria marcas na sua saúde.

Quem fala, quem ouve, quem vê Rita Lee, depara-se com energia, com vivacidade, com novidade, com identidade. É um rosto que dá voz a uma contracultura que, ainda hoje, é vista com tanta curiosidade e até admiração. Rita Lee permanece como alguém que viaja por um Brasil em eterna metamorfose, sujeito (e não objeto) de admiração por quem a ouve de dentro e de fora. Para a história fica a mais excêntrica, a mais rebelde, a mais destemida de todas as vozes do Brasil. Para a história, a mulher que fez da quantidade ser sinónimo de qualidade, de distinção, de choque constante e ajustado à evolução dos tempos. Para a história, a mutante.

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