As emoções sublimes de Filho da Mãe
Quis que certos afazeres profissionais e o tempo a correr adiassem de tal forma o meu comentário ao concerto de Filho da Mãe, ocorrido no passado dia 13 de Fevereiro, no Pequeno Auditório do CCB, que acabei por presenciar um outro concerto de Filho da Mãe, na primeira parte para Patrick Watson, no Coliseu de Lisboa. Esta coincidência ou fortuna acaba por cimentar o concerto no CCB, ou, pelo menos, ajuda a encontrar as palavras.
Filho da Mãe, alter ego de Rui Carvalho, lançou em 2018 o seu 4.º álbum de originais em nome próprio. Água-Má, fruto de uma residência na Madeira, não nos traz palavras, mas traz-nos as histórias que as nossas próprias mentes transformam. Se a ouvir o álbum nos apercebemos das mil e uma emoções que chegam e vão, permanecem e desvanecem, em concerto não é diferente. E foi esta experiência que percorreu – digo eu – quase todos os presentes naquele Pequeno Auditório do CCB, cujas cadeiras não primam pelo conforto, mas cuja acústica agrada.
Ao longo de pouco mais de uma hora, com direito a uns segundos de interlúdio para que o artista pudesse limar as unhas, Filho da Mãe calcorreou temas dos seus vários discos, com destaque para o último. Ver um concerto de Filho da Mãe pode não ser uma experiência confortável, sem que isso seja negativo. Muito pelo contrário, ver um concerto de Filho da Mãe é um exercício para a mente, é um acto contínuo de memórias, quase olfactivas, de ritmos e de sensações. As camadas sonoras que Rui Carvalho nos oferece, às vezes inesperadas, trazem-nos uma profundidade imersiva que nos pode remeter para a infância, para aquele dia de luz dourada na praia, para aquele peso no coração que às vezes sentimos, para aquela saudade tão nossa, para aquela cadência de sons que ouvimos numa ou outra viagem, para aquele ramerrão do dia-a-dia, mas quase sempre com o sol a bater-nos na cara.
A textura dos acordes que Rui Carvalho arranca à guitarra, os aumentos nos decibéis e os silêncios desvanecidos serenam-nos e inquietam-nos. A mesma inquietude leva Rui Carvalho a levantar-se várias vezes, numa oscilação que quase parece não controlar e que explica que há fracções de emoções que não pertencem só a nós.
O intervalo entre o concerto que presenciámos no CCB e a primeira parte de Patrick Watson foi passado com Filho da Mãe na cabeça, na inexplicabilidade daquela simplicidade que nos toca de uma forma tão profunda. Estas antíteses foram comprovadas naquela primeira parte e, se quisermos trazer palavras de Patrick Watson, encontramos uma definição perfeita para ambas as actuações de Filho da Mãe – “this music is not meant to bring you down. It’s meant to carry you”.