As ideias, visões e crenças de Noam Chomsky
Noam Chomsky, para além de ser um conceituado linguista, é um dos mais proeminentes pensadores do tempo moderno. Desde a política à ciência, passando pela psicologia e pela filosofia, são poucas as áreas do saber que desconhecem a figura e presença de Chomsky. O norte-americano cresceu no seio de um ambiente académico e de tudo fez inspiração, somando experiências e visões diferentes e personalizadas e promovendo até conceptualizações da sua autoria sobre essas mesmas áreas. Nesse sentido, Noam Chomsky é tudo menos uma figura estanque num mundo em constante ebulição e progressão.
A vida de Chomsky está inextricavelmente ligada ao ensino e ao contexto académico, indo desde o papel de estudante até ao de rosto emérito, passando por investigador, professor e ensaísta. Nos seus ensaios, várias temáticas foram abordadas, e disso são exemplo os momentos sociopolíticos que marcaram as diferentes fases da sua vida. A sua notoriedade foi meteórica e chegou até ao mundo da música, inspirando grupos como os Rage Against the Machine, Pearl Jam, REM e os irlandeses U2. Apesar desta influência externa, importa não descartar a raiz da sua carreira e abordar as ideias emergentes que este académico propôs na linguística.
A linguística chomskiana
Noam Chomsky conferiu desde cedo um pendor neurológico àquilo que é a aquisição e domínio de uma língua. Divergindo aqui de Ferdinand de Saussure, pai da linguística, descurou o papel social e ambiental que a aprendizagem do idioma inclui e colocou a tónica nos mecanismos e nas estruturas desta área. Assim, e no âmago da sua área de estudos, Chomsky redigiu e apresentou o livro “Logical Structure of Linguistic Theory” (1955), na qual apresentou aquilo que se designa como gramática generativa. Este conceito propunha uma nova forma de estudar a gramática, na medida em que a digeria como um sistema de regras que cria de forma autónoma as combinações de palavras – que se tornam os próprios padrões de orientação gramatical – que formam frases numa determinada linguagem, tendo cada uma destas o seu próprio núcleo de regras. Estas frases seriam interpretadas a partir de duas estruturas, sendo a primeira delas o tipo superficial, no qual a frase é analisada de forma meramente sintática, e o tipo profundo, onde se verificam as relações lógico-semânticas dos diferentes elementos das frases. No seio dessa gramática generativa, Chomsky visualizou a gramática como transformacional, no sentido em que cada um pode criar um número infinito de frases a partir de uma base de diretrizes gramaticais e de um vocabulário finito. Toda esta bagagem faz parte de uma escola de estudo conhecida como linguística generativa e complementa-se com “Syntactic Structures” (1957), contrariando a visão behaviorista do psicólogo B.F. Skinner, esta uma visão que juntava a aprendizagem verbal e gramatical à aprendizagem comportamental, aprendizagem essa envolvida pelo condicionamento e por demais métodos de apreensão.
Numa forma esquemática de percecionar a gramática, o norte-americano construiu uma hierarquia, que a fragmenta em quatro níveis. A nivelação estrutura-se de 0 a 3, sendo o 0 o mais flexível em regras e o 3 o mais estruturado. O nível 0 corresponde à gramática com estruturas de frase, não havendo quaisquer limitações a obstar à sua afirmação e conceção. O nível 1 diz respeito às gramáticas sensíveis ao contexto, estas que descrevem a sintaxe de uma linguagem natural que desencadeie a necessidade de ponderar a utilização de um certo elemento por via do contexto existente. O nível seguinte concerne às gramáticas livres de contextos, onde se apresentam as estruturas das frases e palavras em linguagem natural e que representa a forma normal de Chomsky. Por fim, o nível 3 aponta às gramáticas regulares, onde a análise passa a ser léxica, i.e. inclui o estudo da palavra e das produções individuais. Os últimos dois níveis são usados com frequência no campo da programação e das ciências da computação. Estas propostas foram ressalvadas em 1995 através do livro “The Minimalist Program“, onde o linguista menciona uma parte inata que reside na posição humana e que permite a aprendizagem de uma língua, parte similar àquela que qualquer idioma possui para a sua tradução num pendor comunicacional acessível a todos. Esta universalidade permite alcançar a proposta de uma gramática universal, na qual existe um grupo de normas que orientam a formulação de toda e qualquer língua natural existente.
“Language is a process of free creation; its laws and principles are fixed, but the manner in which the principles of generation are used is free and infinitely varied. Even the interpretation and use of words involves a process of free creation.”
Noam Chomsky in: “Language and Freedom” (1970)
A psicologia e a filosofia
Todo este trabalho teve um papel importante naquilo que é a psicologia, intervindo precisamente nos métodos de aprendizagem linguísticos das crianças. A sua obra de 1966, de título “Linguística Cartesiana“, explica precisamente as faculdades da linguagem humana e algumas das perspetivas que permitem avalizar aquilo que é a mente e a sua relação com a linguística. Assim, Chomsky considera a mente cognitiva como algo que contém estados, crenças, dúvidas, valores muito vários, opondo-se à postura de Skinner, que incluía esses elementos como causas finais do comportamento. No que toca à aprendizagem plena da linguagem, a mente possui uma capacidade inata e bastante desenvolvida de aprender uma ou mais linguagens, que se apoia na modularidade. Isto consiste numa relação entre subsistemas mentais que interagem entre si e que suscitam fluxos de comunicação e favorece a aprendizagem do idioma por parte do ser humano. Neste ponto, acaba por ir de encontro ao trabalho e às investigações do neurocientista português António Damásio, embora retratem temáticas diferentes nas suas géneses.
O filósofo francês Michel Foucault foi um dos principais nomes do século XX, sendo um dos pais da perspetiva pós-estruturalista. Esta corrente apresenta a realidade como uma construção social feita de forma subjetiva, permitindo cada um interpretar uma unidade de sentido linguística de forma única e distinguir claramente o significante daquilo que é o significado em si. Noam Chomsky entrou em conflito com esta visão, envolvendo-se nesta dialética sobre a filosofia da linguagem. Assim, reivindica o papel da mente na aprendizagem e na estruturação daquilo que é a realidade, aludindo também ao papel individual de cada no que toca ao desenvolvimento e apreensão da linguagem. Naquilo que é a semiótica, as ideias do norte-americano colocam a tónica na sintaxe como tradutor de significados e de símbolos de um idioma, tanto no cômputo frásico como nas relações estabelecidas entre os diferentes integrantes do mesmo. A referência, como a base da pirâmide de aprendizagem de uma língua, acaba por ser a interiorização da sua estrutura (I-language), que formula desde logo um conjunto de parâmetros capaz de gerar novas gramáticas, ao mesmo tempo em que todos os idiomas assentam no mesmo sustento estrutural.
O pensamento e o ativismo político
Chomsky é também um dos principais pensadores políticos e sociais da atualidade. Com o ativismo político bem vivo na comunidade operária judaica, o linguista cresceu à luz desta atividade regular e rapidamente firmou uma posição que poucas alterações sentiu. Assim, o norte-americano considera-se um anarcossindicalista, considerando o homem não mais que uma peça mecânica numa sociedade mas sim como alguém responsável livre e criativo o suficiente para estar encarregue da economia e da sociedade e para realizar-se. A autonomia a assumir nesta espécie de autogestão permite aumentar a satisfação de cada um pelo trabalho que desenvolve e estimular precisamente a realização pessoal e profissional, tornando os ofícios menos apreciados automatizados. Com isto, aponta também para a falta de necessidade de existir partidos políticos e de uma sociedade que subsista essencialmente na herança iluminista em simbiose com o ênfase criativo e comunitário.
Por outro lado, posiciona-se também como um socialista libertário na medida em que se opõe à posse privada na produção e na distribuição salarial, devendo estas duas atividades estar encarregues somente pelo trabalhador livre. Para além disto, Chomsky defende também o desmantelamento de quaisquer forças políticas e económicas desnecessárias, limitando-se o Estado a funcionar como um porto de socorro aos eventuais mecanismos opressivos. Também o ambiente tem um papel nesta visualização política, em que a existência de possíveis forças no seio da sociedade penalizam a saúde ecológica do mundo. A liberdade, para além do sentido de comunidade e do pendor associativo do indivíduo, é uma das principais premissas de um olhar emancipatório das forças de repressão, apelando ao instinto de superação e de revolução que não é anónimo ao marxismo.
Aplicando as suas noções a casos práticos, o pensador descredibiliza a política externa dos Estados Unidos, considerando-a contrária às vantagens que poderiam advir da existência de uma sociedade aberta. Assim, olha para o seu país como uma força que pretende controlar politica e economicamente tudo aquilo em que se envolve internacionalmente, privilegiando somente os seus próprios interesses. Sobre isto, acredita que esta tendência deriva precisamente do Imperialismo Britânico, condenando também as ações deste na Índia e no continente africano, comparando-as com o que os Estados Unidos fizeram, por exemplo, no Vietname, na América do Sul, no conflito israelo-palestino (Chomsky defende a existência de ambos) e no Médio Oriente. Este imperialismo silencioso, a seu ver, necessita de ser desmascarado e de ser abolido em prol de uma política livre, aberta e agregadora, desejando a saúde nacional e global.
Economicamente, o norte-americano sempre se mostrou contrário ao capitalismo e à corrida ao egocêntrico progresso material, apesar de se mostrar oposto também às investidas autoritárias na tentativa de implementar um regime socialista – em especial, o que se sucedeu na URSS. Desta forma, crê que nenhum país capitalista ocidental é totalmente democrático, na medida em que não inclui toda a gente na sua política pública e que se remete a um certo número de cabeças denominadas como as elites, opondo-se a instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Assim, Chomsky acredita que o socialismo só será devidamente alcançado quando todas as instituições sociais, financeiras, comerciais e industriais estiverem sob a tutela de uma república federal que tenha como fulcro as diferentes comissões de trabalhadores ativos e outras agremiações de auto-governação nas quais cada cidadão tenha, de facto, um papel determinante naquilo que é o presente e o futuro de todos.
A falta de equidade económica nos Estados Unidos é justificada por Chomsky pelo bipartidarismo político orientado pelos interesses lobbistas e financeiros nacionais e internacionais. Assim, não existe quaisquer métodos através dos quais os americanos possam intervir nas deliberações políticas e, assim, acabam entregues às mãos das grandes e abastadas elites. Somente através da mencionada cooperação entre todos é possível atingir-se a devida equidade social e fiscal, tomando como exemplo a luta pelas causas anti-racistas, pelos direitos das mulheres e pelas justificações quanto às intervenções bélicas nacionais. A revolução violenta é tomada como medida de última instância e de se evitar em caso de possibilidade, corroborando isto com exemplos nos quais tudo piorou após derramamentos de sangue ou (tentativas de) golpes de estado.
Os meios de comunicação e a sua presença ativista
Porém, e ao contrário do que o marxismo preconiza, o norte-americano coloca a ciência fora do alcance político, não obstante contar com as metodologias baseadas no tratamento de dados empíricos na discussão política. Estes dados, no entanto, não devem ser subvertidos pelos meios de comunicação, alguns destes condicionados pelas pretensões corporativas e pelo jogo de interesses que intervém na veiculação de informação. A propaganda e a publicidade acaba por influir naquilo que é o senso comum, apelando ao pensamento crítico e ao estudo da influência dos poderes industriais no que chega ao público. Tudo isto está também condicionado pelos viés sociais, em que existem parcialidades que desestabilizam aquilo que é o sistema social como um todo, a partir do qual os meios de comunicação atuam e divulgam os conteúdos informativos. Como ativista, Chomsky deu já várias palestras sobre a consciência política e sobre diversos tempos da atualidade, tais como o terrorismo e a política nacional e internacional, sendo membro da Industrial Workers of the World e da International Organization for a Participatory Society.
Noam Chomsky é, desta feita, um dos mais holísticos pensadores da atualidade. A sua discussão contemporânea, não esquecendo potenciais e coerentes paralelismos com a História, envolve valores que pouco sofreram alterações consoante o discurso linguístico e oratório do autor se foi maturando. Com um corpo de obras bastante vasto, – entre estas, várias de cariz político e social no presente século – o linguista tornou-se preponderante também naquilo que é a compreensão geral sobre a formação e a aprendizagem da língua. Proponente de uma sociedade coesa e aberta, assim como de uma gramática universal e capaz de unir mais do que separar, Chomsky revela-se um pensador que visa mais consensos do que dissensões, não obstante ter uma linha de pensamento fresca e vigorosa. Atendendo ao seu repertório literário e académico, não é difícil denunciar que, em contextos mais ou menos formais, se mostra como uma mente iluminada numa sociedade sempre em vias de estar contaminada.