As memórias e honras erguidas por Nicolau Nasoni
Nicolau Nasoni foi um dos imigrantes mais influentes em Portugal, em especial na cidade do Porto. Foram vários os monumentos e edifícios que erigiu no Norte do país, trazendo consigo fragrâncias do barroco e do rococó, e brindando com ouro e com memórias a região, então muito ruralizada e sustentada pelo comércio. Os contributos prestados por Nasoni permitiram conferir um novo pólo de grande virtude arquitetónica e artística no país, subindo a norte e espelhando as pretensões e posições sociais e religiosas das suas gentes. Assim, e de um modo personalizado, o italiano conseguiu contemplar o Porto com a sua identidade, mas sem se isentar de interpretar e de evoluir ele próprio com a realidade nortenha.
Niccolò Nasoni nasceu em San Giovanni Valdarno, no grão-ducado italiano da Toscana – na região atual de Florença – no dia 2 de junho de 1691. Antes de se relacionar com a cidade do Porto, era íntimo do seu avô, que era empregado numa casa de fidalgos com relações a essa cidade. Irmão mais velho de oito outros constituintes da prole dos seus pais, viveu e estudou na cidade de Siena, debruçando-se sobre pintura e artes decorativas. Como mestres, teve os arquitetos Vincenzo Ferati e Franchini, de quem viria a herdar o gosto pela construção, e o pintor Giuseppe Nicola Nasini. Com 21 anos, Nasoni foi encarregue de construir o cadafalso da catedral de Siena, dando seguimento às exéquias de Fernando III de Médici. Ainda assim, entrou na academia artística Accademia dei Rozzi, onde pôde contactar de mais perto com a realidade criativa, e onde recebeu a alcunha de “piangollegio” (em português, significa rezingão). Artisticamente, recebeu a influência do arquiteto e pintor Pietro de Cortona, e do versátil artista Bernardo Buontalenti.
Em 1715, com 26 anos, Nasoni foi encarregue de executar os trabalhos preparativos para a receção de um novo arcebispo na cidade, seguindo-se a participação na decoração de um carro alegórico, que desfilou nas ruas na eleição de um novo grão-mestre da Ordem de Malta. Em ambas as empreitadas, o sucesso foi garantido, não obstante a temporalidade exígua dos trabalhos, recebendo congratulações tanto pela riqueza decorativa – onde se incluem retoques em arcos de triunfo – como pela técnica construtiva. Essa crescente maré de interesse fê-lo mudar-se para Roma, estabelecendo-se como pintor, e, pouco depois, para Malta, onde criou o suporte que necessitava para se aventurar na arquitetura. Porém, foi como pintor decorativo que continuou a frutificar na pintura decorativa e complementar, tal como no Palazzo Spinola. Nesta ilha, pintou parte do teto no palácio de Valeta, capital deste país, dirigindo-se o trabalho ao então grão-mestre D. António Manuel de Vilhena. Este conhecimento levou-o a aprofundar contactos com outras personagens ligadas à Igreja Católica, nas quais se integra o irmão do deão da Sé portuense, D. Jerónimo Távora e Noronha. Esta personalidade foi providencial para que Nasoni viajasse até à cidade do Porto, para, em novembro de 1725, começar a trabalhar em pinturas no monumento mencionado, sem desconsiderar o vigente manuelino.
De caraterísticas estruturalmente românicas, a Sé encontrava-se em reformulações, e foi o mote necessário para que o barroco, importado, assim, do requinte italiano do artista, se impusesse em terras lusas. O lustre do rococó havia chegado a Portugal, nomeadamente à cidade do Porto, mas sem esquecer várias intervenções pictóricas noutras igrejas e empreitadas transmontanas. Para as pinturas, introduziu conceitos barrocos, tais como a quadratura, em que a noção de profundidade é distorcida nas cúpulas falsas. No entanto, estes trabalhos perduraram por algum tempo, e contaram com a colaboração dos arquitetos lusos Miguel Francisco da Silva, e António Pereira, que o ajudaram na intenção de suportar o projeto com vários azulejos tipicamente portugueses. Para além da decoração do edifício, o italiano preparou uma nova fachada para a igreja, sendo esta uma galilé – uma cobertura que protege o acesso principal – para além do Chafariz de São Miguel, que ladeia a Sé, e do Paço Episcopal. Foi com isto que foi abrindo o livro dos seus predicados na prática arquitetónica, tanto no sentido de edificação, como de elementos de decoração e funcionalização urbana. Em 1729, quatro anos depois de ter a sua primeira incumbência na cidade, casou-se com uma fidalga de origens napolitanas, de seu nome D. Isabel Castriotto Riccardi. O matrimónio, porém, seria de pouca dura, pois faleceu após complicações no parto do único filho de ambos, José. O padrinho deste, um fidalgo portuense, interviria no relançamento do ânimo de Nasoni, convidando-o para construir a habitação e jardim da denominada Quinta da Prelada. Outros contributos do italiano foram o retábulo na Igreja de Santo Ildefonso, a construção da Igreja de São João Novo, e da Quinta de Ramalde (esta tendo atributos neogóticos).
Logo de seguida, e por intermédio do seu compadre, teria em mãos o seu maior desafio profissional, com o qual se ocupou durante três décadas. Foi assim que nasceu a Igreja dos Clérigos, construção da qual não usufruiu de qualquer rendimento, e que perpetuou o legado deste italiano na Invicta. Esta obra mostraria, a partir da construção e ornamentação essencialmente granítica, uma irregularidade de formas, que tomavam o seu auge no exagero quase maneirista. O rococó também era uma das suas principais premissas, adornando o interior da igreja com as eventuais conchas. No confronto do ondulado com o saliente, saltava à vista a quantidade de janelas, que se proliferariam em toda a égide da torre. Uma única nave era uma das peculiaridades desta obra, construída numa zona de inclinação topográfica, e que se tornaria única pela singularidade e pelas formas inconstantes e errantes. Tudo sem esquecer a necessidade de transmitir a riqueza e o poderio da Igreja Católica, numa altura em que era bafejada com os laivos protestantes e interrogadores da proveniência divina.
Nasoni voltaria a casar-se, desta feita com uma portuguesa, Antónia Mascarenhas Malafaia, com quem teria cinco filhos, de nomes Margarida, Ana, António, Jerónimo e Francisco. A estabilidade pessoal juntava-se, assim, à profissional, que conheceu cada vez mais fôlego. Fragrâncias do Renascimento italiano espalhavam-se pelos seus trabalhos, tanto monumentos, como pinturas, como peças de ourivesaria. O mecenato seria importante naquilo que era o seu percurso, sendo bastante reconhecido e solicitado por toda a região norte. À Igreja e Torre dos Clérigos, juntou-se a Igreja do Senhor Bom Jesus, em Matosinhos, composta por três naves e por duas torres sineiras, e que brinda ouro no seu interior, com diversos e côncavos retábulos de talha dourada, especialidade de Nasoni na decoração da madeira. Por sua vez, o Palácio do Freixo foi, novamente, potenciado a partir da inclinação existente, e beneficia da sua presença ribeirinha para ser ornado por vários detalhes aquáticos, caraterística do barroco; para além de mais uma plenitude de fachadas. Tudo isto culmina aquilo que é a linha arquitetónica do italiano, que, profundamente influenciado pelas suas origens toscanas, e pelas noções romanas, se entregou às volumetrias estáveis e sólidas e às linhas onduladas e instáveis para complementar o seu barroco. Um barroco de proa por terras lusas, que foi brindado por um forte pendor decorativo e dourado, servindo de referência aos seus sucessores.
A estes, juntou-se a fachada da Igreja da Misericórdia, o chafariz e a escadaria do Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, em Lamego, a reconstrução da Igreja Matriz de Santa Marinha, em Vila Nova de Gaia, e a parte central do Palácio de Mateus, em Vila Real, edifício rodeado de espaços verdes, e complementado por uma diversidade de torres, para além de um corpo requintado por uma série de pormenores embelezadores. Isto para além, também, da Capela da Quinta da Conceição, em Leça da Palmeira; e o palácio na Quinta da Bonjóia, na própria cidade do Porto, entre várias outras obras. Outros projetos incluíram a planificação da Casa do Despacho da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, e da elaboração de duas plantas para a reformulação da Cadeia e Tribunal da Relação; para além do desenho de lavatórios de sacristia, e de outros pequenos trabalhos dentro das igrejas onde intervinha.
O etéreo assume um papel especial no trabalho de Nasoni, capturando os ideais e os instintos barrocos para, de forma mais ou menos maneirista, transportar ilusões sensoriais para quem contacta com ele. Por isso, a presença de vários anjos, suportada pelo recorrente uso da prata, conseguia captar a metafísica, e foi bem-sucedida na tentativa de explorar a crença do arquiteto, que se juntaria à Irmandade dos Clérigos pouco depois. Em 1773, no dia 30 de agosto, viria a morrer depauperado, sendo sepultado na cripta da Igreja do Clérigos. Na linha de sucessão, deixou vários pupilos na arte de etereamente pintar, e de bem esquematizar, começando pelo nome de José de Figueiredo Seixas.
Nicolau Nasoni foi o principal responsável pela “barroquização” da cidade do Porto, tornando-a mais barroca que todas as outras do país. No entanto, o seu trabalho envolveu e contagiou o resto da região norte, para além dos que, curiosos pelos predicados importados, vieram de sul para aprender com o toscano. A opulência que percorre o seu legado patrimonial enche-se de uma quantidade de ouro, recheando a riqueza histórica dos portuenses. Os seus contemporâneos seriam influenciados em larga medida pelo trabalho escultório em madeira da sua autoria, dando azo a subsequentes tentativas de transmitir estruturas vigorosas e imponentes. Foi com um excelso arquiteto italiano que o Porto se reergueu e se fez destino de ano para ano.