Beatriz Nunes levou a portugalidade a terras alemãs
Beatriz Nunes, a jovem cantora e compositora, apresentou o seu primeiro álbum de originais Canto Primeiro na Nikolaisaal, em Potsdam, na Alemanha. Formada em Música Jazz, variante Voz, pela Escola Superior de Música de Lisboa, Beatriz encantou os presentes neste concerto em nome próprio.
A acompanhá-la estavam o contrabaixista André Rosinha e a pianista Paula Sousa. A sua formação clássica e de jazz fundiu-se com a música portuguesa. Este álbum de carácter contemplativo marcadamente português deleitou quem o ouviu ao vivo. A par das canções originais que preenchem o álbum, como “Valsa de um Bom Rapaz” e “Andorinhas”, encontramos também originais da pianista e contrabaixista que a acompanham.
O concerto de Dia de São Valentim contou com ambos os pisos da Nikolaisaal completamente cheios para um concerto sentado, com vinho, cerveja e o típico pretzel a fazer as delícias dos presentes. Pontualmente, às 20h deu-se início ao concerto que contou com a moderação de Susanne Papawassiliu, da rádio rbbKultur. Susanne começa por se desculpar pela dificuldade em pronunciar o apelido de Beatriz, que entrou em palco acompanhada por Paula e André.
O concerto inicia-se, tal como o álbum Canto Primeiro, com “Andorinhas”. Vestida de preto e sandália rasa, Beatriz mostra-se sorridente e embala o público, gesticulando ao som da música. Agradece em alemão e rapidamente troca para inglês, para explicar aos presentes o que afinal são andorinhas. É agradecida com aplausos e continuamos com “Valsa de um Bom Rapaz”, uma música sobre relações que nem sempre correm como previsto, tal como a própria explicou ao público. A postura mais determinada e teatral convenceu os presentes, que, mesmo não falando a língua, pareceram ter entendido a mensagem. A terceira música evidencia que este concerto não é somente sobre a vocalista: a música composta por André Rosinha permite que este mostre também o seu trabalho em terras alemãs. Beatriz deu espaço para que este fosse também o momento do contrabaixista, mantendo-se sempre extremamente expressiva e seguindo o embalo do contrabaixo. “Salto” convenceu o público, que aplaudiu entusiasticamente os três músicos em palco.
Fomos informados que, na realidade, é a primeira vez que os três tocam juntos. Tal não era de todo evidente, tendo em conta toda a química que transparecia em palco. Segundo Beatriz, os três tentam, juntos, encontrar a portugalidade através da música que compõem. Depois da explicação, viajamos diretamente da Alemanha para o Alentejo, região natal de Beatriz Nunes, com “Aurora tem um Menino”. Paula dá início a esta canção, hipnotizando os presentes ao piano. A canção, mais sóbria que as anteriores, mostrou uma parte de Portugal ao público que talvez a desconhecesse. De seguida, é apresentada “Resistência” num registo mais mexido, fazendo a plateia acompanhar o ritmo e a percussão que André Rosinha injetou ao início da canção.
Saímos novamente do álbum, agora com um original de Paula Sousa, “Cadência Mais que Imperfeita”, onde Beatriz vocaliza tristemente, acompanhando a pianista.Depois do Alentejo, visitamos o norte do país com “Canção Beiroa“, onde, de modo brusco e assertivo, Beatriz Nunes chamou pelo seu amor à boa maneira nortenha pela qual esta região de Portugal também é conhecida. O palco foi claramente partilhado, com Beatriz a dar espaço para os profissionais no piano e contrabaixo mostrarem toda a sua capacidade musical.
As luzes voltam-se a acender na totalidade, dando indicação de que chegámos ao fim da primeira parte do concerto. A moderadora conversa em palco com Beatriz sobre a sua experiência como vocalista dos Madredeus e de que modo isso a fez amadurecer enquanto artista. Ouvimos que, na opinião da cantora, esta considera necessária a criação de uma fantasia sobre as letras que escreve e um pequeno teatro na interpretação das mesmas. Pede também desculpa por não ter CDs para venda, pois infelizmente estão completamente esgotados. Contudo, sosega os presentes que a podem contactar no sentido de adquirir Canto Primeiro.
Recomeçamos o concerto com “Cantiga do Avesso”, que fascina os presentes. Torna-se percetível o que a cantora queria dizer com a criação de uma fantasia. Seguimos com outra canção de André Rosinha, “Light”, com um início forte no piano, onde rapidamente o contrabaixo do autor se junta, a par da voz limpa da cantora. O público mostra-se recetivo e agradado.
A alegre “Linho Mourisco”, num arranjo de Isabel Rato, seguiu-se, com uma pequena menção de Beatriz Nunes à falta de reconhecimento das mulheres no jazz e dualidade de tratamento entre géneros no que à música diz respeito. No final desta alegre canção, um sorriso de orelha a orelha por parte da cantora contagia os presentes. Paula ausenta-se, deixando o palco apenas para Beatriz e André, que acabam por mistificar a sala com “Canção da Paciência”. Novamente com Paula Sousa em palco, seguimos com “Encontros Não Imediatos”, um original da mesma, onde novamente o trio evidencia todo o seu profissionalismo e arrebata palmas dos presentes. Ninguém conseguiria adivinhar que esta foi a primeira vez que se juntaram ao vivo. É-nos informado que, infelizmente, a última música será “Senhora do Ó”, tal como no álbum. Num dos momentos mais bonitos da noite, as gesticulações da cantora fazem-nos entender o que esta pretendia dizer com o teatro que é preciso realizar enquanto atua.
Abandonam os três o palco ao som de palmas que não queriam acabar. Alguns dos presentes levantaram-se em direção à saída, contudo rapidamente temos o encore, com um original de Mário Laginha e Maria João, “Um Amor”. Num português com sotaque brasileiro, o público foi presenteado com uma música adequada para este dia de São Valentim. Não era de todo necessário saber a língua para entender a mensagem amorosa que se pretendia passar.
No fim, a Nikolaisaal encheu-se de palmas durante bastante tempo, pois não existia outra maneira de agradecer toda a beleza e profissionalismo evidenciado na hora e meia que durou a partilha da portugalidade por terras alemãs. Os três conseguiram atingir o objetivo a que se propuseram, e o risco de cantar em português para uma plateia que não entendia grande parte do que era cantado compensou.