Bob Dylan, o sociólogo da música
Bob Dylan. O nome fala por si. Trata-se de um dos maiores nomes da história da música e um dos mais influentes desta modalidade artística. Com uma atitude muito sui generis e pioneiro tanto ao nível instrumental como lírico, o norte-americano conquistou de forma galopante os seus contemporâneos e coleciona mais de cinco décadas de êxitos e de virtude escrita. Para além do artista, a sua componente humana saltou à vista enquanto promovia uma música intervencionista, esta que refletia a postura do seu autor e que se opunha aos conflitos que deflagraram nos anos 60 e 70. Mais do que sua música, exalta-se a proeminência de uma referência na sociedade global.
Robert Allen Zimmerman nasceu a 24 de maio de 1941 no estado do Minnesota, nos Estados Unidos da América. Por fruto da ascendência báltica dos seus avós, o pequeno Robert teve uma educação judaica dada pelos seus pais no seio de uma pequena comunidade. Foi desde cedo (sete anos) que a sua paixão pela música nasceu, ouvindo com regularidade estações de rádio que passavam blues e country. Na sua adolescência, fez parte de várias bandas que produziram covers de nomes prestigiados como Little Richard e Elvis Presley. Da cidade que o viu nascer, Duluth, migrou para Minneapolis para ingressar na universidade. Foi neste período que focou a sua música no folk, fundamentando essa escolha pelo maior sentimento que recaía no mesmo. Enquanto atuava em vários eventos de folk, Robert definiu arbitrariamente, como seu nome artístico, “Bob Dylan”. O apelido deriva de uma inspiração do músico, sendo esta o poeta Dylan Thomas, este que viria a influir a criação das suas letras.
Em 1960, Bob desiste da universidade e decide viajar para Nova Iorque, onde contacta com o seu ídolo Woody Guthrie, alguém que o consciencializou para a importância de expressar o que é humano na música e para a ressalva do espírito americano. Nesta sua itinerância, contacta com vários indivíduos de renome no panorama do folk e inicia a sua nacionalização, atuando em diversos pontos do país. Um destes concertos acabou por ser analisado por um crítico no emblemático periódico “The New York Times” e os convites por parte de produtoras começaram a surgir. A introdução da harmónica no seu perfil artístico foi também marcante nesta revelação de prospeção. Assinando pela Columbia Records, o norte-americano veria o seu primeiro álbum a ser lançado em março de 1962, simplesmente denominado por “Bob Dylan”. O estilo do mesmo não fugiu ao diapasão dos seus concertos e consistiu essencialmente num álbum de folk e blues com algum gospel à mistura. Em paralelo, não hesitou em cooperar com outros artistas, nomeadamente tocando harmónica e nos vocais de suporte.
Duas decisões importantes no seu futuro seriam tomadas nesse mesmo ano, sendo elas a alteração do nome para Robert Dylan e a assinatura de um contrato com o agente Albert Grossman. No final de 1962, viajou para Inglaterra e atuou em diversos bares de folk da capital britânica, iniciando nesta etapa a sua carreira internacional. No ano seguinte, lançou o seu segundo álbum, um bem mais personalizado no que toca à criação e edição das mesmas. Todas as composições foram originadas por Dylan e o protesto social começou a dar tons e melodias. Neste álbum (“Freewheelin’”), a música “Blowin’ in the Wind” ganhou contornos mediáticos pela problematização do status quo sócio-político. Diversas circunstâncias, tais como a crise dos mísseis de Cuba, o movimento crescente a favor da igualdade de direitos civis e o desarmamento nuclear, motivaram uma expressão pungente e iminente por parte do músico. Também a peculiar voz nasalada que ostentava motivou uma atenção redobrada por parte dos seus homólogos músicos, que viam na sua genialidade o complemento ideal nesta vaga que originaria a contracultura.
O terceiro álbum, lançado em 1963 e designado “The Times They Are a-Changin’’” dissipou quaisquer dúvidas sobre o pendor ativista da produção do autor, produzindo analogias entre vários episódios sociais e as suas composições. No entanto, em 1964, produziu uma série de canções relativas ao amor e às suas contingências, para além de algum descontentamento perante o seu trabalho transato. Neste sentido, entre 1964 e 1965, Bob inicia uma transição para um folk-pop-rock e retoca a sua aparência, não descartando o uso de instrumentos eletrónicos nos seus trabalhos consecutivos. Esta mudança de atitude gerou alguma controvérsia e até animosidade por parte dos que associavam o norte-americano ao ressurgimento do folk americano clássico. Contudo, composições como “Mr. Tambourine Man”, “It’s All Over Now, Baby Blue” e “It’s Alright Ma (I’m Only Bleeding)” são consideradas como três das mais relevantes músicas do repertório do artista e foram todas elas criadas neste período. Em 1965, outro dos principais singles da carreira de Dylan foi produzido, sendo este “Like a Rolling Stone”, nomeada uma das 500 melhores de sempre para a conotada revista Rolling Stone, consolidado pelo álbum “Highway 61 Revisited”. Secundado pela The Band, realizou o álbum “Blonde on Blonde” (1966), onde fundiu a vertente hipster de Dylan e o tradicionalismo proveniente de Nashville e da supracitada banda. Nesse mesmo ano, viaja para a Austrália e expande-se na Europa, fazendo a reconciliação com a sua massa de fãs e retomando, nas primeiras partes dos seus concertos, o uso da harmónica e da guitarra acústica. Contudo, a sua vida e obra são apanhados numa emboscada e quase acabados de forma abrupta.
Para combater o cansaço acumulado, o artista tomou substâncias ilícitas que lhe viriam a ser danosas. Para além disso, a 29 de junho do ativo ano de 1966, Bob Dylan tem um aparatoso acidente com a sua moto, partindo várias vértebras no seu pescoço. Na sucessão deste episódio viriam oito anos sabáticos sem quaisquer concertos dados. Todavia, nesse prolongado hiato, permaneceu na produção lírica, criando a mítica “All Along the Watchtower”, celebrizada pelo guitarrista psicadélico Jimi Hendrix; e a lançar música mais consonante com as suas origens. Célebres também se tornaram as frequentes colaborações com Johnny Cash e a sua omissão do festival Woodstock, de 1969. Os anos 70, por sua vez, assistem à ressurgência de Bob Dylan aos palcos e aos êxitos, começando por “Knockin’ on Heaven’s Door”(1973), que se tornaria numa das músicas a ter mais covers de sempre. Para além disso, desenvolveu também a sua componente de desenhista e de pintor, aventurando-se em autorretratos, aguarelas, guaches, lançando seis livros desde 1994 e até expondo nos quatro cantos do mundo. Um ano profícuo em parcerias e em concertos por todo o mundo, destacando-se 1978 pelos 114 existentes entre Ásia, Europa e EUA. O seu legado, mais do que afirmado e assegurado, seria consolidado em mais álbuns, apesar dos altos e baixos que a exigente e divergente tendência musical implica. Os mesmos apresentam-se a seguir:
- Blood on The Tracks (1975)
- Desire (1976)
- Time out of Mind (1997)
- Love and Theft (2001)
Entre onze Grammy Awards, um Academy Award e pelo reconhecimento no Rock n’ Roll Hall of Fame, há muito mas muito mais que se pode contar sobre Bob Dylan e a orla de influência que construiu desde os anos 70. A sua escrita cruzou a poesia com a música, sendo um dos pioneiros, ao lado de Jim Morrison, na sua fusão e no tratamento de ambas como uma só. Esta proeza lírica valeu-lhe o Prémio Nobel da Literatura em 2016, precisamente devido a um legado na composição musical que se equipara, também, ao de Leonard Cohen. Instrumental e melodicamente, revelou-se o salvador do folk que se ia camuflando graças à emergência do profundo jazz e ao grito de revolta do rock.
A força da palavra que transmitia com a sua vigorosa melodia, para além da temática incisiva e profunda, permitiu que o reerguimento do folk decorresse de forma subtil mas natural. Não obstante o seu caraterístico estilo, não se esqueceu de provar de tudo que havia para provar. Country, gospel, blues, R&B e rock n’ roll. Por esta versatilidade, nomes como Neil Young, Nick Cave, David Bowie, Syd Barrett, Tom Waits, Patti Smith, Joni Mitchell e os quatro Beatles de Liverpool louvaram o seu papel na formalização espontânea da música. Esta como instrumento de sátira, de crítica e de reflexão mas também de sentimento e de comprazimento. Tudo passou pela mente e pelo coração de um referencial musical, o mesmo que às palavras deu verdade e à música uma renovada felicidade.