Byung-Chul Han mostra-nos a sociedade do cansaço e da individualidade

por Lucas Brandão,    7 Setembro, 2020
Byung-Chul Han mostra-nos a sociedade do cansaço e da individualidade
Byung-Chul Han

Byung-Chul Han é um dos filósofos de referência da atualidade. Nascido na Coreia do Sul, naturalizou-se alemão, pois foi nesse país que desenvolveu grande parte da sua carreira académica – permanece lá a trabalhar – e dos seus contributos à filosofia. Discursa sobre conceitos primordiais da atualidade, nomeadamente sobre o impacto da tecnologia na sociedade contemporânea, assim como nos próprios mecanismos do capitalismo. É na Universidade das Artes de Berlim que vem trabalhando e onde continua a exercer o seu peso como catedrático e meditador sobre os desafios que o mundo enfrenta.

Byung-Chul Han nasceu em 1959, não se sabendo, ao certo, o dia e o mês. Só se sabe que nasceu em Seoul, capital da Coreia do Sul, cidade onde cresceu e estudou até chegar à universidade, onde se especializou em metalurgia. No entanto, foram outras áreas aquelas que o fascinaram quando passou a viver na Alemanha, então República Federal Alemã, nomeadamente nas cidades de Friburgo e de Munique. Filosofia, literatura alemã e teologia cristã foram os temas que o motivaram a redigir uma dissertação sobre o filósofo Martin Heidegger em 1994, que lhe permitiu obter o doutoramento em Friburgo. Em 2000, juntou-se ao departamento de filosofia na Universidade de Basileia, cargo ao qual se sucederia um papel de professor na universidade de Artes e Design de Karlsruhe. Após o doutoramento, assim, pôde inteirar-se mais da filosofia do século XVIII ao atual, assim como da fenomenologia, da teoria da cultura, da filosofia intercultural e da teoria dos media. A sua escola tornou-se, assim, fundamentalmente associada aos movimentos do pós-modernismo e do próprio existencialismo. De Heidegger, retira o “ser-aí”, um ser que, apesar de individual, se depara com os desafios do exterior; um ser que, como Sartre defendia, ia construindo a sua essência numa liberdade falsa, condenada à obrigação das escolhas e das decisões.

Capa do livro

Dominá-los contribuiu para que se tornasse num professor diferenciado nas cadeiras de Filosofia e de Estudos Culturais em Berlim, na sua Universidade de Artes. Embora autor de diversas obras, mantém-se fiel aos seus valores, explorando pouco sobre a sua vida pessoal no seu trabalho e não dando quaisquer entrevistas a órgãos de comunicação social. O sul-coreano, entretanto alemão, lançou alguns livros relevantes na década de 2010, abrangendo os temas que estuda e leciona ao serviço da sociedade atual. “Sociedade do Cansaço” (2010) e “Sociedade da Transparência” (2012) são dois daqueles que estão editados em Portugal, ao contrário de “Shanzhai”, um neologia que procura percecionar modos de desconstrução nos procedimentos e métodos do capitalismo chinês. O cansaço e a transparência são, assim, temas prementes no seu estudo daquilo que considera, como vigentes, as forças do mercado neoliberal. O cansaço vem resultando de uma necessidade compulsiva de cada um se manter ativo e de ser empreendedor, sendo um ritmo de tal modo frenético que, numa sociedade neoliberal cada vez mais, aparentemente, igualitária, leva ao extenuar. A transparência torna-se extremada ao ponto de se tornar quase pornográfica, contribuindo para que um certo “totalitarismo” de crescente abertura ao mundo exterior ponha em causa a confiança, a intimidade e o próprio pudor dos indivíduos.

A preocupação de Han permaneceu, assim, debruçada sobre a azáfama da sociedade de um capitalismo tardio, muito movido pelas forças tecnológicas que contribuem para as próprias forças económicas. São vários os valores que, aqui, entram em interação, nomeadamente a questão da saúde mental e emocional (destaca-se a depressão, a hiperatividade, o burnout mental, a bipolaridade e o défice de atenção, tanto de crianças como de adultos), a sexualidade, a violência e a liberdade. “Sociedade do Cansaço” é, talvez, o exemplo que melhor traduz a visão do filósofo sobre a sociedade. Carateriza-a, assim, como um ambiente patológico de neuroses, muito pautado por uma positividade excessiva. A necessidade de não falhar e de, antes, perseverar, acompanhada por uma obsessão pela eficácia, conduz a que os seres humanos se tornem, ao mesmo tempo, responsáveis e vítimas e, por conseguinte, se tornem mais próximos do colapso, por tamanho desgaste e exploração dos seus recursos físicos e mentais. O neoliberalismo atual, a seus olhos, é um sistema cada vez menos hierárquico e mais individualista, dando a sensação de que cada um detém a primazia dos seus meios de produção e que, a partir destes, é possível ser o melhor. Num discurso de tom subido, Han compara esta dualidade à relação mestre-escravo, voltando-a para o interior de cada um dos indivíduos. Cada um depara-se com esta luta, com este confronto com o objetivo de obter uma espécie de prémio, de tal modo que o próprio comportamento se torna desenfreado e excessivamente competitivo.

Capa do livro

Latente fica a ideia dos seres humanos acharem que se tratam de projetos, perante as transformações e reinvenções que se lhe permitem. Esta forma de restringir compulsivamente o seu ser e atuar em sociedade ajuda a que se concretize a subjugação que tentam negar, mas que acontece em relação a si mesmos. São as limitações internas que acabam por motivar um processo desmesurado de otimização constante e sistemática. Outra obra que se complementa é “Agonia do Eros” (2012), onde a questão do amor é colocada perante este paradigma social e económico.

Aqui, coloca a sociedade em perspetiva perante o filme de Lars Von Trier “Melancholia” (2011), de onde extrai as ideias de uma sociedade cada vez mais sustida por um narcisismo que reforça a autorreferenciação e que perde o outro do encalço, que o exclui do seu desejo e da sua paixão, que o exclui de uma devoção de si para com o outro. A incapacidade de desenvolver relações humanas torna-se, assim, numa realidade, com a própria exposição da dimensão carnal humana a refletir isso mesmo, a revelar-se menos passional e até erótica, menos associada ao próprio conceito de amor. A “agonia do Eros” é, desta feita, mais uma agonia do pensamento, uma agonia que se depara com a revelação de tudo e com o mistério a dissipar-se. A liberalização torna-se, assim, mais nociva que saudável.

“Topologia da Violência” (2011) ajuda a que o sul-coreano naturalizado alemão analise a proximidade da sociedade colapsar, já apontada em “Sociedade do Cansaço”. A violência, apesar de não tão direta e expressiva, torna-se mais subtil, em função de uma crescente individualização do ser humano. Apesar de não ser esclarecida e identificada, ela é mais anónima e despojada de dependências, podendo até atuar de forma mais sistemática, contribuindo para que a liberdade se torne, crescentemente, numa falácia. Uma das primeiras obras da sua autoria, “Psicopolítica” (2000), relata, a partir de nomes como Freud, Heidegger e Foucault, aquilo que é um estudo pormenorizado e histórico do conceito de violência. A violência começa a ter uma relação unipessoal, sendo o próprio responsável e vítima, perpetrador e ferido, perante as exigências do exterior, fortemente pautadas pelo neoliberalismo. As culpas das suas falhas e fracassos recaem em si mesmo, o que originam essas novas formas da violência se exprimir.

Como tese, procura assinalar em diferentes formas, podendo ser distinguidas entre “positivas” e “negativas”. Enquanto a negativa se manifesta, nomeadamente, através da guerra, da tortura, do terrorismo e do confronto físico entre duas ou mais pessoas, já a positiva revela-se dessa forma cada vez mais subtil e silenciosa, numa obsessão crescente de um indivíduo para consigo mesmo, em prol de uma atenção excessiva, procurando atingir metas de produção e alcançar certas metas. Assim, contribui para um gradual definhar da saúde física e mental, uma invasão que se infiltra pelo corpo e que pode, assim, ser o catalisador de enfartes, de AVCs e de outras enfermidades cardiovasculares. A isso, contribuem as “vitrines” das redes sociais e da própria Internet, que leva a que, numa dinâmica quase competitiva, haja uma exposição colossal da intimidade de cada um, enquanto se depara com as “proezas” do outro e pretende superá-las.

Byung-Chul Han continua a ser um filósofo relativamente recente na discussão de questões determinantes na sociedade, nomeadamente a sua crescente individualização e alienação. Exemplo disso são os livros mais recentes da sua autoria, datados já da década de 2020: o cultivo biológico fertilizado em “Louvor da Terra”, o estudo dos ritos em “Do Desaparecimento de Rituais”, uma reflexão sobre o medo em relação à sociedade em “A Sociedade Paliativa” (todos editados no ano de 2020 pela Relógio d’Água); considerações sobre a morte com olhares da filosofia em “Rostos da Morte”, o desvanecimento do sentimento de apego em relação a elementos tangíveis da realidade com a hiperdigitalização no livro “Não-Coisas”, as alterações políticas e as dúvidas no próprio conceito do ser democrático com “Infocracia” (três livros de 2021) e, por fim, “Vita Contemplativa”, uma resposta contemporânea à obra de Hannah Arendt “A Condição Humana”. Já em 2024, chegou a recente publicação de “A Crise da Narração”, que adota as narrativas e o processo de storytelling como objetos de estudo e como veículos de mensagens e de valores consumistas, dispersando-se por entre a informação massificada que aprofunda a solidão individual.

Apesar da sua quase inexistente presença fora do seu trabalho, são várias as críticas favoráveis aos seus livros, embora, por isso, permaneça como um trabalho que aguarda ser descoberto e desvendado. Não obstante, como referido, a sua edição em Portugal é já ampla e a sua literatura encontra-se quase integralmente à disposição das livrarias nacionais. Naquilo que é um período da história a pedir respostas dos sociólogos, dos psicólogos e dos demais pensadores, Byung-Chul Han surge como uma alternativa contemporânea e relevante, que contribui para um diálogo importante e urgente. Um diálogo que, claro está, não esqueça o papel determinante do outro.

Este artigo foi atualizado em anos posteriores ao da sua publicação com informação sobre a bibliografia redigida pelo autor.

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