Cassiano Branco, uma lufada de ar moderno na arquitetura portuguesa

por Lucas Brandão,    24 Dezembro, 2017
Cassiano Branco, uma lufada de ar moderno na arquitetura portuguesa

Cassiano Branco foi um nome relevante no contexto da arquitetura nacional, virando a página das tradições rudimentares e arcaicas para uma atualidade moderna e vanguardista. Por todo o país, foi responsável por uma série de obras públicas e privadas, onde se fez denotar pela sofisticação, e pela necessidade de imprimir uma nova imagem daquilo que era uma nação ainda submergida na história. Se Portugal ficou a conjugar o presente e o futuro, também o deve a um arquiteto que, ao lado daquilo que erigiu, se assume como uma referência na renovação instrumental e direcional da realidade nacional.

Cassiano Viriato Branco nasceu a 13 de agosto de 1897, na cidade de Lisboa. Filho único de uma família de Alcácer do Sal, foi em Lisboa que usufruiu da sua formação primária, tendo travado conhecimento com um futuro engenheiro e seu duradouro colaborador, de seu nome Ávila do Amaral. Em 1912, com somente 15 anos, inscreve-se na Escola de Belas Artes de Lisboa, mas, ao sentir-se descontente com o decurso do curso, interrompe os estudos dois anos depois, passando a frequentar o ensino técnico-industrial. Foi um período em que mostrou o caráter inquieto e insurgente que foi dominando o seu dia-a-dia, levando-o até a ser suspenso, e a reprovar em várias unidades curriculares. Em simultâneo, assume funções de gestão e de supervisão numa pequena fábrica, ao lado do pai, seguindo-se um papel semelhante num banco.

Com 20 anos, casou-se com Maria Elisa Soares Branco, tendo a sua única filha um ano depois, e finalizado os estudos em 1919. Este é um ano que é marcado por várias viagens ao exterior por parte de Branco, usufruindo das vagas artísticas nutridas por Paris, Amesterdão e Bruxelas, que lhe reconfiguraram a visão que detinha sobre a realidade edificada e disponibilizada. O tónico que necessitava para voltar à Escola de Belas Artes foi dado, e, assim, regressa para estudar arquitetura, completando a sua graduação em 1927, mas recebendo o diploma em 1932, aos 35 anos. Antes de finalizar o curso, ingressa na Maçonaria, e perceciona os seus futuros rumos criativos na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas. Pouco depois, dá atenção aos primeiros trabalhos dos quais se encarrega, entre eles as instalações da Câmara Municipal da Sertã (1925-27), e o stand Rios de Oliveira, na lisboeta Avenida da Liberdade (1928).

Entretanto, também planeou ajustes e alterações a obras já realizadas, como o Coliseu de Lisboa, e o próprio projeto de urbanização da zona da Costa da Caparica, que não seria aprovado, à imagem dos demais urbanistas que apresentou. Esta proposta, apesar de não ter saído do papel, tornou-se o mote para que vários projetos de cariz exuberante e modernista fossem elaborados. Para este tipo de conceções, inspirou-se em preceitos de arquitetos, como os do franco-suíço Le Corbusier (aplicados à cidade de Paris), os do italiano Antonio Sant’Elia (a idealização da Cittá Nuova), e os do francês Tony Garnier (tese sobre a Cité Industrielle). Essa perceção das debilidades urbanísticas levou-o a projetar um espaço amplo e extensível por toda a marginal, culminando com um número de pontes pedonais e de hotéis de luxo, um pouco inspirado na disposição californiana. O seu vanguardismo, alheio à faceta conservadora de então, acabou por ser um empecilho para a aceitação dos seus projetos, que contou com a idealização de uma “cidade do cinema para Cascais, enquadrado na proposta feita por um grupo económico ao arquiteto.

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Desdobrável com a planificação urbana para a zona marginal e urbana da Costa da Caparica

O palco modernista onde atuou na elaboração e conceção arquitetónicas, contou, para além do seu vulto, com Pardal Monteiro, Cottinelli Telmo, Rogério Azevedo, Trigo de Morais (com quem fez várias barragens) ou Jorge Segurado, nomes com quem partilhou experiências, pensamentos e atuações. É um palco de visões amplas e profundas, sustentadas no modernismo que havia chegado à Europa para ficar, para além da já conhecida e entranhada Art Déco. Esta corrente artística levava-o, para além de atender ao fator ornamental, ao rigor geométrico, à potenciação volumétrica dos lugares e dos materiais, e a balançar entre a presente Arte Nova e a emergente toada modernista. Espaços que destacam esse vigor e essa sofisticação para a data e para o lugar são o Hotel Vitória (1934), em Lisboa, e o imponente e divergente Coliseu do Porto (1939), para além de vários projetos avulsos e de edifícios habitacionais, que ganharam réplica e expressão nos anos 30, e que destacaram o prodígio arquitetónico dessa geração. São obras que se destacam, num fluxo de obras que se estendeu por toda a pólis lisboeta – como os alpendres nos Restauradores e no Rossio – embora pese ser um trabalho que não descarta as demais cidades e vilas constituintes do país.

Estes projetos destacariam o jogo de formas e de jeitos geométricos, cruzando ritmos e volumes em edifícios de interesse público. Especificando o caso do Hotel, foi elaborado em plena renovação da cidade, e, situado na Avenida da Liberdade, acabou por se tornar num dos pilares mais imponentes da Lisboa em plena modernização. Seria um lugar de tamanho destaque e proeminência que seria albergue de vários espiões franquistas e nazis, mas que cairia em notoriedade com o surgimento de novos espaços hoteleiros. No entanto, a oposição que declarava em relação ao regime salazarista impedia-o de estar encarregue de projetos de visibilidade, e que lhes permitiam granjear um outro prestígio. Isso não o impede, contudo, de fazer parte, se bem que com um tímido plano de urbanização, na Exposição do Mundo Português (1940), evento de celebração e de celebrização do Estado Novo.

Afastado dos habituais meios profissionais, o seu trabalho decorreu muito à base de encomendas, embora pese a variedade daqueles que lhe contactavam para desenvolver o seu trabalho. Isso acabou por se repercutir nas várias facetas pelas quais este é constituído, atuando muito em contextos urbanos. Não obstante os edifícios de grandes dimensões aos quais deu forma e matéria, reforça-se o sentido plástico e cosmopolita que suscitam, capaz de integrar as várias tendências e vibrações das correntes artísticas emergentes no continente europeu. Trabalhando para uma procura especialmente privada, acaba por esbarrar em algumas pretensões de vários homens de negócios e abastados, gerando conflitos particularmente pelo seu próprio feitio irreverente, de complicada abordagem. Assim, acabou por deixar projetos incompletos, tais como os cinemas Éden (1937) e Império (1952), embora o seu cunho se tenha tornado indelével e muito evidente no final das suas construções.

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Cinema Império (1952), em Lisboa

Mesmo estando assente o seu desagrado em relação à ditadura vigente, o seu estilo não esteve totalmente desligado do então empregue, comumente designado por “Português Suave”, dominado por obras de cariz nacionalista e laudatório. Entretanto, esteve encarregue de engendrar, a convite do médico e filantropo Fernando Bissaya-Barreto, o Portugal dos Pequenitos, obra que demorou 25 anos a estar efetiva e pronta, e que retrata vários pormenores particulares e peculiares do país, sintetizando a história e a cultura de Portugal. Foi um período que, com um odor visual muito próximo da Art Déco, contou com várias moradias de luxo no pecúlio do arquiteto. Também com um eixo de conceção muito tradicional estão o Grande Hotel do Luso (1940) e o edifício da Praça de Londres (1951), em Lisboa. A década de 40 avolumou o número de projetos por serem viabilizados ou aprovados pelas várias instâncias envolvidas, em especial projeções para modernizar os espaços culturais e habitacionais da capital. No entanto, assiste-lhe e assiste-se a uma ambiguidade que tenta distar o seu trabalho das influências políticas e arquitetónicas de então, caminhando entre o excesso e o diminuto, e aceitando divagar entre a história e o monumental, e o urbano e o funcional. Foi uma época em que chegou a perspetivar uma ponte sobre o Rio Tejo, que se viria constituir poucos anos depois.

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Portugal dos Pequenitos (1940), em Coimbra

Os anos 50 trouxeram a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República e, como convicto detrator do regime de então, apoiou o seu intento. Porém, e antes de qualquer ato eleitoral, acabou detido pela PIDE, que lhe viria a prejudicar a carreira. Pouco antes da arquitetura salazarista ser derrubada por completo, viria a partir, no dia 24 de abril de 1970, aos 72 anos. Antes, havia apresentado projetos para a estação de Galegos, na zona fronteiriça, para o posto de correios de Portimão, e para um prédio de arrendamento na Rebelva, em Carcavelos; para além de ser responsável pelas estações ferroviárias de Benguela e de Lobito, em Angola. Como símbolo incontornável da disposição e arquitetura passada e atual da cidade lisboeta, tornou-se eternizado na zona de Chelas com uma rua à qual empresta o seu nome.

Cassiano Branco tornar-se-ia numa referência na arquitetura nacional, culminando no legado que perpetuou até aos dias de hoje. Personalidade descortinada e explorada pelo meio académico, tanto através de teses, como de ensaios, o criativo destacou-se pela inauguração de uma nova e renovada página na história da edificação nacional. O fulgor modernista que incorporou nas várias viagens que fez foram sustento necessário para uma série de obras que desvendou, em especial, uma Lisboa mais cosmopolita e vanguardista, não obstante o “Portugal suave” do regime salazarista. Apesar de grande parte das obras ter soçobrado perante as novas gerações de planeamento urbanístico e arquitetónico, a sua referência não mais se perdeu no mapa de personalidades influentes e irreverentes no panorama cultural nacional. Embora se tenha perdido as proporções desse nome, mantém-se preservada e erguida esta figura de renome.

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Grande Hotel do Luso (1940), no Luso

 

Fotografia em destaque: Coliseu do Porto (1939)

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