Cientistas utilizam geocaching como ferramenta para avaliar valor cultural dos ecossistemas
Os praticantes de geocaching, o conhecido jogo mundial de caça ao tesouro ao ar livre, mostram preferir em Portugal as paisagens abertas e com água – e, entre as paisagens de floresta, o montado surge como a preferida. Estes são os resultados de um estudo científico agora publicado na revista Ecological Indicators, que utiliza pela primeira vez o geocaching como indicador para avaliar os serviços culturais prestados pelos ecossistemas: serviços difíceis de medir, pouco estudados, mas fundamentais no processo de definição de estratégias de gestão e conservação mais eficazes.
São várias as formas através das quais os ecossistemas contribuem para a nossa qualidade de vida. Para além de recursos e serviços palpáveis – como alimento, água e materiais, entre outros –, a nossa interação com a natureza traz-nos também benefícios não-materiais igualmente importantes. A recreação e o enriquecimento cultural, espiritual e estético – os chamados serviços culturais prestados pelos ecossistemas – levam-nos a estabelecer fortes laços emocionais com a paisagem. Esta importância cultural dos ecossistemas é difícil de avaliar e, por isso, pouco estudada, mas um aspeto fundamental do ponto de vista da conservação.
Pela primeira vez, uma equipa de investigadores portugueses determinou a preferência por diferentes paisagens utilizando a base de dados do geocaching: um jogo de caça ao tesouro em que os participantes (geocachers) procuram pequenos recipientes ou objetos (as caches) com a ajuda de um GPS ou telemóvel. Encontrada a cache, os jogadores registam a sua atividade no site oficial, podendo escrever, adicionar fotografias e atribuir uma pontuação à experiência de busca pelo tesouro. Em Portugal, existem atualmente mais de 51 000 geocachers.
“Os resultados indicam que não existe preferência por nenhum tipo de paisagem quando os geocachers planeiam a sua visita – a sua principal motivação é a aventura de procurar e o entusiasmo de encontrar, destacando-se ainda o respeito pela natureza. No entanto, uma vez no local, verificamos que os geocachers preferem paisagens abertas ou com água, seguidas de paisagens com floresta”, explica Inês Teixeira do Rosário, investigadora de pós-doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e primeira autora deste artigo.
Entre as paisagens com floresta preferidas pelos geocachers destaca-se o montado, paisagem de grande valor económico e socioecológico para Portugal. “Tendo em conta o valor que o montado representa para o país, é importante termos estudos que comprovem também a sua importância cultural, mais difícil de quantificar”, explica Inês Teixeira do Rosário, que acrescenta: “Considerando as dificuldades que este ecossistema enfrenta, como a mortalidade das árvores, é também importante perceber que existem outras atividades compatíveis com as existentes que poderão ajudar os gestores na sua conservação”.
Até agora não se tinha utilizado o geocaching para este tipo de abordagem, e foi o facto de esta base de dados reunir não só fotografias, como também textos e classificações atribuídas pelos geocachers, que levou os investigadores a explorar este método para avaliar os serviços culturais prestados pelos ecossistemas. Através de dados recolhidos no fórum português de geocaching, os investigadores verificaram em que tipos de paisagem se encontravam as mais de 35 000 caches ativas em Portugal continental à data do estudo, em finais de 2016 (atualmente, este número ascende a cerca de 40 500). Calcularam ainda a frequência de visitas às caches, bem como o total de fotografias, e analisaram os votos e a extensão dos textos publicados pelos jogadores após encontrarem as caches, em função do tipo de paisagem – o que revelou a preferência por paisagens abertas e com água e, entre os vários tipos de floresta, pelo montado.
“Estes resultados indicam que vários tipos de paisagens, incluindo o montado, têm importância para quem gosta de atividades ao ar livre, e que estas atividades devem ser tidas em conta no ordenamento no território e na gestão das propriedades”, conclui Inês Teixeira do Rosário.
Este estudo resulta da colaboração entre investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Ciências ULisboa), da empresa de consultoria ambientalBioinsight, do Centro de Estudos Florestais (Instituto Superior de Agronomia – ULisboa) e do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais CICS.NOVA (Universidade Nova de Lisboa).