“Clube da Felicidade”, de Carlos Coutinho Vilhena
À primeira vista, “Clube da Felicidade” e “O Resto da tua Vida” podem parecer dois projetos distintos, sem qualquer interligação ou semelhança. No entanto, percebemos que a essência pode passar pelo mesmo: as dificuldades de uma classe artística. Se em “O Resto da tua Vida” ficámos a conhecer João André, em “Clube da Felicidade” ficámos a conhecer quem nos deu a conhecer, verdadeiramente, o João André.
O conceito desta nova série de Carlos Coutinho Vilhena, pode ser confundido com presunção ou narcisismo, no entanto, passará antes pela humildade e generosidade da parte do artista, ao mostrar as suas fragilidades e impasses criativos nos tempos que precedem a sua obra de maior relevo até então. Há a necessidade de encontrar um novo propósito, algo em que possamos acreditar novamente e que nos mova até à sua realização. Porém, esse propósito é, por vezes, trabalhoso, difícil de atingir. Pode obrigar-nos a parar para olhar mais à nossa volta, mas nem sempre temos esse tempo para a renovação (“Eu queria que o tempo parasse/ Só para olhar mais uma vez à minha volta/ Congelar tudo o que vejo na minha memória/ Que eu sei tudo o vento levará”). Pode surgir a inevitabilidade de uma fuga, como Carlos fez. A ida para a comunidade experimental onde o seu primo já vivia é o começo da busca pela sua fórmula para a felicidade. Esta mudança obriga a desapegos, o mais importante talvez, ao saudosismo (“O saudosismo é conduzir ao olhar, constantemente, para o retrovisor e digo-vos já que não é muito boa ideia, foi assim que eu parti o meu Lancia todo” — Júlio Isidro). O saudosismo prende-nos à nossa zona do conforto, impossibilita o crescimento. Carlos abandona este obstáculo e substitui-o pelo experimentalismo, não só pelo facto de se adaptar a uma nova rotina, mas também pelas experiências que vai fazendo: sketches, filme de guerra e até um musical, que definitivamente impõe a sua saída da zona de conforto. A zona de conforto é um sítio perigoso que nos impede de nos olharmos como um terceiro e de nos autoanalisar e criticar (“Não fiques preso pela aprovação social, o que importa é a mensagem que passas enquanto artista” — Primo de Carlos).
O que nos faz desprender do saudosismo é a liberdade. O que nos faz atingir a liberdade é conseguirmos o que queremos. Talvez por isto se explique a utilização da música “Society” (“And you think you have to want more than you need/ Until you have it all you won’t be free”) de Eddie Vedder no segundo episódio (“Saudosismo”). Música essa escrita para o filme “Into the Wild”, cujas parecenças com ”Clube da Felicidade” são evidentes.
Em “Into the Wild”, Christopher McCandless, apesar do seu futuro promissor e da vida privilegiada, abandona o seu quotidiano à procura aventuras com a sua caravana, transformando-se num símbolo de resistência e da luta para manter o precário equilíbrio entre o homem e a Natureza. As próprias semelhanças estéticas entre os cartazes das duas obras e da própria caravana, ajudam a cultivar esta referência à obra de Sean Penn.
Através de uma narração abundantemente metafórica, Júlio Isidro vai-nos contando a vida do “malandro” e ajuda-nos a chegar à fórmula de Carlos para a sua própria felicidade. Uma fórmula destacada no genérico desde o primeiro episódio, mas à qual só vamos chegando com o decorrer da série, através do nome dos próprios episódios que nos indicam que:
FA=P-(D+S+A E C)MF
Felicidade = Propósito – (Dinheiro + Saudosismo + Aprovação, Ego, Comparação) MF
Ao contrário das fórmulas matemáticas, como a fórmula de uma função quadrática (f(x) = ax2+ bx + c), a fórmula para a felicidade é pessoal. Cabe a cada um descobrir a sua própria fórmula. Um processo doloroso e, talvez, demoroso como Carlos nos mostra nesta nova série. Mas que é afinal o clube da felicidade? Existe um clube da felicidade? Como é que se faz para lá entrar? Mas quem é que pertence ao clube? São tudo perguntas às quais devemos ir respondendo com o tempo. Cada um tem o seu clube. O clube poderá ser composto por ideias, pessoas ou emoções. O humorista apenas nos mostra o seu clube e como ele funciona. No fundo, e como o próprio refere, é a sua vida, mas com edição, o que confere à obra uma beleza estética sem igual, como já tínhamos sido habituados em “O resto da tua vida”.
A história vai-se construindo, sem certezas do final, porque se trata da vida do autor e, como tal, ela continua, há coisas a acontecer. Pelo que não há melhor forma do que acabar este texto do que senão da mesma forma, com alguma incerteza, no fundo porque será sempre impossível responder a todas as dúvidas que possamos ter.
“Andava malparado e sem saber, nesta história se é obrigatório que ela chegue ao final. Pra todo o mau bocado que vier à memória, há sempre um argumento que o faz ser bom.”, como escreveram os Capitão Fausto, na canção “Certeza”.
Crónica de Eduardo Monteiro Moreira.
O Eduardo é Humorista e Guionista.