Comédias do Minho medem pulso à actual cultura do trabalho e estreiam “A Perturbação do Cidadão Exemplar”
As Comédias do Minho estreiam “A Perturbação do Cidadão Exemplar”, com encenação e direção artística de Joana Magalhães. Ao longo de um mês, de 23 de junho a 24 de julho, o espetáculo de teatro será apresentado ao ar livre, nas vilas e aldeias de Paredes de Coura, Melgaço, Vila Nova de Cerveira, Monção e Valença.
Tomando como inspiração uma das estórias mais célebres de Herman Melville, “Bartleby”, este espetáculo coloca em arena de combate o conceito de trabalho, tal como hoje o conhecemos. Celebra-se o ritmo como força pulsante e formadora de humanidade, num mundo-máquina desprovido de corpo-animal.
Segundo Magda Henriques, responsável pela direção artística das Comédias do Minho, “este espetáculo faz parte de uma programação desenvolvida ao longo de 4 anos em torno de uma ideia de justiça. Falar de uma ideia de justiça hoje implica necessariamente um olhar sobre o trabalho. Quais as suas práticas? Que lugar ocupa nas nossas vidas? Como as desenha e, por consequência, que mundo(s) cria?”, afirma.
Numa altura em que o cenário político e económico se contrai, este espetáculo expõe as engrenagens quotidianas da nossa cultura de trabalho. O cidadão exemplar procura um ritmo próprio, mas quais são, afinal, as opções que lhe restam?
Joana Magalhães argumenta que “para uns, a velocidade passou a ser o inimigo. Para outros, o caminho é o aceleracionismo. Tudo isto dentro do paradigma da produtividade, que pensa o “desacelerar” como produzir menos e o “acelerar” como produzir mais. Um paradigma que me parece demasiado distante do corpo dito “humano” e mais próximo do “corpo-máquina”. Ritmar a ordem, seja ela desaceleracionista ou aceleracionista, colocando-a em causa, obedecer às regras que nascem do caos e estar atento a elas, parece-me a forma mais justa de trabalhar e viver. Enquanto isso não acontece, podemos contar histórias. Dos que obedecem ao ritmo, dos que lhe desobedecem, dos permissivos, dos insubmissos, dos que são exemplares, dos que são preguiçosos, dos que não são nomeáveis. Do ritmo.”
Para construir a dramaturgia, Joana Magalhães utilizou excertos de um texto original de Gonçalo M. Tavares (“A perturbação do Cidadão Exemplar”), bem como de outros textos de Ricardo Neves-Neves (“A ilha do desporto”), Rui Pina Coelho (“Estética, resistência e melancolia”) e Bob Black (“A abolição do trabalho”).
Em cena, dois atores e três bailarinos constroem a estória desta perturbação, fazendo suar o discurso no corpo, ao ritmo frenético de uma bateria.