Comic Con. Começou bem mas acabou mal
Da alegria contagiante ao caos final. A Comic Con foi do céu ao inferno entre 12 e 15 de Setembro.
Com crescimento cada vez maior, o evento teve prova de fogo com a presença de Millie Bobby Brown. Se o esforço para ter a actriz em Portugal foi meritório, o que veio a seguir chamuscou.
A ficção emprestou as suas personagens para a Comic Con e misturou-se de tal forma com a realidade que esta se tornou um universo paralelo, próprio de “Stranger Things”.
Saíram aos magotes dos automóveis espalhados anarquicamente nas redondezas, percorreram a avenida e entraram pela porta principal do festival. Foi assim nos 4 dias do evento. A primeira imagem do recinto foi desafogada. A última seria caótica.
Porta para dentro, o registo no cartão de cidadão era irrelevante. As idades eram esbatidas. Pais e filhos iam de mão dada, tantas vezes com o filho “à civil” e o pai e a mãe vestidos de heróis Marvel.
Os cosplayers tinham espaço próprio dentro do recinto, onde vendiam merchandising e davam workshops. Mas, sobretudo, tinham o passeio marítimo de Algés como local de diversão. São parte do espectáculo em todas as edições.
Perto da Gaming Area, uma iguana com asas postiças fazia de Dracarys deitado no Iron Throne enquanto uma Ariel e uma Harley Quinn caminhavam amigavelmente para The One Theatre. Uma Maléfica deixava-se fotografar com festivaleiros enquanto esperava na fila para comer um gelado preto inspirado na série “Stranger Things”. Os menos distraídos puderam ver o actor Benedict Wong, os escritores Simon Scarrow e Kass Morgan a passear entre as tendas com Comics, Anime, Manga e Música, apesar do intenso calor e do muito tempo passado a dar autógrafos e a tirar fotografias. Mas por muito bem feito que fosse o cosplay, os intérpretes embateriam na realidade assim que chegassem à zona de restauração. E bem podiam sonhar com poderes especiais, ou com a destreza dos ladrões de “Casa de Papel”. Filas compactas e longas para a comida, depois outras filas para ir comprar bebida e se se esquecessem de pedir um café, azar dos azares, teriam de ir novamente para a fila onde se vendia cerveja, água e refrigerantes para tirar uma senha de forma a, posteriormente, ir para outra fila- esta bem menor- para beber café. E as escolhas não eram muitas. Poucas bancadas para muitos festivaleiros. Só a paciência do Professor Charles Xavier, dos “X-Men”, poderia aguentar o tempo perdido sem soltar vários palavrões. Mas não era nada que não se resolvesse com uma passagem pela área mais “Geek ” e absorver a filosofia zen do Mestres Jedis Obi-Wan Kenobi e Luke Skywalker. Bem guardados por um guarda imperial e por Kylo Ren, pousavam impávidos com os padwan que os solicitavam. Se a Força não era suficiente, podia-se passar para algo mais sangrento. “Counter Strike” reunia miúdos e graúdos em combates pela vida virtual.
Alheio à fome, um homem-aranha fazia bungee jumping simulando nas alturas atirar teias e gritando mais alto do que os concorrentes do concurso de gritos do Arroz Banzai. Todas as falhas eram mais do que compensadas pelo visível divertimento. Até ao último dia. O princípio desse domingo foi atípico. Apesar de haver muita gente nos 3 dias anteriores, o último prometia ainda mais gente. Logo na abertura de portas, havia filas com centenas de metros para a loja oficial da Comic Con. As primeiras pessoas chegaram por volta das 04 da manhã para, assim que abriram as portas, correrem o mais rapidamente possível para assegurar, a troco de 20 euros, um autógrafo ou, a troco de 30, uma fotografia com a cabeça de cartaz daquele dia.
As muitas t-shirts, o falso sangue no nariz, os suspensórios e o soundbyte “I dump your ass” não enganavam. Era o dia de Millie Bobby Brown, a El de “Stranger Things”. Tudo nesse dia parecia o preâmbulo para esse grande evento no Golden Theatre. As extensas filas para ganhar recordações prenunciavam uma enchente. Suspeitava-se que talvez o teatro, com cerca de 2000 lugares, não fosse suficiente para acolher tanta criança acompanhada da família. Os eventos anteriores no mesmo teatro esgotaram com pessoas a guardarem lugar para ver e ouvir, horas depois, Millie Bobby Brown. As ruas eram afluentes da praça junto ao “Golden Theatre”. As pessoas aglomeraram-se e esperaram para entrar. A falta de informação e o calor potenciaram o descontentamento. O rumor de desagrado foi crescendo e passou de surdina para vociferado. Famílias com adolescentes e crianças tinham comprado o bilhete diário com o propósito de verem a El. Sob um sol tórrido, centenas, ou talvez milhares, ficaram de fora da tenda a olhar para o ecrã gigante, só com a imagem, por a actriz não autorizar a captação de som. (A organização garantiu, em comunicado, que todas as pessoas que pagaram por um autógrafo ou fotografia estiveram com a actriz). A frustração surgiu em vaias, protestos e até lágrimas. Não conseguiram ver uma Millie Bobby Brown empática, divertida e capaz de corresponder às elevadas ilusões dos milhares de fãs dentro da tenda.
Os relatos do que aconteceu depressa se espalharam pelas redes sociais. No facebook, foi criado ”Os lesados da Comic Con”, a página do festival recebeu muitos comentários de desagrado e ameaças de processos.
De todas as provas que a organização passou, esta e a da restauração foram as que apresentaram mais dificuldades. Foram de fogo e chamuscaram muito do positivo que fizeram ao longo do evento.
Quem foi quinta, sexta ou sábado é bem provável que esteja na edição de 2020. Convidados como Avi Nash (“The Walking Dead”), Joaquim de Almeida, Alexander Ludwig (“Vikings”), Kevin McNally (“Piratas das Caraíbas”) foram os nomes mais sonantes. Quem foi no domingo para ver Millie Bobby Brown ( e não viu) é possível que jure não mais voltar.