Corre, Nick Murphy, corre

por Sofia Matos Silva,    16 Outubro, 2019
Corre, Nick Murphy, corre
Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA
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“I’m not made of stone”. Estas são as primeiras palavras de Nick Murphy para o Coliseu do Porto. Pertencem a “Hear It Now”, a primeira música de Run Fast Sleep Naked, o trabalho de estúdio lançado em abril pelo australiano. No entanto, apesar de a sala ter esgotado para ver e ouvir Nick Murphy, quem atuava há meia hora era Cleopold. Os dois compatriotas andam em tour desde 2015; Cleopold tem contrato com a discográfica gerida por Murphy, a Detail Records, tendo lançado o EP Altitude & Oxygen em 2016. A sua música catártica liberta o público das preocupações e desinibe-o. Nos últimos momentos da atuação, a plateia ondula alegremente.

Cleopold. Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

“My name is Nick Murphy”, relembra o artista. Mas a canção que se segue é uma dos tempos em que se apresentava pelo nome Chet Faker. “Gold” desperta uma reação efusiva do público, que berra e acompanha a letra de braços no ar. A transição para “1998” é quase psicadélica, com Murphy nos sintetizadores, acompanhado por uma batida intensa. “By the way, we used to be friends”, ecoa a sala. Quem quer que seja que já não é amigo do australiano, certamente arrepender-se-á da decisão; nesta noite, todos somos amigos. Pensando em texturas e construindo em vidro, enquanto correm rápido, mas parando para dormir nuas, cada e todas as pessoas estão unidas pela música e pela energia que Murphy desprende da sua audiência.

Enquanto o “Harry Takes Drugs on the Weekend”, Nick perde a cabeça e a plateia perde a cabeça com ele – e não só a plateia, porque os fãs nas tribunas e nos camarotes também dançam em pé. De cabeça perdida, é natural que os problemas continuem. “The Trouble With Us”, canção partilhada com Marcus Marr, dá continuidade ao processo de fazer subir a temperatura. As sequências rítmicas evoluem naturalmente para “Birthday Card”, fundindo as duas produções eletrónicas numa só. Sem nunca se cansar, a audiência acompanha com palmas e gritos de alegria, fazendo lembrar alguns dos melhores momentos da passagem de Nick Murphy pelo Festival de Paredes de Coura em 2017.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

A música não pára e Murphy lança-se num solo de piano, seguido de um solo de bateria, que precedem uma subida exponencial de batidas por minuto, culminando numa explosão de som recebida com uma enorme ovação. O mestre de cerimónias pede um aplauso para o baterista, como quem diz, “Yeah I Care”. De tanto correr, o músico decide que é suficiente e senta-se sozinho no piano. “I’m Into You” – a primeira faixa do EP de 2012 – proporciona um dos momentos infinitos da noite. O autraliano consegue um Coliseu em silêncio absoluto, silêncio este perfurado pelas notas marteladas com emoção no piano e pela voz de Murphy, à qual se juntam umas outras centenas. É certo que nem toda a gente canta, mas a sensação é de que as quatro mil pessoas presentes na sala cantam em uníssono as palavras desta demonstração de amor. “I know you don’t want / I love you can sing / The music was at the start / Do do do do do do do do do do do do”.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Nasce o primeiro aplauso estrondoso da noite. Sem se deslocar um centímetro, Nick salta sete anos no tempo. “Believe Me” é uma canção em que o australiano abre o coração por completo e nos deixa espreitar, mas quem se sente vulnerável somos nós. Entretanto, os outros músicos regressam ao palco. “Novocaine and Coca Cola” assinala o início do fim – num concerto com apenas treze músicas, o fim nunca está muito longe. Pessoalmente, esta faixa é uma das preferidas do disco; no entanto, o público parece momentaneamente distraído. Mas não por muito tempo. Chegou a vez de “Talk is Cheap”, o grande hino que marcou Chet Faker. Após um build up de cinco minutos, surgem as tão esperadas palavras: “Oh so, your weak rhyme / You doubt I bother reading into it / I’ll probably won’t / Left to my own devices / But that’s the difference in our opinions”.

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

“Talk is cheap, my darling”, entoa o Coliseu do Porto – com um fervor tal que se julgaria que cada pessoa presente na sala está igualmente com problemas no seu relacionamento. O aplauso é bastante ruidoso, mas Murphy ainda consegue fazer-se ouvir: “Obrigado! Thank you, Porto. I love you”. A saída do palco sem grandes despedidas anuncia pouco subtilmente o regresso do australiano. Após uns minutos, o palco preenche-se para duas músicas de Run Fast Sleep Naked. “Dangerous” é algo tocante e permite a Nick despejar ao microfone as emoções que traz consigo. “I have one more song”; assim é anunciada “Sanity”, recebida de imediato com sonorizações de alegria. O single mais recente recebe um fim instrumental à altura. Independentemente de a sanidade de Nick Murphy ser de questionar ou não, a verdade é que o compositor e letrista parece já não estar tão perdido. O artista apresenta um disco sólido e um concerto esgotado a uma quarta feira. Esta noite demonstra que o público português não se importa de dar tempo ao músico para encontrar a sua identidade, desde que continue a cumprir as promessas de “see you later.”

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

Fotografia de Sofia Matos Silva / CCA

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