Da esquerda à direita: o que Michel Onfray nos relembra

por Pedro Lopes Adão,    10 Novembro, 2021
Da esquerda à direita: o que Michel Onfray nos relembra
Capa do livro

Acaba de sair no mercado português — há coisa de uns dias — um livro de Michel Onfray, filósofo muito particular, intitulado Autos-De-Fé: A Arte de Destruir Livros (ed. Guerra & Paz, trad. André Morgado); tal livro está escrito num estilo esquisito, nervoso, ansioso, onde cada frase parece remeter galopantemente para o ponto final e para o princípio de uma nova. Não obstante disto, não procuro refletir o estilo, mas uma das temáticas que, em verdade, se difunde um pouco por todas as seis reflexões que Onfray faz acerca de livros — desde sociologia à psicanálise, o filósofo entende fazer do seu livro uma amálgama em cento e setenta e duas páginas.

Introdução do livro, bem como a primeira reflexão, acorda-nos para uma meditação política que, antes de tudo, me parece pertinente fazer ponto central deste artigo. A polémica é antiga e Onfray decidiu ser a gasolina numa matéria política sempiterna: (Extrema-) Direita vs. (Extrema-) Esquerda: ou seja, Marx, Lenine, Trotsky, Estaline, contra Mussolini, Hitler, Le Pen, Franco, Salazar… Na lógica ocidental, de acordo com o nosso autor e com os nossos próprios olhos, aconteceu um fenómeno de “esquerdo-esfera”, onde, por vias da moda social, do ensino e da doutrina geral, qualquer indivíduo é levado a associar as ideias de esquerda como comunitárias, justas, altruístas, humanistas (!), enquanto que as de direita são pretensiosas, pérfidas e, em último grau, fascistas, sempre fascistas — o fenómeno da “esquerdo-esfera” deve-se a Hitler, o grande trauma da Humanidade, ao seu Nacional-Socialismo, às suas SS, aos seus campos de concentração, a Auschwitz “Arbeit Macht Frei” [O Trabalho Liberta], ao seu ódio pelo género humano.

“Se houve, e muito bem, uma Nuremberga do nacional-socialismo, não houve, e muito mal, o equivalente para os crimes do marxismo-leninismo no século XX. As atrocidades leninistas, trotskistas, estalinistas beneficiam de uma extraterritorialidade moral (…)” [ibid, A Nuremberga do marxismo-leninismo, pág.51].

Facto curioso: Hitler, o grande trauma da Humanidade, conseguiu formatar o mundo, em matéria antropológica, fazendo-o divergir de tudo o que “cheire” a Direita. Mas, faça-se justiça, nem toda a Direita é Extrema-Direita: há muito boa gente dos espectros moderados, dos liberais, dos católicos, dos eixos centristas, dos ecologistas (ainda que esta filiação se enquadre mais para a esquerda, tendência geral): a Direita contemporânea é muito moderada, tem medo de altear a voz, não vá ser julgada de fascista, de extremista – em Portugal, por exemplo, o agora quase defunto CDS-PP, partido do centro, moderado, liberal e católico, chegou, na sua fundação, a sofrer de golpes contrarrevolucionários de Socialistas e Comunistas por, em democracia, uma parte doeleitorado salazarista ter migrado para as suas hostes, pois era a alternativa “mais à Direita” que existia.

Acabo de argumentar pacificamente aquilo que é uma verdade social. Porém, Michel Onfray, autor dos Autos-De-Fé, revela-nos, ou antes, relembra-nos algumas verdades da Esquerda. Se o grande trauma antropológico é Hitler, Onfray relembra Mao e a sua Revolução Cultural que dizimou milhares de pessoas (e um somatório aponta para 70 milhões de mortes à custa de Mao!); recorda-nos Estaline, homem malvado, e os seus Gulag, campos de concentração no gelo da Sibéria!, onde se morria da desumanidade e do gelo feroz: no somatório deste Ditador — que vai crescendo na medida em que mais registos se encontram —, estão 20 a 60 milhões de mortos.

A História não mente e é isso que Onfray tenta mostrar. Parece-me certo terminar com a seguinte citação “Se houve, e muito bem, uma Nuremberga do nacional-socialismo, não houve, e muito mal, o equivalente para os crimes do marxismo-leninismo no século XX. As atrocidades leninistas, trotskistas, estalinistas beneficiam de uma extraterritorialidade moral (…)” [ibid, A Nuremberga do marxismo-leninismo, pág.51].

Não me prolongarei. Agora a missão é do leitor. Pensai.

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