David Bruno ao vivo: uma ode à nossa nova casa, Gaia
Foi uma noite amena aquela que recebeu o ícone local David Bruno no Hard Club, no Porto, neste 25 de outubro. Uma sexta-feira que prometia, naquela sala 2, um ambiente efusivo e retrospetivo, que nos reencaminhasse até aos anos 80. E assim foi, mas toda esta reportagem não pode ser feita sem falar de tudo aquilo que envolveu a divinizada figura de David Bruno, herança já dos Conjunto Corona, em que é dB, produtor, ao lado de MC Logos.
Entramos na sala com o mítico António Bandeiras, um dos mais acarinhados nesta noite, que, fazendo lembrar Frank Zappa na aparência, foi passando e atirando os discos que ia passando. Ouviu-se Bon Jovi, Modern Talking, Eagles, Bonnie Tyler, Bryan Adams, Scorpions, Desireless, entre muitos outros monumentos musicais destas décadas que tanto influenciaram o percurso criativo de David Bruno. Bandeiras é um dos seus fiéis colaboradores, um acompanhante na vida e na música do artista, e, como tal, também ele um artista. Quem não o conhecia assim tão bem, foi conquistado pela sedução que incutiu nas duas horas em que espalhou estas memórias auditivas, acompanhado da sua rosa, dos cigarros que, amiúde, ia acendendo, e do copo de vinho que também se ia multiplicando. Foi ele que fez com que o atraso de David Bruno não se sentisse tão prolongado. O aquecimento estava feito, do corpo e da alma. Não era Jesus no palco, mas a sua aparição urbana misturada com um rasgo de macho latino.
David Bruno e o seu fiel companheiro, Marquinho – Marco Duarte, o guitarrista –, chegaram quando o relógio já mostrava as onze horas da noite. Uma ovação que encheu a pequena grande sala do Hard Club. “Gondomar, Gondomar, Gondomar” foi a receção com a qual o público presenteou este dueto de músicos. Valentim Loureiro soltaria uma lágrima se, porventura, soubesse a homenagem que lhe foi feita. Não só os anos 80 se sentiram bem presentes. Era uma autêntica maré de idolatria, uma idolatria que se sentia pura e verdadeira. Uma identificação que se foi perdendo, pelos ídolos que o tempo levou, mas que David Bruno conseguiu fazer ressurgir. Marquinho e Bandeiras sentiram-se contagiados por toda esta aura, uma aura que ergueu o “Último Tango em Mafamude” das cinzas. O imaginário coletivo português sentiu-se engrandecido e a espera valeu a pena.
Começou-se esta viagem de corpo e de alma com “Alfa Romeu e Julieta”, seguindo-se “Monte da Virgem Platónico”, “Amor Anónimo” e “Mesa para Dois no Carpa”. Quatro baladas com um trago eletrónico, tão caraterístico destes anos 80, deste revivalismo que se fez sentir nos tempos em que pegávamos no Vice City ou em que víamos, maravilhados, o estilo dos senhores de Miami Vice ou de Scarface; ou até de um simples concerto do Marante ou do Toy. Fomos a Miami dos anos 80 sem sair da outra margem da retratada Vila Nova de Gaia, o âmago de todo o trabalho e de toda a dedicação de David Bruno. O talento de Marquinho ajudou a que a mística que os videoclips trouxeram se mantivesse naquele pequeno espaço, no qual o público correspondeu de forma maravilhosa e íntima. Quase como uma claque que vibra do primeiro ao último minuto, assim foi no Hard Club. Todos conheciam os cânticos, todos vibravam intensamente, todos estavam entregues e rendidos ao talento e à irreverência de David Bruno e companhia.
Entre este e Miramar Confidencial, houve tempo para uma história inédita do artista para aqueles que o viram. “Lamborghini na Roulotte” conta o momento em que ele saía do Carpa e, lambuzando o ketchup e a mostarda de um cachorro de roulotte ao pé do cemitério de Mafamude, às duas da madrugada, se deparou com um Lamborghini. Um outro exemplo da intimidade da sua música, do caráter quotidiano e prático que a arte pode ter, e que tão bem é personificado neste caso. A letra foi apanhada rapidamente do lado de cá, da mesma forma que já se conhecia “Aparthotel Céu Azul”, “Bebe e Dorme”, “Com Contribuinte”, “Interveniente Acidental” (sem Mike El Nite), “M0ita Fl0res”, “N gosto k m mentem” e “Serenata em Enxo1000”. Miramar Confidencial foi o fundamento deste concerto e, como tal, foi devidamente desdobrado e acompanhado por quem o ouvia. Todas as letras, todas as histórias, todos os elogios incessantes e gritos que os sucederam, entre “Campião, Campião, Campião” e “Miramar, Miramar, Miramar”. Conheceu-se a raiz de muitas das músicas, que puderam ser ouvidas de outra forma, como a presença do patrão de David Bruno ou até o rapaz que assaltava na Escola Preparatória Teixeira Lopes quando este era aluno. Ficou um caminho de inspiração para que, no dia-a-dia, se faça música e arte, sem esquecer a possibilidade de fazer uma ode às nossas origens e às nossas inspirações.
Ele cresceu em Gaia, estudou em Gaia, até foi casado com uma gaiense. Tinha quatro filhos que nasceram em Gaia e tinha uma neta que nasceu em Gaia. David Bruno podia ter isto tudo, mas não foi preciso. Com os seus dois álbuns e todo o percurso criativo que os envolveu e os concretizou, conseguiu que grande parte (ou toda a gente) que o ouviu e o exultou no Hard Club se sentisse um gaiense. A afinidade criou-se nas redes sociais, mas a amizade firmou-se ao vivo e a cores, entre os sons e as luzes de um David Bruno irreverente, para quem o Monte da Virgem não é o limite. Dos solos exponenciais de Marquinho, da sonoridade retro e dos samples de David e dos discos e do crowd surfing de Bandeiras, ficou esta familiaridade de um Norte que é de todos. De Mafamude a Miramar, do Carpa ao Aparthotel, Gaia tornou-se, também ela, a nossa casa. É este o génio de David Bruno.