David Hockney e o Cubismo fotográfico

por Sara Camilo,    9 Julho, 2016
David Hockney e o Cubismo fotográfico

David Hockney guarda em si uma personagem que tem tudo de genuíno bem como de pitoresco, sendo conhecido pelo seu currículo plurifacetado. O britânico exibe uma carreira de sucesso quer na fotografia como na cenografia, mas essencialmente também na pintura.

Diz-se ser um dos grandes contribuidores para o movimento artístico Pop Art nos anos 60 e é dado como um dos artistas britânicos mais populares do século. David Hockney nasceu a 9 de Julho de 1937, em Bradford, Inglaterra. Este mês completa o seu septuagésimo nono aniversário, para ele a arte não difere com a idade, a arte está na alma e não nos números.

Cedo se comprometeu com a arte, que faz parte da sua essência, e criar tornou-se tão essencial como respirar. Na sua pele, a criação era tornar-se próximo de si, próximo do outro, aprofundando um tema e descobrindo um sentimento para mais tarde partilhá-lo.

“What an artist is trying to do for people is bring them closer to something, because, of course, art is about sharing: you wouldn’t be an artist unless you wanted to share an experience”

Era a partilha destas experiências que David queria tanto dar ao seu público e a si. Tornou-se assim completamente obcecado em estar constantemente a trabalhar, a descobrir, a experimentar e, por fim, a sentir.  

Este trabalho artístico começou pela pintura, expressando aquilo que vê e sente, e o mesmo se passa na fotografia. Neste caso específico o nosso foco fica virado para o David Hockney e o engenho fotográfico.

Em 1967 a fotografia entra na vida de David como um elemento decisivo para a pintura utilizando essa captação de uma imagem estática para mais tarde retirar algumas ideias para os seus quadros. Usava assim a fotografia como esboço para os seus quadros. A fotografia para ele era de certa forma um contra-senso, porque não tinha movimento, não era capaz de mostrar a passagem do tempo e ao mesmo tempo não retratava tudo aquilo que ele via acontecer naquele cenário. Ele chega mesmo a afirmar que “Photography will never equal painting!” e que também só serve para reproduções mecânicas. Tem um ponto de vista bastante conhecedor da realidade que ele acha que vê. A Fotografia, segundo a sua opinião, não tinha novas formas de ver, enquanto que a Pintura era para si uma das únicas artes capaz de expandir as diferentes formas de ver e por isso existia esta espécie de favoritismo em torno destas duas artes.

É sem dúvida engraçado que as suas fotografias, ou a sua nova forma de fotografar, provam exactamente o contrário – a fotografia também consegue ter novos pontos de vista . O trabalho de David em torno da fotografia revela novas formas de pensar e de sentir a fotografia, sem recorrer à pintura.

A fotografia é a captação de um tempo estático, e o fotografo vê a realidade captada por muito mais tempo que o tempo que a câmara o faz. Por isso, a realidade captada nem sempre é a realidade visível. Hockney, numa das noites no seu estúdio, começou a pensar sobre a fotografia e os seus pontos de vista, mas mais do que pensar resolveu fotografar o seu estúdio com uma Polaroid 35mm. Fotografou as partes do seu estúdio que lhe interessavam e ignorou muitas partes totalmente irrelevantes. Mais tarde agrupou as fotografias segundo as suas linhas e forma, e completou com pequenas fotografia um grande grande quadro que mostrava a realidade captada no seu estúdio, o resultado final adquire o nome de “Joiner”.

“Joiner” tornou-se assim um novo conceito fotográfico criado por David, sendo uma espécie de retracto fotográfico múltiplo e complexo de um espaço, pessoa ou objecto. Através deste conceito, o espectador consegue ter acesso a diferentes pontos de vista, ganha o poder de conseguir observar melhor o espaço, e adquire também a questão do tempo anteriormente descartada.

Este conceito fotográfico aconteceu por mero acidente, entre pensamentos e observações que mais tarde passaram a ser acções. Hockney percebeu então que através da colagem de diferentes fotografias do mesmo assunto, mas com diferentes pontos de vista, estava a construir algo muito importante: uma narrativa. Esta narrativa dentro da fotografia fazia com que o espectador possuísse movimentos, os olhos mexiam-se dentro do espaço apresentado pela fotografia, os pormenores começavam a revelar-se como se fosse um filme. Com tamanha descoberta artística, David, deixou de pintar durante uns tempos, e começou a dedicar-se apenas à criação de narrativas fotográficas, tudo isto em 1982.

Tal como todas as artes, a fotografia também tinha as suas limitações. O que mais o aborrecia era as perspectivas repetidas de uma câmara fixa. Todas estas limitações fazem com que a fotografia exclua mais realidade do que aquela que revela. As “Joiners” de certa forma questionam os conceitos base da fotografia que para muitos é o momento decisivo e a fracção certa de segundos em que podes retratar aquela realidade exactamente como ela parece ser. Sendo uma “Joiner” um conjunto de fotografias de um certo momento, anula automaticamente a existência do chamado “momento decisivo” tão falado por Bresson na fotografia.

Hockney pretende reproduzir com a sua arte, quer na fotografia quer na pintura, uma realidade suficientemente parecida com performance natural ocular. As “Joiners” cada vez mais se tornam cubistas, já que se trata de colocar dentro de um quadro múltiplas referências de diferentes pontos de vista de um mesmo assunto.

A fotografia ganha uma dimensão nunca antes vista e Hockney expande a área da fotografia, de tal forma que as suas imagens aproximam-se da assimilação dos sentidos numa mecânica do pensamento consciente. Permite ao espectador uma maior percepção de uma múltipla realidade, que nos é apresentada de forma global, como resultante de diversos instantes. Apesar desta visão ser global, surge-nos a impossibilidade de ver uma “Joiner” toda de uma só vez, a cada olhar surge uma nova realidade, e é esta complexidade que faz com que a fotografia ganhe novas dimensões da percepção humana.

Esta forma de pensamento e completude, vem do cubismo. Se olharmos para os quadros de Picasso conseguimos percepcionar a realidade fragmentada mas ainda assim perceptível, como é o exemplo do quadro “Guitar”, de 1913. Hockney foi altamente influenciado por Picasso, e hoje em dia há inúmeros artistas influenciados pelas “Joiners” de Hockney. Por exemplo a capa da soundtrack do filme de Lars Von Trier “Dancer in the Dark”, as peças de Eva Eun-sil Han, ou mesmo David Crooks , ou as esculturas de Gwon Osang, entre muitos outros.

Afinal David estava enganado em relação às perspectivas da fotografia e ele próprio o provou a si mesmo, o que não deixa de ser curioso. Hockney usa a arte como forma de aprendizagem, tentativa e erro.  Através da pintura e fotografia tenta reinventar novas técnicas, utilizar técnicas antigas dos grandes mestres, experimenta construir novas realidades e mistura as realidades antigas. No mundo das artes tudo pode ser inventado e reinventado. É sem dúvida um dos artistas que mais evoluiu e chegou ao mundo em inúmeras formas e cores, influenciado e influenciando as novas gerações pelo seu trabalho estimulante e intemporal.

Deixamos aqui um vídeo sobre as “Joiners” de David Hockney:

https://youtu.be/cGtraVb_0vY

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados