Debate: “Há muita gente que entra numa camioneta às 4h da manhã, volta às 5h da tarde, e recebe o salário mínimo”, Inês Fonseca

por Fumaça,    19 Agosto, 2020
Debate: “Há muita gente que entra numa camioneta às 4h da manhã, volta às 5h da tarde, e recebe o salário mínimo”, Inês Fonseca
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O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.

Ao longo de anos, empresas prestadoras de serviços e multinacionais fizeram crescer nas suas explorações agrícolas no sudoeste alentejano autênticas aldeias de contentores. Quatro paredes metálicas com poucas dezenas de metros quadrados servem de casa para centenas de imigrantes, sobretudo sul-asiáticos, africanos subsaarianos e europeus de Leste. Durante o dia, trabalham nos campos mesmo à porta do contentor onde vivem. Muitos a ganhar 3,25 euros à hora, em trabalhos sazonais, com contratos curtos, e pouca ou nenhuma proteção social. Muitos estão em situação irregular no país.

As construções precárias onde vivem, alternativas ao sobrelotado e degradado alojamento nas vilas mais próximas, eram ilegais até outubro de 2019. Nesse mês, o atual Governo aprovou uma resolução que as equipara, por dez anos, a estruturas complementares à atividade agrícola. Na mesma resolução, determinou quais as regras para a construção de novos contentores. Cada unidade de alojamento, com cerca de 120 metros, quatro quartos com dois beliches, destina-se a 16 pessoas. Tem que ter uma sala/cozinha, quatro casas de banho com sanita, duche e lavatório, um pátio exterior e interior.

Estamos a falar de “um regime especial e transitório”, aplicável por uma década, do Aproveitamento Hidroagrícola do Mira. Um enorme perímetro de rega, construído entre 1963 e 1973, que abrange cerca de 12 mil hectares entre a Charneca de Odemira e a margem sul da Ribeira de Seixe, nos concelhos de Odemira e Aljezur. Aí estão instaladas mais de duas dezenas de empresas de horticultura, fruticultura e floricultura, que empregam, direta ou indiretamente, milhares de imigrantes.

Beja com mais vítimas de tráfico humano

Nos últimos anos, a pressão sobre a oferta de alojamento e serviços nestes municípios escalou. As condições de vida fizeram o caminho inverso. Há estimativas que indicam que os imigrantes compõem 20% a 25% da população do concelho de Odemira. E são já metade da população da freguesia de São Teotónio. Nesta região do Alentejo, na última campanha de apanha de azeitona, entre outubro de 2019 e fevereiro de 2020, o número de trabalhadores estrangeiros terá superado os 30 mil, noticiou o Público. E foi no distrito de Beja que as autoridades identificaram, em 2019, a maioria das vítimas de tráfico humano em Portugal: 63 pessoas, 52 delas moldavas.

Este foi o mote para o debate “Exploração da gente para a exploração da terra”, gravado ao vivo no Festival Política, a 13 de agosto, em Lisboa, com moderação do Fumaça. Conversámos com Inês Cabral, mestre em Governance of Migration and Diversity na Erasmus University Rotterdam, nos Países Baixos, com uma tese sobre o impacto da imigração no concelho de Odemira, e Inês Fonseca, arquiteta, vereadora da CDU no município de Aviz, e uma das porta-vozes do Chão Nosso, um movimento recém-criado de residentes no Alentejo preocupados com as alterações no território que têm surgido nas últimas décadas.

A exploração laboral e escravatura moderna em Portugal é um dos temas que queremos investigar neste e no próximo ano. Em breve, vamos reativar a segunda parte da nossa campanha de crowdfunding, onde poderás apoiar uma série de reportagens sobre este assunto.

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