Dez filmes menos conhecidos ou esquecidos para ver na Filmin Portugal
Inúmeros são os artigos lançados por páginas de cinema e seus cinéfilos sobre a formidável oferta que a Filmin apresenta. No presente texto, que não pretende ser apenas mais um, priorizou-se dar a conhecer alguns nomes que, embora pouco explorados por entre a generalidade da audiência, não são, por isso, menos relevantes. Cada um especial dentro das suas particularidades, cada qual com algo a dizer, são dez filmes que se recomendam a todos que, mais ou menos confinados, desejem orbitar em torno de uma surpresa cinematográfica.
Play, de Ruben Ostlund
Do realizador e argumentista Ruben Ostlund, este drama adolescente inspirado em eventos reais, narra um episódio de provocação, manipulação, choque racial e contraste de classes entre dois grupos de amigos que entram em conflito. A acção desenrola-se de forma lenta e detalhada, acompanhada de planos imóveis, amplos, que permitem ao espectador assistir a cada passo dado pelos intervenientes, como se conduzido por um narrador imaginário. Assim que um dos grupos avista três amigos num centro comercial, rapidamente decide torná-los alvo de um esquema hábil de domínio e subjugação, cujo objetivo é uma satisfação que se estende para além dos bens materiais conquistados. Assim que ambas as facções entram em cena, um sofisticado jogo de vontades é posto em prática, envolvendo lutas de poder, alianças entre opositores e limites pessoais, enquanto revela a forma como jovens com diferentes raízes se encaram entre si.
Hrútar (Rams), de Grímur Hákonarson
A história desenrola-se numa zona remota da Islândia, entre dois irmãos e vizinhos, agricultores e adversários, de relações cortadas há 40 anos, que se enfrentam unicamente em concursos de ovelhas. Ovelhas, simultaneamente um legado de família e uma vocação, simbolizando para ambos mais do que um negócio de família, uma forma de vida. Contudo, a inimizade de décadas passa para segundo plano quando ambos decidem salvar uma raça de ovelhas, ameaçada pela propagação de um vírus e pela decisão de abate por parte das autoridades. Por entre uma cinematografia de excelência unida às paisagens de uma Islândia selvagem, numa harmonia perfeita entre diálogo e silêncio, emerge uma história comovente e divertida sobre amor, fraternidade e a força dos elos que se podem criar entre Homens, animais e natureza.
Lola, de Brillante Mendoza
Uma jornada por entre Manila, cidade filipina que, não obstante tratar-se de uma capital, nem por isso favorece os seus habitantes. Marcada por um atraso no progresso, pobreza extrema e zonas densamente povoadas, vive a um ritmo que não espera por ninguém, que não olha a desigualdades, onde quem quer resistir precisa de se adaptar. E é na linha desta ideia de maleabilidade, que o realizador filipino Brillante Mendoza desconstrói conceitos assentes como justiça, morte, honra e compaixão, e os exprime, numa análise social, pelo olhar das duas protagonistas através das suas circunstâncias próprias. A humanidade, nesta história, é carregada passo a passo por duas avós, que se veem obrigadas a lidar com as consequências dos atos de ambos os netos. Uma visão da velhice que contrasta com as noções que criámos da mesma, onde a força das convicções transcende a fragilidade da idade.
Kreuzweg (Stations Of The Cross), de Dietrich Brüggemann
No processo de preparação da confirmação religiosa, Maria, uma rapariga de 14 anos, envereda por um caminho de autodestruição, fruto de uma oscilação entre a sociedade moderna em que se insere e uma família ultraconservadora, assim como a incapacidade em conciliar ambas as realidades. Extremamente devota à sua fé, à ideia de sacrifício espiritual, assim como ao seu papel de filha, Maria deixa-se cair numa espiral de contrassensos, derivados da disfuncionalidade criada por uma família que sustenta a sua educação em rígidas doutrinas religiosas. A acção do filme, dividida em catorze cenas, procura o paralelismo com as meditações da Via Sacra (baseadas nas tradicionais catorze etapas que Cristo percorreu até ser crucificado), expondo o calvário suportado por uma adolescente vítima de fundamentalismos que falham em compreender as carências próprias da idade e da identidade de cada um.
Rosie, de Paddy Breathnach
Um drama familiar que versa sobre a crise do arrendamento em Dublin, em particular sobre o peso que caiu em cima de muitas famílias sem capacidade de suportar rendas avultadas. É o caso da família de Rosie e John Paul, pais de quatro, que se vêm obrigados a sair da casa que tinham como lar, agora à venda no mercado por um valor ao qual não têm como chegar. Forçados a uma nova rotina, os seis membros pernoitam em diferentes hotéis, noite após noite, num quotidiano nómada no qual tentam preservar o elo familiar entre todos. Com John Paul no trabalho, cabe a Rosie a missão de encontrar a cada dia um tecto sobre o qual possam dormir, um lugar definitivo para viverem, assim como assegurar a tranquilidade e bem-estar dos filhos. A força e empenho de uma mãe, um compromisso de todos, é a jornada atípica de uma família que ficou sem teto e sem chão, numa luta sem termo.
Äta sova dö (Eat, Sleep, Die), de Gabriela Pichler
Rasa é jovem, despreocupada, impulsiva e vive feliz. Trabalha numa fábrica da indústria alimentar (embalamento de hortícolas), na qual se sente integrada, partilhando fortes laços de amizade com os colegas. Confiante naquilo que faz bem, é com um sentimento de realização e dever cumprido que regressa todos os dias a casa para junto do seu pai, de quem trata. Um cenário que não se afiguraria apelativo para a generalidade dos jovens, regra geral ambiciosos, sedentos por um pouco mais de tudo e de olhos postos num futuro de possibilidades, mas que Rasa abraça com a gratidão de quem está onde quer. Porém, quando a empresa decide despedir alguns dos seus trabalhadores, o pequeno mundo de Rasa sofre um tremendo abalo, levando-a a colidir de frente com o universo do desemprego, burocracias morosas, promessas vagas e um racismo institucionalizado que pela primeira vez a fazem sentir uma forasteira na terra que sempre foi o seu lar. Um testemunho sóbrio do sistema que opera em prol da colectividade, olvidando que o todo é feito de cada um.
Summer 1993, de Carla Simón
Um retrato autobiográfico das memórias de infância da realizadora Carla Simón, descreve a entrada abrupta de uma criança no mundo adulto e na inaptidão própria da idade em lidar com o desconhecido, com a perda, a dor e a incerteza do futuro. O filme é contado da perspetiva de Frida, de 6 anos, que muda de cidade para ir viver com os seus tios, após o falecimento da mãe. O afastamento do resto da família é igualmente difícil de suportar por Frida, que não entende disputas familiares, não compreende o luto e tão pouco compreende as razões por detrás de uma nova vida. Sabe apenas que foi arrancada daquilo que conhecia e se sente sozinha, desconfiada, não se deixando integrar na família já criada pelos tios e prima. Através da representação extraordinária da pequena Laia Artigas, esta história acolhe-nos com o mesmo calor que os primeiros dias de verão, numa narrativa simples que por ser de alguém podia ser nossa, comovendo a audiência da forma mais verdadeira possível.
Dogman, de Matteo Garrone
A impetuosidade das obras de Matteo Garrone envolve, uma vez mais, a atmosfera deste drama, palco de batalhas internas e externas, com os demónios e barreiras que tantos encontram ao longo da vida. Nos arredores costeiros de uma cidade Italiana, desgovernada, abandonada, vítima do caos e violência, vive Marcello, proprietário de um pequeno salão de beleza para cães. Marcello tem objectivos simples: tratar o melhor possível da filha e dos animais que tanto ama, manter uma boa relação com a vizinhança e divertir-se com os amigos em partidas de futebol ocasionais. Seriam conquistas acessíveis, não fossem as poucas possibilidades que a sua profissão lhe oferece, o que leva Marcello a manter um esquema de venda de droga em segredo de todos. É nesse mundo paralelo que choca com Simone, um dos seus clientes, o rufia do bairro e antítese de Marcello. O confronto entre os dois desenrola-se ao longo de um vínculo de abuso e submissão, de obediência e fascínio, onde mais do que uma questão de masculinidade tóxica se transmite a perda de si próprio.
Michael, Markus Schleinzer
A estreia do realizador austríaco Markus Schleinzer debruça-se sobre o dia-a-dia de um homem comum, Michael, seguindo-o nas suas rotinas, trabalho e nas poucas interações que tem com as pessoas. Homem de meia idade, trabalhador numa agência de seguros, não sobressai, tão pouco revela qualquer singularidade, não fosse o facto de ser secretamente um pedófilo que mantém um pequeno rapaz preso na sua cave. Michael vive para isso, para a realidade paralela que fabricou naquela casa, com aquela criança, com quem criou laços difíceis de decifrar, por vezes quase similares aos de um pai austero e um filho rebelde. O desconforto suscitado entre cenas da rotina de ambos, como refeições tomadas em conjunto, assistir a televisão ou lavar a loiça, é tanto quanto as cenas que ficam por mostrar, mas que implicitamente tudo dizem.
Fortunata, Sergio Castellitto
Fortunata, a nossa indomável protagonista, é uma sonhadora em luta com a vida. Enquanto faz por se separar de um marido abusador, cuidar da filha pequena e trabalhar o máximo que o dia lhe permite, não desiste de realizar o sonho de abrir o seu próprio salão. O seu maior apoio é o amigo de infância, viciado em narcóticos e doente bipolar e a cidade nos arredores de Roma onde vive, é economicamente dominada pela comunidade chinesa; condicionantes às suas tentativas desesperadas de montar um negócio e obter a segurança e independência que tanto deseja. As suas resoluções não lhe permitem dedicar-se à filha como gostaria, tendo deixado a jovem com a revolta própria de quem sente que é deixado para trás. A narrativa revela um ritmo caótico, personagens bizarras e a história corre um risco constante de se desmoronar. Todavia, a excentricidade em Fortunata não impede que se sinta empatia face a quem não se retrai perante a possibilidade de errar, quem não se conforma em sobreviver ao dia e quem não quer perder o tempo de viver.