Direito dos animais: é preciso investir na sensibilização
A emergência da agenda pós-materialista, no início da década de 70, colocou novos desafios aos partidos, levando a uma reinvenção das formas de participação e de fazer política. Nesta agenda, para além da igualdade de género ou dos problemas ambientais, era discutida a questão do direito dos animais. Não é pura coincidência que a palavra “especismo” tenha sido usada pela primeira em 1970, em Oxford, “num panfleto de protesto contra a experimentação em animais escrito pelo psicólogo britânico Richard D. Ryde”, como refere Vasco Barreto, no artigo “A Crise de Meia-Idade do Antiespecismo”, publicado no número 7 da revista Electra.
Até hoje, a luta pelo bem-estar animal, que deu origem ao movimento pela defesa dos animais, não parou de crescer. Ao conceito de especismo, que, no mesmo artigo, Vasco Barreto define como “uma forma de discriminação com base na pertença à espécie”, opõe-se o conceito de “antiespecismo”. Massimo Filippi, na mesma publicação da revista Electra, discute o conceito partindo da ideia de que a categoria de espécie é um “constructo político-performativo”, mais do que uma mera descrição neutra de conjuntos de seres vivos semelhantes entre si.
Ao enquadrarmos a questão da defesa dos direitos dos animais na esfera política, não ignorando que as suas raízes assentam no debate filosófico, percebemos que esta não se torna menos complexa. Citando Boyan Manchev, em “A liberdade selvagem. Hipóteses para uma política animal”, “uma noção alargada do político, aquela que compreenderia os direitos dos animais, exige repensar as noções políticas atuais a partir do seu limite”.
Talvez por esta reflexão não ter acontecido na sua totalidade, ou talvez por a luta pós-materialista abranger uma série de temáticas diferentes que nos impedem de refletir sobre um tema em específico – muitos deles, indissociáveis uns dos outros –, a discussão sobre os direitos dos animais, ao enquadrar-se entre as restantes, não encontra um meio-termo para se colocar. Quando levada a debate político, ou passa despercebida ou, por oposição, torna-se a bandeira de um partido. Esta bipolarização torna-se perigosa ao impedir um diálogo sério sobre o assunto e, consequentemente, ao extremar posições entre aqueles que defendem a causa e que tudo fazem por ela e aqueles que a consideram, de alguma forma, desprovida de sentido.
Apesar dos importantes avanços levados a cabo, principalmente durante a última legislatura, que parecem indicar que o debate começou pelo início – como as mudanças relativas ao estatuto jurídico dos animais, em 2017, ou o reforço da criminalização dos maus tratos a animais domésticos –, rapidamente, este parece ter perdido o seu fio condutor. Como exemplos, é de referir a proposta do PAN, nas últimas eleições legislativas, sobre aquilo que o próprio deputado e líder do partido chamou de “uma espécie de Sistema Nacional de Saúde para animais”; ou, ainda, a proibição da carne de vaca pela Universidade de Coimbra.
Para que a questão possa ganhar o devido espaço que merece dentro do debate político, é preciso investir na sensibilização e na educação – explicar o que está em causa quando se fala do movimento de defesa dos direitos animais, quais são as suas raízes, as suas implicações, a sua importância; é preciso que os partidos, no seu conjunto, resolvam falar sobre ela; é, ainda, necessário, que exista um equilíbrio entre a sua defesa e a de todas as outras causas.
A revista Electra é um projeto da Fundação EDP lançado em março de 2018. É uma revista trimestral de pensamento e de crítica, conta exclusivamente com trabalhos originais de pensadores nacionais e estrangeiros. É editada em português e em inglês. A revista é vendida nas bancas, em livrarias, na loja do MAAT e online (aqui).